Acórdão nº 0502/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Maio de 2014
Magistrado Responsável | CARLOS CARVALHO |
Data da Resolução | 29 de Maio de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.
RELATÓRIO 1.1. A…….. e B………, devidamente identificados nos autos, instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria [doravante TAFL], contra o “município de Alcobaça” e a contrainteressada “C………, SA” a presente ação administrativa especial pedindo para se “ … a) declarar a nulidade ou anular as deliberações da Câmara Municipal de Alcobaça de 21.06.2004 que aprovou o projeto de arquitetura (cfr. doc. 21); de 31.01.2005 que aprovou os projetos de especialidades (cfr. doc. 22); e de 21.02.2005 que autorizou a emissão do alvará de licença de obras (cfr. doc. 23), todas relativas ao Processo de Obras Particulares n.º 224/2004, com os fundamentos e pelas razões supra expostas, bem como todos os atos administrativos que dele sejam consequentes e/ou dependentes; b) declarar a inexistência de um ato final de licenciamento da construção sub judice, conforme ordena o art. 26.º do Decreto-Lei 555/99; e por conseguinte, c) ordenar a reconstituição natural da situação que existiria se não houvessem sido praticados os atos ilegais que agora se impugnam, nomeadamente, pela demolição total da obra executada, se não for possível promover o seu licenciamento, ou caso assim não se entenda, a demolição dos dois últimos pisos da obra executada, em conformidade e respeito para com a cércea dominante na envolvente; e ainda, d) declarar a ilegalidade das normas constantes Regulamento do PDM de Alcobaça, em especial do art. 50.º/2 e 4 (doc. 24), com os fundamentos e razões supra expostas ...
”.
Alegam para o efeito [cfr. petição inicial e alegações produzidas nos termos do art. 91.º do CPTA - cfr., respetivamente, fls. 01 a 17 e 288 a 333 dos autos] que os referidos atos padeceriam de ilegalidades várias decorrentes da violação dos arts. 09.º, n.º 4, 20.º, n.ºs 1 e 2, 24.º, n.ºs 2, als. a) e b), 4 e 5, 57.º, n.ºs 5 e 6 do RJUE e dos arts. 03.º, 15.º, 58.º, 59.º, 60.º, 62.º, 63.º, 73.º, 75.º e 121.º, n.º 3 do RGEU, bem como do art. 11.º, n.ºs 1, al. c) e 4, al. d) da Portaria n.º 1110/01; de falta de fundamentação [arts. 124.º, n.º 1, als. a) e d), 125.º e 133.º do CPA]; da violação dos direitos à reserva da vida íntima, à habitação condigna, ao ambiente urbano sadio e propriedade, bem como dos princípios do correto ordenamento do território, valorização do património ambiental e do respeito pelos administrados [arts. 09.º, al. e), 26.º, 62.º, 65.º, 66.º, 235.º, n.º 2, 266.º e 268.º, n.º 3 da CRP e 133.º do CPA]; da violação dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da prossecução do interesse público, da colaboração da Administração com os particulares e da participação destes [arts. 03.º, 04.º, 05.º, 07.º, 08.º, 133.º, n.ºs 1 e 2, al. d) todos do CPA]; da violação do dever de notificar [arts. 66.º, 68.º, 69.º, 132.º, n.ºs 1 e 3 e 135.º todos do CPA]; da infração aos arts. 50.º e 60.º do PDM de Alcobaça, 103.º do DL n.º 380/99, bem como aos arts. 02.º, als. b) e c), 07.º, n.ºs 1, al. c) e 2, al. a), 13.º, n.º 1, al. b) e 14.º, n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 32/93; do incumprimento do dever de promoção de audiência dos interessados [arts. 100.º, 103.º, 133.º e 53.º, n.º 2 todos do CPA]; da inexistência de licenciamento e de não ter havido ato de aprovação da licença de construção [arts. 23.º, 26.º, 27.º, 74.º, n.º 1, 75.º e 76.º, n.º 1 do RJUE].
1.2.
O TAFL por acórdão de 30.06.2011 julgou a ação parcialmente procedente, por verificação das ilegalidades decorrentes da violação do dever de fundamentação [arts. 124.º e 125.º ambos do CPA], bem como do disposto no art. 50.º, n.º 2 do PDM de Alcobaça em conjugação com os arts. 13.º, n.º 1 e 14.º do Decreto Regulamentar n.º 32/93, declarando nulos os atos impugnados, tendo conhecido ainda e improcedido os fundamentos de ilegalidade relativos à preterição do direito de audiência prévia dos interessados e de infração do que se mostra disposto nos arts. 23.º, 26.º, 27.º, 74.º, n.º 1, 75.º e 76.º, n.º 1 todos do RJUE [inexistência de licenciamento e de ato de aprovação da licença de construção], decisão esta que, neste segmento, não foi objeto de qualquer impugnação por parte dos AA..
1.3.
O R. Município, inconformado, recorreu para o TCA Sul o qual, por acórdão de 22.11.2012, concedendo provimento ao recurso jurisdicional dada a improcedência dos fundamentos de ilegalidade tidos por verificados pela decisão do TAFL, revogou esta decisão e julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo o R. dos pedidos.
1.4.
Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA os AA., inconformados com o acórdão proferido pelo TCA Sul, interpuseram, então, o presente recurso jurisdicional de revista apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 545 e segs.
- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário]: “...
-
O presente recurso é interposto do douto Acórdão proferido em 22.11.2012, pelo TCA Sul, que decidiu pela concessão de provimento ao recurso interposto pela Entidade Demandada, julgando improcedente a ação administrativa especial interposta pelos Autores, então Recorridos e aqui Recorrentes. A decisão sob recurso anulou a decisão proferida pelo TAF de Leiria que havia declarado nulos os atos impugnados (Deliberações da Câmara Municipal de Alcobaça, de 21.06.2004 - aprovação do projeto de arquitetura no âmbito do processo de obras n.º 224/2004 - de 31.012005 e atos consequentes - que aprovou os respetivos projetos de especialidades - de 21.02.2005 - que autorizou a emissão do alvará de licença de construção n.º 52/2005).
-
O presente recurso de revista justifica-se pela sua relevância jurídica das questões abordadas bem como pela relevância social dos atos impugnados, sendo igualmente a admissão do recurso claramente necessária para uma melhor aplicação e definição do Direito.
-
Considerando-se que os atos impugnados são suficientemente fundamentados, não poderia o Venerando Tribunal recorrido deixar de conhecer os vícios que eram assacados aqueles e cujo conhecimento tinha sido prejudicado pela resposta concedida pelo Tribunal de 1.ª instância ao vício de falta de fundamentação.
-
Entre os vícios apontados aos atos impugnados e não conhecidos pelo Acórdão recorrido, nem tampouco pelo Tribunal de 1.ª instância constam os seguintes: D.A. Violação dos princípios da legalidade, da igualdade e da proporcionalidade, da prossecução do interesse público urbanístico; D.B. Violação do art. 20.º, n.º 1, do RJUE por não ter sido considerada a envolvente urbanística existente; D.C. Violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º da Portaria n.º 1110/2001, de 19 de setembro; D.D. Violação do art. 24.º, n.º 2, alíneas a) e b), n.º 4 e 5 do RJUE, por a edificação licenciada afetar, de forma negativa e manifesta, o património edificado de ……… e em particular da zona em que se integra, constituindo uma sobrecarga para as infraestruturas existentes, nomeadamente para a rede viária, sendo desconforme com a estética da povoação e não se inserindo do edificado pré-existente; D.E. Violação do regime previsto no art. 57.º, n.º 5 e 6 do RJUE quanto à necessidade de procedimento de licenciamento de loteamento das construções em causa; D.F. Violação do art. 121.º, n.º 3, do Regime Geral das Edificações Urbanas (doravante designado por RGEU), atenta a localização, aparência e proporções da edificação licenciada; D.G. Violação dos arts. 58º, 59.º, 60.º, 62.º, 63.º, 73.º (cfr. art. 75.º) do RGEU; D.H. Entendendo-se situar-se em espaço urbanizável, violação do art. 60.º do PDM de Alcobaça, por a edificação em causa ter 5 pisos, densidade bruta de 165 fogos/ha e índice de construção bruta de 0,56; D.I. Entendendo-se situar-se em espaço urbano, violação do art. 50.º do PDM de Alcobaça, por remissão para o art. 14.º do Decreto Regulamentar n.º 32/93; D.J. Violação dos arts. 7.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea a) e do art. 13.º, por remissão do art. 14.º, n.º 1, todos do Decreto Regulamentar n.º 32/93.
-
A falta de pronúncia pelo Tribunal de 1.ª instância sobre os vícios indicados é justificada pela solução dada à questão prejudicial: saber se o ato de licenciamento estaria fundamentado, por forma a que fossem apreciados os identificados vícios (v. art. 95.º, n.º 1 do CPTA). Tendo decidido pela falta de fundamentação dos atos em causa, o que não permite apreender o iter cognoscitivo adotado pela entidade administrativa aquando da prática do ato, nomeadamente para aferir da sua conformidade com os preceitos legais e regulamentares aplicáveis e quanto à prática dos poderes discricionários urbanísticos inerentes à aprovação do licenciamento em causa.
-
Perante a decisão constante do Acórdão recorrido em considerar que o ato de licenciamento se encontrava devidamente fundamentado impor-se-ia que o mesmo apreciasse os vícios supra enunciados, ou seja, considerando que essa fundamentação é suficiente para conhecer o iter cognoscitivo e valorativo da decisão administrativa, contrariamente ao que havia sido entendido e decidido pelo TAF de Leiria, não podia o Venerando TCA Sul deixar de se pronunciar sobre os vícios que impendem sobre o mesmo.
-
O Acórdão recorrido deixou de se pronunciar sobre questões e causas de invalidade dos atos impugnados que tinha obrigação de conhecer e que se traduziriam na nulidade daqueles atos por fundamentos e causas diferentes das que procederam na decisão de 1.ª instância, pelo que é nulo (v. art. 149.º, n.º 1, 3 e 4 do CPTA; cfr. art. 668.º, n.º 1, d), 1.ª parte do CPC; cfr. ainda o art. 95.º, n.º 1 do CPTA).
-
Não é admissível, em Estado de Direito Democrático, que os vícios formais e materiais de ato administrativo não sejam conhecidos pela jurisdição administrativa por impossibilidade de apreciação atendendo à falta de fundamentação do ato, quando esse mesmo ato é considerado fundamentado mas ainda assim não conhecidos os identificados vícios geradores da...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO