Acórdão nº 4375/09.8TBGDM.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Maio de 2014
Magistrado Responsável | AZEVEDO RAMOS |
Data da Resolução | 27 de Maio de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA e BB, intentaram acção declarativa contra a ré “CC, SA”, invocando que sofreram um acidente quando circulavam num veículo, cuja responsabilidade se encontrava transferida para a ré.
A AA invoca perda de rendimento pela sua situação de baixa e posterior aposentação compulsiva.
Mais alegam danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreram na sequência do despiste da viatura Pedem que a ré seja condenada a pagar: - À autora AA, a quantia global líquida de 259.004,87 euros, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal até efectivo e integral pagamento, e ainda na indemnização que, por força dos factos alegados nos artigos 202 a 213 da petição inicial, vier a ser fixada em ampliação do pedido ou vier a ser liquidada em incidente posterior; - À autora BB, a quantia global líquida de 2.000,00 euros, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal até efectivo pagamento.
Contestou a ré, por excepção, invocando a prescrição do direito que as autoras pretendem exercer e, por impugnação, quer no que respeita à ocorrência do sinistro quer no que respeita aos danos alegados.
Replicaram as autoras.
* O processo prosseguiu seus trâmites e, realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que condenou a ré CC, SA” a pagar: - à autora AA a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais por ela sofridos, acrescida dos respectivos juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da sentença e até integral pagamento; - à autora BB da quantia de € 600,00 (seiscentos euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da sentença e até integral pagamento; A ré “CC, SA”, foi absolvida do demais peticionado.
* Apelou a autora AA, mas sem êxito, pois a Relação do Porto, através do seu Acórdão de 28-10-2013, negou provimento à apelação e confirmou a sentença recorrida.
* Continuando inconformada, a autora AA pediu revista excepcional, invocando oposição do Acórdão recorrido com o Acórdão da Relação de Coimbra de 5-5-1992, transitado em julgado, cuja certidão constitui documento de fls 694 e segs, revista excepcional essa que foi admitida por Acórdão de 25-2-2014 da formação de apreciação preliminar.
A recorrente resumidamente conclui: 1 – Nos termos do art. 7, nº2, al. d), do dec-lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, em vigor à data do sinistro, excluem-se da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados, além do mais, ao cônjuge do condutor do veículo.
2 – Ou seja, a exclusão legal cinge-se aos danos decorrentes de lesões materiais, em contraposição aos danos corporais.
3 – Do cotejo das várias disposições legais do dec-lei nº 522/85, de 31 de Dezembro e do preceituado na Directiva Automóvel 84/5/CEE, conclui-se que o legislador visou privilegiar os danos corporais, relegando para segundo plano os danos materiais, ou seja, os danos em coisas.
4 – Assim, a exclusão legal cinge-se, no caso dos autos, apenas aos danos decorrentes de lesões materiais causadas ao cônjuge do condutor, a sinistrada AA, por contraposição com os danos decorrentes de lesões corporais, estes abrangidos e não excluídos do seguro.
5 – Os familiares do condutor não podem ser prejudicados por terem essa qualidade, pois o que a lei quis foi proteger os passageiros transportados, no que respeita às lesões corporais e todos os daí decorrentes, apenas excluindo as lesões materiais, ou seja, as lesões nas coisas (por exemplo, no veículo, nos bens transportados, na roupa).
6 – Por consequência, a ré está obrigada a ressarcir a autora AA não só pelos danos não patrimoniais sofridos, mas também pelos danos decorrentes das lesões físicas infligidas e decorrentes da incapacidade que a mesma autora sofreu em resultado do acidente. 7 – Deste modo, revogando o Acórdão recorrido, deve ser julgado procedente o pedido quanto a todos os danos patrimoniais advindos, sejam eles sob a forma de danos emergentes ou lucros cessantes – o dano patrimonial futuro - derivado da incapacidade total e definitiva que a mesma autora padece para exercer a sua profissão, considerando os factos dados como provados.
8 – Por outro lado, a compensação de 30.000 euros atribuída pelos danos não patrimoniais mostra-se desadequada, devendo ser elevada para 50.000 euros, face à natureza e gravidade destes danos. * Não houve contra-alegações.
* Corridos os vistos, cumpre decidir.
* A Relação considerou provados os factos seguintes: 1. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº..., o proprietário do veículo com a matricula ...BL, DD, transferiu a responsabilidade por danos causados a terceiros decorrentes da circulação daquele veículo para a ora Ré, na altura e antes da fusão com a CC, denominada para CC, encontrando-se tal seguro válido e eficaz no momento do acidente (al. A) dos factos assentes).
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A Estrada Nacional nº 108, no local do sinistro em causa nestes autos, configura um troço de recta (resposta ao item 1º da BI).
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A sua faixa de rodagem tem uma largura de aproximadamente 06,00 metros (resposta ao item 2º da BI).
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O seu piso era, como é, pavimentado a asfalto (resposta ao item 3º da BI); 5. No dia 25.12.2004, o tempo estava de chuva (resposta ao item 4º da BI).
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O pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 108 encontrava-se molhado, mas sem covas (resposta ao item 8º da BI).
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Atento o sentido de trânsito Entre-os-Rios/Porto, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 108 apresentava uma berma (resposta ao item 9º da BI).
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A ladear essa berma, apresentava ainda, à data da ocorrência do acidente que deu origem aos presentes autos, uma regueira com uma profundidade não concretamente apurada mas nunca inferior a 50 cm (resposta ao item 10º da BI).
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Pelas suas duas margens, a Estrada Nacional nº. 108 era, como é, marginada por casas de habitação, no local do sinistro e antes de lá chegar, para quem circula em qualquer dos seus dois sentidos de marcha (resposta ao item 11º da BI).
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No dia 25 de Dezembro de 2004, pelas 18,20 horas, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...BL transitava pela Estrada Nacional nº. 108 (resposta ao item15º da BI).
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Desenvolvia a sua marcha, no sentido Entre os Rios – Porto (resposta ao item 16ºda BI).
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E, inicialmente, pela metade direita da faixa de rodagem da referida via, tendo em conta o seu sentido de marcha (resposta ao item 17º da BI).
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DD imprimia ao ligeiro de passageiros de matrícula ...BL uma velocidade não concretamente apurada mas seguramente superior a 50 km/h (resposta ao item19º da BI).
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Em consequência do descrito em 13º e do piso estar molhado, o condutor do BL, perdeu o controle do ligeiro de passageiros de matrícula ...BL, saiu da sua faixa de rodagem para o lado direito, tendo em conta o seu sentido de marcha – Entre os Rios – Porto, para fora da metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 108, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha (resposta ao item 20º da BI).
2 A referência ao ano de 2009 neste item da BI é manifestamente um lapso de escrita, pois deveria constar o ano de 2004, lapso que assim se corrige.
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Penetrando na própria berma que ladeia a Estrada Nacional nº. 108, pela sua margem direita, tendo em conta o sentido Entre os Rios – Porto....(resposta ao item 21º da BI).
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… entrando com as rodas direitas na regueira que se situava desse lado, e assim seguindo cerca de 15 metros (resposta ao item 22º da BI).
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Até que embateu contra uma passagem em cimento implantada na regueira e que interrompia essa regueira sendo que a água passava a ser conduzida por um cano (resposta ao item 23º da BI); 18. O embate ocorreu entre a parte frontal do ligeiro de passageiros de matrícula ...BL e essa passagem em cimento (resposta ao item 24º da BI).
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A autora AA seguia, como passageira, sentada no banco da frente do BL, ao lado direito do respectivo condutor (resposta ao item 25º da BI).
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A autora BB seguia no banco de trás, imediatamente atrás do banco onde seguia a autora AA (resposta ao item 26º da BI).
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Ambas as autoras levavam, apertado e justo ao seu corpo, o cinto de segurança (resposta ao item 27º da BI).
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A autora AA, no momento da ocorrência do acidente e nos instantes que se seguiram sofreu um enorme susto, e dada a sua incapacidade de lhe escapar e da violência do embate, receou pela própria vida (resposta ao item 28º da BI).
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Após o embate já descrito, a autora AA ficou impossibilitada de sair do carro, uma vez que ficou com o pé direito preso e a viatura estava tombada sob o seu lado direito na regueira (resposta ao item 29º da BI).
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A autora AA viveu momentos de pânico e de terror por se ver encarcerada e impossibilitada de sair da viatura (resposta ao item 30º da BI).
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A autora AA nunca perdeu a consciência do mal que lhe estava a acontecer, e apenas gritava com a angústia, a dor e o desespero de quem se encontrava absolutamente imobilizada e encarcerada dentro da sua viatura (resposta ao item 31º da BI).
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Só com a vinda dos Bombeiros que, munidos do respectivo material de desencarceramento, procederam à retirada da demandante e a autora conseguiu sair pela porta do condutor, por, em consequência do sinistro, o veículo ter ficado numa situação de perda total, sendo posteriormente abatido (resposta ao item 32º da BI).
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A autora sofreu psicologicamente naqueles momentos, aquando da saída do seu veículo (resposta ao item 33º da BI).
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A autora (AA) sente hoje alguma perturbação quando recorda esses momentos (resposta aos itens 34º e 35º da BI).
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A autora AA foi assistida no local pelo INEM, que procedeu à imobilização da perna direita e foi transportada através de um plano duro (resposta ao item 36º da BI).
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Como consequência directa e necessária do referido embate resultaram lesões corporais várias para a ora autora, o que fez com que fosse transportada em ambulância para o Hospital de Santo...
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