Acórdão nº 3779/10.8TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução13 de Maio de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório A…, residente na Rua …, demanda R… e mulher M…, residentes na Avenida ...

    Fundamenta, assim, a sua pretensão: O autor é dono de um prédio (artigo matricial 9..) que resultou da desanexação de um outro prédio (artigo matricial 4…). Este último prédio foi herdado pelo autor de seus pais. Deste prédio foi também desanexado o prédio dos réus (artigo matricial 6…). Aquando do inventário subsequente ao divórcio do autor com a sua então mulher foi adjudicado ao autor o primeiro prédio e à sua ex-mulher o segundo. Ambos os prédios deveriam, porém, ter áreas idênticas, cada um de 270m2. A sua ex-mulher, porém, em 1998, construiu um muro que separou o seu prédio do restante. Com essa divisão ficou o prédio dela a ter uma área de 497,40m2, sendo o do autor passou a ter apenas 202 m2. Assim, o prédio da ex-mulher do autor ficou com 68m2 que deveriam pertencer ao prédio deste, sendo o remanescente do excesso pertença do prédio com o artigo matricial ...

    Os réus são os atuais proprietários do prédio que pertenceu à ex-mulher do autor porque o compraram a esta e continuam a ocupar ilegalmente aquela área (68m2).

    O autor sempre se opôs à divisão efetuada unilateralmente pela sua ex-mulher.

    O autor indica a linha delimitadora que, entre os dois prédios, deverá ser fixada.

    Termina pedindo a condenação dos réus a:

    1. A ver demarcados os prédios identificados em 1º e 9º da petição inicial, devendo os réus ser citados para contestarem, querendo, a linha delimitadora definida no art. 27º da petição inicial, indicando para tanto uma linha alternativa, sob pena de não o fazendo, serem condenados a reconhecer que é pela linha indicada pelo autor que se delimitam os mencionados prédios.

    2. A reconhecer o direito de propriedade do autor sobre o prédio identificado no art. 1º da petição inicial até à linha delimitadora que vier a ser fixada, abstendo-se, consequentemente de praticar qualquer ato que, de qualquer modo, impeça, dificulte ou diminua o livre exercício do direito do autor sobre tal prédio até tal linha delimitadora.

    3. A demolirem e retirarem tudo o que, depois de definida a linha delimitadora, estiver a ocupar o prédio do autor, no prazo de 15 dias, entregando-o ao autor completamente livre e desimpedido.

    4. A pagarem ao autor, a título de sanção pecuniária, a quantia de €100,00 por cada dia além dos 15 dias acima referidos, que demorarem a limpar e desimpedir o prédio deste.

    Os réus contestam alegando: O prédio … após a desanexação dos prédios inscritos na matriz sob os artigos 9… e 6… também ficou a pertencer à ex-mulher do autor na partilha efetuada na sequência do divórcio. Aquele prédio tinha uma área de 3.227m2. As áreas dos dois prédios resultantes da desanexação sempre foram muito diferentes. A isto acresce que a demarcação só poderia ser efetuada com os atuais proprietários do prédio inscrito na matriz no artigo ...

    Os réus alegam que há mais de 20 anos que andam na posse do prédio com a área que atualmente tem e que o autor alega de má-fé.

    Os réus requereram a intervenção provocada do vendedor do prédio de que são proprietários.

    Assim, foram admitidos a intervir acessoriamente os vendedores do prédio … como auxiliares na defesa dos réus.

    O autor requereu a intervenção provocada dos proprietários do prédio inscrito na matriz no artigo …, do qual foram desanexados os prédios de autor e réus e com os quais confinam.

    Assim, foram admitidos a intervir a título principal ...

    O Sr. Juiz do Tribunal Judicial de Viseu proferiu a seguinte decisão final: “Nesta conformidade, e pelo exposto, o tribunal decide: - Julgar improcedente, por não provada, a presente ação.

    - Absolver os réus do pedido.”.

  2. O Objecto da instância de recurso A…, notificado de tal decisão, interpôs a sua apelação, alinhavando as seguintes conclusões: … Os apelados R… E M… , responderam ao recurso, dizendo: … O Sr. Juiz do Tribunal de Viseu alinhavou os seguintes factos: … Como sabemos, a norma do art.º 1353.º do Código Civil possibilita que, “O proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles”.

    Consagra esta disposição legal o direito potestativo do dono de um prédio obter o concurso dos donos dos prédios vizinhos para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles.

    Visando efectivar aquele direito, as acções de demarcação apresentam uma causa de pedir complexa, traduzindo-se na invocação da titularidade de prédios distintos, da confinância e, por último, da controvérsia quanto aos limites, sendo certo que se trata da acção adequada ainda naquelas situações em que a linha limite é conhecida e indiscutida, destinando-se a acção a obter o concurso do dono do prédio vizinho para a mera aposição dos marcos.

    Logo por via da norma do artº 1354º nº2 CCiv se vê que o direito a demarcar prédios depende, não tanto da invocação de uma linha de demarcação, mas antes da própria inexistência de demarcação em si - tudo o mais deve ser conhecido pelo próprio tribunal, aplicando, para efeitos da fixação de uma linha de demarcação, os critérios principal e supletivo previstos no citado artº 1354º.

    Com a inexistência de uma linha demarcatória, o tribunal deve pronunciar-se nos termos dos artºs 1353º e 1354º Código Civil.

    Isto é assim, de facto, também porque nos encontramos perante um direito potestativo, isto é, “direito que o titular exerce por sua livre vontade, desencadeando determinados efeitos na esfera jurídica de outrem, independentemente da vontade deste” – sobre esta matéria, ver Profª Ana Prata, Dicionário Jurídico, 3ª ed., pg. 371 -.

    A natureza do direito de demarcação e a sua mais geral inserção na área dos direitos potestativos impõem ao tribunal uma decisão em concreto, que obedeça aos comandos legais já supra citados.

    A acção de demarcação vem a constituir uma acção pessoal e não real, porquanto não tem como fito principal ou acessório o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos (reais) definidos no art.º 2.º do C. Reg. Pred., por reporte ao art.º 3.º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma; não se pretende obter através dela a declaração de um qualquer direito real ou a definição da sua amplitude; a qualidade de proprietário (de um dado terreno ou prédio), invocada pelo autor, é apenas condição da sua legitimatio ad causam; daí que a respectiva causa de pedir resida no facto complexo da existência de prédios confiantes, de proprietários distintos e de estremas incertas ou duvidosas», que não no facto que originou o invocado direito de propriedade - neste preciso sentido, por ex., Acórdão do S.T.J. de 29.6.00, publicado no BMJ 499.º pág. 294 -.

    Os títulos existentes é que concorrerão para definição das estremas, e esta definição não faz nascer um novo domínio, respeitando antes o domínio pré-existente.

    O conflito acerca do título é típico da acção de reivindicação, sendo que o conflito acerca dos prédios – v.g., a extensão dos mesmos – é próprio da acção de demarcação.

    É certo que, a pretexto da definição de confrontações, a acção de demarcação não pode ser utilizada para um reconhecimento da propriedade sobre uma qualquer parcela de terreno, isto porque o pressuposto da demarcação é o do respeito pelos títulos existentes.

    Esta constatação implica, pois, que não se deva aceitar a demarcação que, ao menos pelos limites do pedido ou das consequências do julgado, venha a constituir uma verdadeira acção de reconhecimento de propriedade, ao menos em contra do já decidido na prévia acção de reivindicação.

    Vamos aos autos.

    Existiu um prédio rústico inscrito na matriz predial respetiva da freguesia de Fragosela sob o artigo ... Este prédio foi adquirido por via sucessória pelo autor da presente ação (ponto 9 dos factos provados). Foi alegada pelo autor a usucapião sobre o mesmo prédio, a fim de afastar a incerteza decorrente do princípio nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habet.

    Nesta matéria, e que não é essencial para a questão que aqui se discute, o autor logrou provar que foi o titular do direito de propriedade sobre o prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, o qual tinha uma área de 3.227m2, porque o adquiriu por usucapião (pontos 9, 10 e 11 dos factos provados e artigos 1287º, 1296º e 1297º do C. Civil).

    O autor divorciou-se.

    No inventário subsequente ao divórcio, aquele prédio (artigo …) integrou o património comum a partilhar e foi dividido em 3 partes, sendo que os interessados quiseram que duas delas fossem iguais em área (ponto 20 dos factos provados).

    Para esse efeito, em 10-11-1993 foram desanexadas do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, e que pertencia ao autor, duas delas, as quais deram origem aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos 9… e 6... O primeiro foi adjudicado ao autor, o segundo à ex-mulher do autor...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT