Acórdão nº 268/12.0TBMGD-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução27 de Maio de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA veio deduzir oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhe é movida por BB.

Como fundamento, invocou a excepção peremptória de prescrição do direito à acção e a falta de título executivo e impugnou os factos alegados pelo exequente, referindo, em síntese, que não celebrou o contrato de mútuo a que se reporta o exequente. Admite que apôs a sua assinatura na letra, junta por cópia com o requerimento de execução, mas a mesma apenas foi aceite para garantir uma transacção celebrada por terceiro, que procedeu ao pagamento, pelo que, o exequente violou o pacto de preenchimento ao pretender obter o seu pagamento através da execução.

Pediu ainda a condenação do exequente como litigante de má-fé.

O exequente contestou, pugnando pela improcedência da invocada excepção, por considerar que a letra prescrita constitui título executivo, como mero documento particular de reconhecimento de divida, já que se mostra assinado pelo executado, constando do requerimento executivo a relação causal, que no caso consiste na celebração de dois contratos de mútuo.

No saneador, foi proferida decisão que julgou a oposição procedente, absolvendo-se o executado do pedido exequendo.

Exequente e executado interpuseram recurso dessa decisão, tendo a Relação decidido julgar: - improcedente a apelação do executado; e - procedente a apelação do exequente e parcialmente procedente a ampliação do objecto do recurso e nessa conformidade, declara-se a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quanto ao pedido de condenação do exequente, como litigante de má-fé e revoga-se a sentença, reconhecendo que o exequente dispõe de título executivo, devendo a oposição prosseguir os seus termos para ulterior apreciação dos fundamentos da oposição e do pedido de condenação do exequente, como litigante de má-fé.

Inconformado com esta decisão, vem o exequente pedir revista, apresentando conclusões, repetitivas e de inusitada extensão (128!!), em que suscita, no essencial, estas questões que importa aqui resolver: - A fotocópia da letra de câmbio junta aos autos não pode servir de título executivo; - Prescrita a obrigação cambiária e tendo esta subjacente um negócio jurídico nulo, não pode a letra, como quirógrafo, valer como título executivo.

O exequente contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

III.

No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos:

  1. BB intentou execução comum, para pagamento de quantia certa, contra AA, para deste haver a quantia de € 150.020,14, acrescida de juros, à taxa legal, até integral pagamento.

b) BB fundou a execução mencionada em a), no facto de ser legítimo portador de um escrito denominado “letra de câmbio”, no valor de 109.735,53 €, com data de emissão de 1 de Julho de 2003, com data de vencimento de 1 de Julho de 2004, onde consta como sacador o exequente BB, como sacado e aceitante o oponente AA, que se encontra a fls. 12, dos autos principais, cujo teor se dá aqui por reproduzido; d) Aos 22.11.2012, o exequente interpôs os autos de execução que constitui o processo n.º 268/12.0TBMGD.

e) No requerimento executivo, o exequente alega: 1º - Em 23 de Junho de 1994, o executado confessou-se devedor ao exequente no montante de 3.500.000$ escudos, resultante de contrato de mutuo celebrado naquela data.

  1. - Posteriormente, no dia 14 de Janeiro de 1997, o executado confessou-se devedor ao exequente no montante de 18.500.000$, resultante de contrato de mutuo celebrado naquela data.

  2. - Os referidos montantes destinaram-se a solver dificuldades económicas do executado.

  3. - Foi acordado entre ambos que os referidos montantes seriam pagos no prazo de dois anos a contar do segundo empréstimo.

  4. - O que não aconteceu.

  5. - Dada a relação de amizade o exequente foi protelando a situação.

  6. - Com data de 01 de Julho de 2003, após muita insistência do exequente, até porque já não existia o escudo, mas sim o euro, o executado aceitou e entregou ao exequente uma letra de câmbio de igual montante aos empréstimos identificados, no valor de € 109.735,53 euros, com data de vencimento em 01 de Julho de 2004.

  7. - Na data de vencimento a letra foi apresentada a pagamento ao executado, que não a pagou, nem reformou.

  8. - Apesar das inúmeras interpelações o executado nada pagou referente à letra aceite.

  9. - Encontra-se em divida o respectivo capital e juros de mora vencidos desde 01.07.2004 até á presente data.

  10. - E ainda os juros de mora vincendos desde a presente data até efectivo e integral pagamento.

  11. - Esta situação apenas se tornou possível dada a relação de amizade entre exequente e executado.

  12. - Contudo, o exequente não está disposto a protelar mais esta situação”.

IV.

Cumpre apreciar as questões acima indicadas.

  1. O Recorrente sustenta que a fotocópia da letra de câmbio junta aos autos não pode servir de título executivo, afirmando que o tribunal recorrido deveria ter enquadrado a situação em apreço ao abrigo do disposto no art. 3º nº 2 da Portaria 1538/2008, de 30 de Dezembro, por remissão do art. 138º do CPC e, desse modo, pronunciar-se pela inadmissibilidade de a fotocópia junta aos autos, cujo original não foi exibido apesar de requerido, ter a força probatória de um título executivo.

    Não tem razão.

    Importa começar por notar que, no seu articulado de oposição, o opoente, ora Recorrente, não impugnou a validade formal do título dado à execução. Pelo contrário, reconheceu como sua a assinatura aposta no documento, limitando-se a impugnar o seu preenchimento, alegando que este não obedeceu ao acordo que esteve subjacente à emissão do respectivo título.

    Só a final, na indicação da prova, requereu a junção do original do título, "designadamente para verificar o disposto nos artigos 28º (…) deste articulado" – al. C) 1. – e para ser submetido a prova pericial, "por forma a aferir e determinar se houve preenchimento abusivo e a serem demonstrados e provados os factos invocados nos artigos 51º (…)" – al. D) (fls. 26 e 28).

    Esclareça-se que esses factos, aí invocados, respeitam apenas ao alegado preenchimento abusivo da letra de câmbio, que o opoente afirma ter entregado ao exequente em branco, contendo apenas a sua assinatura, e tão só para garantir o bom cumprimento de um contrato de compra e venda celebrado entre o exequente e um terceiro; letra que não foi depois devolvida ao opoente, apesar de ter sido pago o preço do referido contrato.

    Neste enquadramento, parece-nos óbvio que na 1ª instância, tendo sido decidido, embora por outras razões, que não existia título executivo (a letra, como mero quirógrafo, não pode servir de título executivo da obrigação causal, resultante, no caso, de dois contratos de mútuo nulos por vício de forma), julgando-se procedente a oposição, não tinha a sentença de se pronunciar sobre o aludido requerimento do opoente.

    E, do mesmo modo, não tinha a Relação de o fazer, tendo em conta o objecto da apelação: só na sequência do aí decidido, com a revogação da sentença e mantendo-se o determinado prosseguimento da oposição, se poderá colocar a questão da exibição do documento original, designadamente no âmbito das diligências instrutórias requeridas pelo opoente.

    Nesta medida, perdem sentido grande parte das objecções suscitadas no presente recurso quanto a esta questão.

    Por outro lado, passando agora directamente à questão enunciada, a posição defendida pelo Recorrente, com apoio em doutrina e jurisprudência praticamente uniformes, apenas seria pertinente para os casos de títulos de crédito e no que respeita ao regime anterior ao DL 226/2008, de 20/11.

    Até aí entendia-se que o título de crédito não podia substituir-se por cópia, ainda que dotada da força probatória do original, por só aquele poder incorporar a obrigação cambiária[2]; essa cópia não podia, por isso, servir de título executivo, aceitando-se, porém, designadamente em casos em que o original do título de crédito se encontrasse noutro processo, que nada obstava a que o exequente procedesse à execução, desde que juntasse cópia desse original devidamente autenticada[3].

    Com a reforma da acção executiva de 2008...

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