Acórdão nº 0998/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelPAIS BORGES
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: ( Relatório ) I. "A...", sociedade comercial com sede em ..., na Dinamarca, interpôs recurso de revista, ao abrigo do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCA Sul, de 18.09.2008 (fls. 242 e segs.), que, em sede de recurso jurisdicional, revogou a sentença do TAF de Lisboa, de 29.05.2008, pela qual fora deferido o pedido de intimação apresentado pela ora recorrente, e intimado o INSTITUTO NACIONAL DA FARMÁCIA E DO MEDICAMENTO (INFARMED), a prestar à Requerente, no prazo de 10 dias, a consulta e reprodução da versão não confidencial dos documentos abrangidos pelo disposto na alínea r) do nº 2 do art. 15º do Estatuto do Medicamento, aprovado pelo DL nº 176/2006, de 30 de Agosto, nos termos do disposto na al. s) daquele nº 2.

Na sua alegação, formula as seguintes conclusões: 1. É manifesta a admissibilidade do presente recurso excepcional de revista, por se encontrarem preenchidos os requisitos vertidos no artigo 150º, nº 1 do CPTA; 2. A questão jurídica em causa no presente recurso é, no essencial, a de saber se a ora Recorrente, pretendendo produzir e introduzir no mercado um determinado medicamento genérico produzido à base de uma determinada substância activa, tem ou não legitimidade para proceder à consulta e obter certidões de documentos do processo de autorização de introdução no mercado (adiante abreviadamente designada de "AIM") de determinado(s) medicamento(s) com a mesma substância activa; 3. A possibilidade e os termos da comercialização de medicamentos genéricos encontra-se legalmente dependente da protecção conferida ao medicamento de referência objecto de anterior AIM; 4. O respeito pelos direitos de propriedade industrial dos titulares de AIM's de medicamentos originais constitui condição sine qua non da sua comercialização pelo que as empresas que pretendem introduzir no mercado medicamentos genéricos devem acautelar o estrito respeito desses direitos cujos títulos jurídicos são, no essencial, as patentes e as AIM'S respectivas; 5. É manifesto o interesse público da comercialização de medicamentos genéricos e, por isso, também o interesse público na promoção de procedimentos adequados e garantísticos quanto à sua qualidade em termos científicos e quanto à sua conformidade com todos os requisitos legais aplicáveis; 6. Em suma, a garantia do direito de acesso à informação contida nos procedimentos administrativos de AIM - da responsabilidade do INFARMED ora recorrido - é indispensável à efectiva qualidade dos medicamentos genéricos e à correcta e efectiva promoção do uso de genéricos em Portugal; 7. A permissão pelo INFARMED da consulta dos documentos constantes do processo de AIM e a sua eventual reprodução constituem, simultaneamente, condições essenciais ao correcto e saudável funcionamento do mercado, em especial no que concerne à concorrência entre as empresas que operam no mercado dos medicamentos de referência e aquelas - como a Recorrente - que comercializam medicamentos genéricos; 8. No caso sub judice, estão já - e é altamente previsível que venham a estar cada vez mais - na situação da Recorrente - ou seja, com pretensões de consulta de processos de AIM de medicamentos originais - inúmeras outras empresas do sector com interesses comerciais legítimos na introdução no mercado de novos medicamentos genéricos e para as quais a garantia do exercício do seu direito de acesso aos documentos administrativos relativos aos processos de AIM se revela indispensável; 9. Como se entendeu, e bem, na sentença proferida pela primeira instância e em estreita consonância com o que tem vindo a ser o entendimento do Tribunal Constitucional, o direito de acesso aos documentos administrativos decorre do artigo 268º, nº 2 da CRP, estando por isso em causa um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados (v. por todos, o Ac. do TC nº 254/99); 10. Para se aferir se certa questão se reveste ou não de relevância jurídica ou social fundamental para efeitos de verificação dos requisitos do nº 1 do artigo 150º do CPTA, o que releva é o juízo de prognose tendente a saber se põe ter-se como fundadamente expectável que tal situação se venha a repetir com certa frequência, ou seja, se for de prever que a solução dada para a situação tratada no processo ultrapasse os limites de utilidade para o caso concreto e possa também servir de orientação para outras situações; 11. Como tem vindo a entender este Supremo Tribunal Administrativo, para os efeitos do artigo 150.º n.º 1 do CPTA, a importância jurídica ou social fundamental afere-se pela situação objectiva do litígio, isto é, o litígio situado no contexto geral do contencioso e da aplicação do direito administrativo concernente àquele instituto ou tipo de questões, pelo que é necessário demonstrar que aquela específica relação jurídica hipoteticamente vai repetir-se em casos semelhantes havendo interesse em esclarecer e fixar o direito aplicável; 12. Em face de todo o exposto, não pode deixar de concluir-se que a questão em causa no presente recurso se reveste de importância fundamental pela sua especial relevância social.

13. Para além do que ficou dito, é manifesta, no caso sob recurso, a necessidade da intervenção reguladora deste Venerando Supremo Tribunal, a qual se revela indispensável para uma melhor aplicação do direito, tanto mais que se vêm sucedendo, quanto à mesma questão jurídica, decisões contraditórias das várias entidades com competência na matéria; 14. Veja-se, desde logo, a divisão jurisprudencial que se verifica no seio da jurisdição administrativa, quer no seio dos tribunais da primeira instância, quer entre as decisões destes e do TCA quer mesmo entre as várias formações do TCA Sul; 15. Na verdade, a matéria subjacente ao presente recurso tem motivado inúmeros processos judiciais, a correr nos tribunais administrativos, que têm obtido decisões divergentes. Donde, a clara necessidade de admissão do recurso para garantia de uma melhor aplicação do direito; 16. Por seu turno, a CADA, chamada várias vezes a pronunciar-se sobre esta mesma questão - direito de acesso das empresas que pretendem comercializar genéricos aos documentos não confidenciais dos processo de AIM dos medicamentos de referência -, tem entendido que o INFARMED se encontra legalmente vinculado a conceder o acesso à informação não confidencial dos processos de AIM, devendo informar o requerente da consulta, tal como se encontra estabelecido no artigo 15º, nº 2, alíneas r) e s) do novo Estatuto do Medicamento quais os documentos do processo que devem ser considerados confidenciais; 17. É, pois, manifesta a admissibilidade do presente recurso excepcional de revista uma vez que, para além de se tratar de questão de especial importância ou relevância jurídica e social, a intervenção reguladora deste Venerando Supremo Tribunal revela-se indispensável para uma melhor aplicação do direito, tanto mais que se vêm sucedendo, quanto à mesma questão jurídica, decisões contraditórias das várias entidades com competência na matéria; 18. É igualmente manifesta a procedência do presente recurso porquanto, salvo o devido respeito, que é muito, o acórdão recorrido não fez correcta interpretação e aplicação das disposições; 19. Ao contrário do sustentado pelo tribunal a quo, o que está em causa nos presentes autos é, efectivamente e tão só, o direito de acesso da Requerente às partes não confidenciais dos dossiers de registo de AIM de dois medicamentos, conforme solicitado por esta; 20. No nosso sistema jurídico vigora o princípio da administração aberta, consagrado constitucionalmente no n.º 2 do artigo 268.º da CRP e estatuído no artigo 65.º do CPA, bem como regulamentado no artigo 5.º e seguintes da LADA, o qual se traduz num regime livre de acesso que apenas apresenta restrições, nomeadamente, quando se pretenda aceder a documentos administrativos que contenham matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e a intimidade das pessoas (cfr. 2.ª parte do n.º 2 do artigo 268.º da CRP e do artigo 65.º do CPA) ou contenham, entre outros, segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa (cfr. n.º 6 do artigo 6º da LADA); 21. Estando apenas em causa o acesso às partes não confidenciais dos dossiers de registo, conforme resultou provado, para além desse acesso não estar restringido nem tampouco proibido, a Recorrente não tinha sequer de demonstrar qualquer "interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade" (cfr. art. 6.º, n.º 5 da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto), apesar de o ter feito; 22. Pelo que, independentemente do interesse legítimo que a ora Recorrente invocou, e que efectivamente detém, no acesso aos documentos administrativos solicitados, assiste-lhe, em virtude do princípio acima referido, um direito de livre acesso aos documentos pretendidos - repita-se, apenas às partes não confidenciais dos respectivos processos; 23. A douta sentença recorrida considerou que os pedidos de acesso efectuados pela ora Recorrente configuravam um exercício do direito à informação procedimental, por ter um interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretende, por força da remissão do artigo 64.º do CPA; 24. Para que haja um interesse legítimo que permita a consulta de informações de processos por parte de um terceiro, que não é neles parte nem directamente visado, basta que o interesse desse terceiro seja atendível no conhecimento dos elementos que se pretende consultar e que possa justificar, em termos razoáveis, a informação pretendida; 25. Pretendendo a Requerente, ora Recorrente, vir a submeter ao ora Recorrido um pedido de autorização de introdução no mercado para medicamentos genéricos correspondentes aos medicamentos a cujas AIM, com exclusão das partes consideradas confidenciais, pretende aceder, forçoso será concluir que existe, inequivocamente...

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