Acórdão nº 00459/12.3BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução28 de Março de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:I RELATÓRIO 1.

EAT...- e outros -, identif. nos autos, inconformados, vieram interpor o presente recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 9/6/2013, que, no âmbito da acção administrativa especial [onde peticionava que fosse declarado inválido, nulo e ineficaz, o processo de licenciamento e consequentemente o Alvará n.º 6, emitido em 21/04/2011 e aprovado por despacho de 4/3/2011 da C.M. de Góis, atentos os vícios de violação de lei, de forma e desvio de poder, requerendo, desde logo, que fosse ordenada a imediata demolição das obras ilegalmente executadas], julgando procedente a excepção dilatória de caducidade do direito de acção, absolveu da instância o Réu/recorrido MUNICÍPIO de GÓIS.

*2.

No final das suas alegações, os recorrentes formularam as seguintes conclusões: "1.

Os recorrentes atribuíram vícios vários ao despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Góis, de 4/3/2011, violando normas imperativas, não só de natureza civil (C. Civil, arts. 1346º e 1347º) bem como do Regulamento Municipal e o próprio Plano Director Municipal do concelho de Góis, então em vigor, cuja sanção é a nulidade e ineficácia – como então se defendeu (arts. 16º e 17º da p.i.) - e não a simples anulação, ao contrário do que se afirma na sentença recorrida.

  1. Nos arts. 18º e 19º da p.i., os recorrentes invocaram que as obras ilegais e o consequente licenciamento limitaram o exercício do direito de gozo, uso e fruição do seu prédio, além de outros direitos, designadamente, de vistas, segurança e de privacidade.

  2. E, no seu art. 30º, dizem os recorrentes que os seus direitos de gozo, uso e fruição do seu direito de propriedade, de vistas, de segurança e privacidade – como direitos fundamentais – merecem a tutela do direito.

  3. Assim, invocaram os A.A. a nulidade e a ineficácia da licença atribuída pelo R., para “legalização” das obras ilegais, a que respeita o Alvará nº 6, de 21/4/2011, ofendendo, designadamente, com tal licenciamento, os arts. 24º, nº1, al. a); 68º, alínea a) e 122º do Regime Jurídico da Urbanização e Construção (RJEU) e, portanto, do 133º do CPA.

  4. Na resposta às excepções (art. 1º), entretanto recusada a fls…, os recorrentes identificaram os seus direitos violados: privação de luz natural com escuridão durante o dia, do ambiente sadio, do equilíbrio urbano, da privacidade e da segurança.

  5. Os direitos invocados pelos recorrentes, além de poderem deter natureza privada, integram a categoria de direitos de personalidade e são de natureza pública, sendo do interesse público não só a sua titularidade como ainda o respectivo exercício, além de que, as normas que os tutelam são também de direito público.

  6. Sobre esta questão, consta do processo a posição do Provedor de Justiça, no Ofício com Refª R: 3108/10, a fls. 120 / 121, para o qual se remete: “…2- Verifica-se, no entanto, que a construção no prédio reclamado não cumpre o afastamento previsto no art. 73º do RGEU em relação ao muro edificado no limite do mesmo… 3. Com efeito, entende a jurisprudência (1) e doutrina (2), as normas do RGEU não disciplinam relações de vizinhança, antes tutelam primacialmente interesses públicos, relacionados com a salubridade das edificações. O que se pretende com estes limites de afastamento é assegurar que a integração de um novo edifício no conjunto edificado ou que se prevê edificar seja feito de modo a não prejudicar a qualidade de vida no interior, garantindo um ambiente urbano sadio e equilibrado. Trata-se, pois, de um interesse público fundamental, na esfera da protecção ambiental da saúde pública, e não apenas um critério funcional de ordenamento do território, mas de aproveitamento dos solos e da paisagem urbana”.

  7. Logo, a douta sentença sub judicio, ao entender que os A.A.

    não concretizaram os factos que suportaram a violação dos arts. 1346º e 1347º do C. Civil, e os termos em que se reflectiriam em termos de direito público,… e a questão do distanciamento entre as construções, também por tal razão, não fez correcta interpretação e aplicação das normas invocadas pelos recorrentes e outras que podiam ter sido supridas “ex officio”, pelo que deve ser revogada.

  8. Além disso, os recorrentes invocaram, designadamente no art. 12º da sua p.i., que o sr. M... (vizinho) procedera à ampliação do seu prédio existente através da construção de: sapatas, pilares, placas de betão armado e paredes de alvenaria, rebocos, pinturas e acabamentos, e, bem assim, a construção de um forno e churrasqueira…, juntando, inclusive, várias fotografias, para as quais se remete.

  9. Finalmente, é do domínio público e resulta da experiência comum que tanto um forno como uma churrasqueira, tal como previsto no art. 1346º do C.Civil, emitem fumos, fuligem, vapores, cheiros e calores para os prédios vizinhos, prejudicam, por isso, o descanso, a saúde e a segurança das pessoas, em qualquer momento em que são utilizados… 11.

    Estas normas são de natureza imperativa e reconhecem verdadeiros direitos de personalidade, tutelados pela lei e pela CRP, conforme art. 266º, nº2, da CRP e arts. 3º e 133º, 2, d), do CPA (arts. 16º e 24º da p.i.).

  10. Pelo que, atenta a referida nulidade do acto, não ocorreu a caducidade invocada na douta sentença recorrida, pelo que deve a acção, tempestivamente instaurada, ser considerada procedente e provada, e a Ré condenada no pedido formulado.

  11. Para tanto, deve ser promovida, ainda, a intervenção contra-interessado, vizinho, M..., nos termos do art. 88º do CPTA".

    *3.

    Notificadas as alegações apresentadas pelos recorrentes, supra referidas, veio o recorrida Município de Góis apresentar contra alegações, que concluiu do seguinte modo: "1.

    Verifica-se que a douta sentença apreciou todas as questões suscitadas pelos Autores recorrentes, desqualificando as alegadas nulidades dos actos administrativos.

  12. Na óptica do Tribunal, as eventuais irregularidades e violações da lei alegadas pelos recorrentes, não integram nenhum dos vícios plasmados nas diversas alíneas do art. 133º do Código de Procedimento Administrativo.

  13. Também a violação dos artigos 1346º e 1347º do C. Civil, não está demonstrada e nem suportada por factos que apontem no sentido inequívoco de violação de normas do direito público do urbanismo.

  14. Conclui o Tribunal, na sentença recorrida, que os actos administrativos praticados no desenvolvimento do processo, e que foram sendo do conhecimento dos Autores, ora recorrentes, são decisões, quando muito anuláveis.

  15. Não tendo os recorrentes, em tempo oportuno, impugnado tais actos, considerou o Tribunal que o direito de impugnação já havida caducado há muito tempo à data da entrada da presente acção, absolvendo, e bem da instância, o Réu Município".

    *4.

    A Digna Procuradora Geral Adjunta, neste TCA, notificada nos termos do art.º 146.º do CPTA, pronunciou-se fundamentadamente - fls. 156/157 - pela negação de provimento ao recurso. *5.

    Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e...

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