Acórdão nº 22/09 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Gomes
Data da Resolução14 de Janeiro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃON.º 22/2009 Processo n.º 457/04 3ª Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acórdão na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I- Relatório

1. A. e outros, todos melhor identificados nos autos, instauraram, nos Juízos Cíveis da Comarca do Porto, uma acção contra B. Futebol Club, pedindo, além do mais, a condenação do réu a ver denunciado o contrato de arrendamento de um prédio, que foi arrendado em 1945, no estado de inculto, para ser usado para a prática desportiva.

A acção foi julgada procedente no tribunal de 1.ª instância, sendo o réu condenado, além do mais, “a ver denunciado o contrato de arrendamento sub judice para o termo do prazo da respectiva renovação e a entregar aos autores o prédio locado devoluto e livre de pessoas e coisas”.

2. Desta sentença recorreu o réu, vindo o Tribunal da Relação do Porto a julgar improcedente a apelação e a confirmar a sentença recorrida, pelo acórdão de fls. 316 e segs.

Este aresto, na parte que importa considerar para efeitos do recurso de constitucionalidade, fundamentou-se no seguinte:

(…)

B – Atentemos agora na segunda questão.

Na sentença recorrida entendeu-se que o contrato de arrendamento que os AA. pretendem denunciar tem a natureza da arrendamento rústico não sujeito a regimes especiais, o que, por virtude da aplicação do disposto – no art.6°, n°1, do Regime de Arrendamento Urbano (RAU) aprovado pelo DL 321-B/90, de 15.10, determinava que as normas da denuncia referidas nos art.1054°, n°1 e 1055° do Código Civil (CC) se aplicavam ao caso concreto em apreço, com a consequente atribuição aos AA. senhorios do direito de denunciar o contrato.

O apelante entende que o arrendamento em causa reveste a natureza de arrendamento de prédio urbano em vista do respectivo objecto, da personalidade jurídica do locatário e também pela sua destinação a actividade de natureza comercial.

Cremos que não tem razão.

É sabido que é a lei vigente na altura da celebração do contrato de arrendamento que regula a sua forma e a sua natureza urbana ou rústica — ver, neste sentido e por todos, o acórdão desta Relação de 93.11.29 “in” CJ 1993 V 234. A lei vigente sobre a matéria de arrendamento de prédios rústicos e urbanos à altura em que foi celebrado o contrato em causa no presente processo era o Decreto n°5.411, de 19.04.17.

De acordo com o n.° 1 do art.1° deste diploma entendia-se por prédio urbano “o edifício incorporado no solo e o terreno que lhe servia de logradouro e que não seja de valor superior; e por prédio rústico o solo ou terreno que não faz parte de um prédio urbano e os edifícios que nele estejam incorporados e que não sejam de valor superior”.

A natureza rústica ou urbana do arrendamento tinha, assim, que ser definida de acordo com estes conceitos.

No caso concreto em apreço, o arrendamento teve por objecto “um campo situado na rua do Pinheiro Manso” comprometendo-se a Direcção do Réu a não deitar escórias no terreno como arranjo e preparação de campo de jogos, a dar passagem para a Rua …, através do campo ao inquilino do prédio da Rua …, n. ° .., com o qual já tem comunicação, a vedar o terreno de forma a evitar possíveis prejuízos ao referido inquilino e a tornar a pôr o campo da mesma maneira em que o encontrou, ficando estabelecido que todas as benfeitorias feitas no referido campo, serão pertença da senhoria, sem que esta tenha de indemnizar o inquilino quando este deixe o aluguer do campo, comprometendo-se a senhoria a permitir que a Direcção do Réu execute e construa as obras que julgar necessárias para o bom funcionamento do Clube.

Ora, sendo assim e de acordo com os conceitos de prédio rústico e prédio urbano acima referidos, é manifesto que o arrendamento em causa tinha que ser classificado como rústico e nunca como urbano, na medida em que teve por objecto um prédio rústico e não um prédio urbano.

Tratando-se de um arrendamento de um prédio rústico, no entanto, não se destinava a fins agrícolas, pecuários ou florestais, mas antes ao “arranjo e preparação de campo de jogos”.

Nem a fins comerciais ou industriais, porque para isso era necessário que incidisse sobre um estabelecimento comercial ou industrial, entendendo-se como tal “todo o prédio urbano ou parte dele, que o comerciante ou industrial tome de arrendamento para o exercício da sua profissão” – cfr. art. 52° do citado Decreto.

Ora não consta que na altura em que foi celebrado o contrato – nem sequer actualmente – o réu fosse uma entidade comercial ou industrial e exercesse no arrendado uma actividade da mesma natureza.

O que se retira do contrato é que o réu arrendou o prédio para nele construir um campo de jogos.

Sendo que é notório que um campo de jogos se destina directamente ao exercício de praticas desportivas e não ao exercício de comércio ou indústria.

Ora, como se refere no Ac. STJ de 99.03.03 “in” CJ STJ 1999 I 79, citando Pereira Coelho “in” Arrendamento 1988 p.4l, uma actividade comercial ou industrial pressupõe uma actividade de mediação nas trocas ou uma actividade de produção (extracção ou transformação) ou circulação de riqueza.

Do contrato em análise, nenhuma destas actividades é mencionada.

As obras de “arranjo e preparação do campo de jogos” que a senhoria autorizou não alteraram o objecto do arrendamento, que foi, como se disse, o “campo situado na rua do Pinheiro manso”.

A qualificação de um contrato de arrendamento não deve basear-se na utilização que o arrendatário tenha dado ao prédio arrendado, mas antes no conteúdo das cláusulas contratuais.

Na verdade e como se diz no acórdão desta Relação de 95 05.22 “in” CJ 1995 III 219, para a qualificação da natureza do contrato não importam as obras implantadas naquele terreno pelo réu, pois tais obras têm que ser classificadas como benfeitorias autorizadas pela senhoria, que não podiam descaracterizar o contrato como sendo de arrendamento de prédio rústico, definido este nos termos acima referidos e existente à altura da celebração do contrato.

Sendo que no próprio contrato em causa as partes acordaram em que o réu se comprometia “a tornar a pôr o campo da mesma maneira em que o encontrou na ocasião do presente arrendamento, ficando estabelecido que todas as benfeitorias feitas no referido campo, serão pertença da senhoria, sem que esta tenha de indemnizar o inquilino quando este deixe o aluguer do campo”.

Ou seja, o próprio R. acordou que as obras a efectuar eram benfeitorias a um prédio rústico.

Sempre se dirá e como também se refere naquele acórdão, que se se admitisse que se pudesse alterar a natureza do contrato, de acordo com as obras e utilização posteriores diferentes da nele estabelecida, teríamos que considerar, por exemplo, como comercial um arrendamento de uma casa para habitação onde se passasse a exercer o comércio.

No acórdão desta Relação de 93.1 1.29 acima citado decidiu-se até que “é de natureza rústica o contrato pelo qual alguém dá de arrendamento em 79.01.17, pelo prazo de 100 anos, um terreno de pedreira e mato para nele os arrendatários edificarem, no prazo de três anos a contar desta data, uma casa própria para habitação”

Concluímos, pois, que o contrato de arrendamento em causa revestia a natureza de um contrato de arrendamento rústico não rural nem florestal, para fim diverso do exercício do comércio, indústria ou profissão liberal.

Trata-se, pois, de um arrendamento rústico não sujeito a regimes especiais.

Neste sentido, além do acórdão acima referido desta Relação, o acórdão da RC de 96.12.10 “in” CJ 1996 V 40, Aragão Seia “in” Arrendamento Urbano anotação 2ª ao art.6° do RAU, Pires de Lima e Antunes Varela “in” CCAnotado 2ª Ed., anotação 1ª ao art.1083°, Carneiro da Frada “in” O Novo Regime do Arrendamento Urbano: sistematização geral e âmbito material da aplicação – Revista da Ordem dos Advogados Abril de 1991 Ano 51°, p.l75; Pereira Coelho “in” Breves Notas ao Regime de Arrendamento Urbano – Revista de Legislação e Jurisprudência Ano 125°, p.3822.

Qualificado o contrato da sobredita forma, cuidemos agora do regime legal que lhe é aplicável.

À luz da lei actual, a tal contrato de arrendamento é aplicável o disposto no art. 6°, n°1, do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Dec. Lei 321-8/90 de 15/10 (doravante designado por RAU), já que, como vimos, se trata de um arrendamento rústico não rural nem florestal e para fim diverso do exercício do comércio, indústria ou profissão liberal do arrendatário – no caso, para campo de jogos – com a consequente exclusão da aplicação a tal contrato do regime do arrendamento urbano, salvo algumas excepções referidas naquele normativo.

Até à entrada em vigor daquele DL os arrendamentos rústicos não sujeitos a regimes especiais, para efeito de regulamentação, eram equiparados aos urbanos por força do disposto no art.1083°, n.° 1 do C.Civil.

A partir da entra em vigor do RAU, cessou aquela equiparação e aqueles arrendamentos passaram reger-se apenas pelo regime geral da locação, embora lhe sejam também extensivas algumas disposições do regime do arrendamento urbano, conforme se estabelece no citado n°1 do art.6° do mesmo diploma.

Deduz-se, designadamente, do âmbito de transposição de regimes fixados por esta norma, que estes arrendamentos não aparecem agora sujeitos ao principio da renovação obrigatória do contrato no termo do prazo e às limitações impostas à resolução e denúncia a que o arrendamento urbano continua submetido.

Quanto a esta última matéria, rege exclusivamente o art. 1055° do Cód. Civil, norma legal que, como é sabido, consagra a livre denúncia por qualquer dos contraentes, razão pela qual, como bem entendem os autores, os referidos contratos de arrendamento podem ser livremente denunciados pelo senhorio, findo que seja o prazo do contrato ou da respectiva renovação.

Põe-se agora o problema de saber se essa inovação, qual seja, a da possibilidade da denúncia introduzida pelo regime do citado art. 6° do RAU, se aplica aos arrendamentos anteriores a 15 de Novembro de 1990, data do início da vigência...

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