Acórdão nº 1167/10.5TBACB-E.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Abril de 2014

Data10 Abril 2014
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça A “Massa Insolvente de AA - ..., L.da” demanda BB peticionando, em síntese, a redução equitativa do preço contratado ao valor real do imóvel objecto do contrato promessa com o mesmo celebrado e a condenação do réu a restituir à autora o valor recebido em excesso; ou, subsidiariamente, a resolução do referido contrato promessa, com a consequente restituição de todo o prestado.

Louva o seu pedido na celebração com o réu de um contrato promessa de compra e venda de um bem imóvel, pelo valor de € 1.546.274,00, tendo a autora procedido já ao pagamento da quantia de € 1.004.314,80, a título de sinal e princípio de pagamento, encontrando-se em dívida o pagamento da quantia de € 541.959,20, acrescida de juros de mora vencidos.

Pretendia a autora, com a celebração do referido negócio, a rentabilização do seu investimento da forma mais lucrativa possível, prevendo o início da construção no terreno em causa de apartamentos de diversas tipologias, logo após a outorga da escritura pública de compra e venda. Tais apartamentos seriam colocados à venda, junto da população-alvo do Reino Unido e Irlanda, pelo valor médio de € 200.000,00, cada T1, e € 300.000,00, cada T2.

Previa a autora obter, com o referido negócio, um rendimento global de € 2.500.000,00.

O ano de 2006 corria de forma bastante favorável para o turismo algarvio, permitindo consolidar os resultados do ano de 2005 e obter bons resultados em 2007.

Ainda que não lograsse a edificação do empreendimento projectado, sempre a autora conservaria a possibilidade de recuperar o valor despendido com a sua aquisição, através da alienação do mesmo a terceiro, por montante igual ou mesmo superior ao valor aquisitivo.

Ao prometer comprar o imóvel em causa pelo preço convencionado, estava a autora convicta de que aquele preço correspondia ao valor justo do imóvel, por referência ao seu valor de mercado, tendo sido com base nesse pressuposto que projectou e planificou todo o seu investimento, assumindo todos os riscos inerentes a um negócio de valor tão avultado.

O réu tinha pleno conhecimento das intenções da autora e, bem assim, das suas expectativas ao celebrar o referido contrato promessa.

Sucede que, em meados do ano de 2007, deflagrou uma crise no sistema imobiliário e financeiro norte-americano que rapidamente se propagou por todo o mundo, que originou uma redução drástica das importações, o que determinou a redução de investimentos estrangeiros e a diminuição do volume de negócios nas bolsas de valores de todo o mundo.

Como é sabido, Portugal não tem sido imune à referida crise, pois que a mesma originou um abrandamento gradual da economia e a imposição de novas restrições à concessão de crédito à habitação.

Tal crise teve forte impacto na economia portuguesa, em especial, nas empresas do ramo imobiliário, entre as quais, a ora autora.

Atenta a sua dificuldade de financiamento, os Bancos portugueses restringiram o acesso ao crédito, o que determinou a redução do poder de compra e o incremento das dificuldades sentidas no meio empresarial.

Tal redução da capacidade de consumo teve impacto negativo ao nível do turismo algarvio, com redução das taxas de ocupação e consequente diminuição do volume de negócios, face ao decréscimo da procura.

A redução da procura face à oferta imobiliária existente, associada aos restantes factores próprios da crise do sector, veio determinar a estagnação e subsequente descida de preços dos imóveis disponíveis no mercado.

Em função de toda esta conjuntura económica, a partir de Maio de 2008, a autora, à semelhança da generalidade das empresas de construção civil, deparou-se com sérias dificuldades financeiras, em virtude de não dispor de capacidade para fazer face ao seu crescente endividamento - o que veio inclusive a determinar a sua apresentação à insolvência em Junho de 2010.

Se tivesse previsto, ou pelo menos suspeitado, da possibilidade de ocorrência de uma tal quebra ao nível do mercado imobiliário, jamais teria a autora assumido o compromisso que assumiu, no contrato promessa em causa nos autos.

Considera assim a autora que se alteraram, de forma anormal, as circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar, pelo que tem a autora direito à redução do preço contratado à quantia de € 400.000,00 (correspondente ao valor de mercado actual do imóvel em causa) ou, caso assim se não entenda, à resolução do contrato promessa celebrado com o réu.

Contestou o réu a acção proposta, invocando, em síntese: A excepção de incompetência territorial, por considerar ser competente o Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde o mesmo reside e onde foi celebrado o contrato em causa nos autos, julgada improcedente.

A excepção de prescrição do direito à resolução, por decurso dos prazos previstos na lei para o efeito e, impugnando a generalidade dos factos alegados pela autora, que considera não consubstanciarem uma alteração anormal das circunstâncias.

Deduziu pedido reconvencional, no qual peticiona o reconhecimento de que a autora é a única e exclusiva responsável pelo não cumprimento do contrato celebrado, com a consequente perda do sinal pago, ou, em alternativa, a execução específica do contrato celebrado, que a 1.ª instância não admitiu.

Mais requereu a condenação da autora como litigante de má-fé, uma vez que o Administrador de Insolvência da autora não recusou nem exigiu ainda o cumprimento do contrato promessa celebrado entre as partes, vindo alegar um fundamento desajustado da realidade factual e negocial que esteve na base do negócio celebrado.

A 1.ª instância sentenciou assim: “Por tudo quanto fica exposto, decide este Tribunal julgar a presente acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, ABSOLVER o réu de todos os pedidos formulados.

Mais se decide julgar improcedente, por não provado, o pedido de condenação da autora como litigante de má fé, e, em consequência, ABSOLVER a autora do pedido formulado.

Inconformada com o assim decidido, apelou a autora “Massa Insolvente de AA - ..., L.da” para a Relação de Coimbra que, por acórdão de 5 de Novembro de 2013 (cfr. fls.303 a 321), julgou improcedente o recurso e manteve a sentença recorrida.

Irresignada, recorre agora para este Supremo Tribunal a demandante “Massa Insolvente de AA - ..., L.da” - revista excecional admitida por acórdão de 13.2.2014 (cfr. fls.370 a 381).

Circunscrevendo-as à questão que a recorrente coloca na revista - saber se a crise económico-financeira, ocorrida em fins de 2007/princípios de 2008, integra a “alteração anormal das circunstâncias” prescrita no art.º 437.º do C.Civil - a recorrente apresentou as seguintes conclusões: I.

É a presente Revista excepcional admissível ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 672° do CPC, na medida em que a questão do impacto da crise económico-financeira que o país atravessa nas relações contratuais do ponto de vista da sua qualificação como alteração anormal das circunstâncias ou, ao invés, como integradora dos riscos próprios do contrato é uma questão que ultrapassa os limites do caso concreto sendo, a contrario, susceptível de se repetir num número indeterminado de casos futuros, pelo que razões de certeza, segurança jurídica e, bem assim, de preservação de expectativas impõem a definição de um rumo que permita aos agentes económicos uma linha orientadora devidamente definida.

II.

Por via de decisão prolatada em 05 de Novembro de 2013, o Tribunal recorrido julgou improcedente a pretensão da Massa Insolvente Autora traduzida na redução equitativa do contrato-promessa outorgado com o aqui Réu ou, caso assim não se entenda, à resolução de tal negócio nos termos peticionados.

III.

Entendeu o Tribunal recorrido, no âmbito da prolação da referida decisão aqui colocada em crise, que a factualidade aduzida e julgada provada in casu não integra, por referência ao concreto teor do art.º 437° C.C., o conceito de "alteração anormal das circunstâncias", pelo que se encontra, em seu entendimento, prejudicada a procedência do...

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