Acórdão nº 623/08 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução16 de Dezembro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 623/2008

Processo n.º 915/08 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Por despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 23 de Setembro de 2008, foi indeferida reclamação deduzida por A. e B. contra o despacho do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de Junho de 2008, que não havia admitido recurso de agravo por eles interposto para o STJ. O indeferimento da reclamação assentou na seguinte fundamentação:

“I. Os réus A. e outra interpuseram recurso de agravo para este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que manteve o despacho do Ex.mo Desembargador Relator que indeferira o requerimento por eles apresentado no qual arguíram a nulidade processual do acórdão de fls. 177 e seguintes, por violação do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.

No despacho proferido em 24 de Junho de 2008 pelo Ex.mo Desembargador Relator, foi referido que quer se entenda a decisão de que se pretende recorrer como complemento do acórdão de fls. 177 e seguintes, quer como decisão autónoma, o recurso não é admissível. No primeiro caso por do acórdão de fls. 177 e seguintes ter sido interposto recurso para o STJ, que não foi admitido, e, no segundo caso, por não se verificarem as situações previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 754.º do CPC.

Desse despacho reclamam os recorrentes, sustentando, além do mais, que o recurso de agravo deve ser admitido, por o acórdão da Relação não ter sido proferido sobre decisão da 1.ª instância; suscitam também a inconstitucionalidade do artigo 754.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, quando interpretado no sentido de que não cabe agravo para o STJ de decisão-surpresa da Relação sobre questão processual, nunca antes suscitada no processo, impeditiva da reponderação da decisão de fundo da 1.ª instância.

A parte contrária pugna pelo improvimento da reclamação.

II. Cumpre apreciar e decidir.

O acórdão questionado manteve o despacho do Ex.mo Desembargador Relator que indeferira o requerimento apresentado pelos ora reclamantes a fls. 201, no qual arguíram a nulidade processual do acórdão de fls. 177 e seguintes, por violação do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.

Do acórdão de fls. 177 e seguintes já tinha sido interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não fora admitido por despacho do Ex.mo Desembargador Relator.

Deste despacho houve reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que a indeferiu, e, posteriormente, recurso para o Tribunal Constitucional. Significa isto que o acórdão sobre o qual recaiu o referido requerimento de fls. 201 ainda não transitou em julgado.

Sucede, porém, que a situação em causa não é subsumível na previsão da norma do artigo 754.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, a contrario, por respeitar a acórdão proferido sobre recurso vindo da 1.ª instância.

Quanto à inconstitucionalidade imputada ao artigo 754.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, refere-se que a mesma não se verifica, por o direito à tutela judicial efectiva, consagrado no artigo 20.º da CRP, se bastar, em princípio, com uma instância única (cf., entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 261/2002, de 18 de Junho de 2002).

III. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.”

2. Notificados deste despacho, os reclamantes apresentaram, em 9 de Outubro de 2008, endereçado ao Conselheiro Presidente do STJ, requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), referindo como decisões recorridas os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19 de Dezembro de 2007 e de 22 de Abril de 2008, os despachos do Desembargador Relator dessa Relação, de 12 de Fevereiro de 2008 e de 24 de Junho de 2008, e o despacho do Conselheiro Vice-Presidente do STJ, de 23 de Setembro de 2008, acima transcrito, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), da “interpretação dos artigos 664.º, 754.º e 3.º do CPC no sentido de permitirem ao Tribunal da Relação proferir, sem prévia audição das partes sobre os respectivos fundamentos de direito, decisão definitiva de inadmissibilidade dum requerimento ou articulado superveniente, quando nem as partes, em 1.ª ou em 2.ª instância, formularam qualquer dúvida sobre a sua admissibilidade nem o tribunal de 1.ª instância conheceu oficiosamente essa questão, tendo apenas julgado de mérito”.

3. Em 15 de Outubro de 2008, o Conselheiro Vice-Presidente do STJ proferiu o seguinte despacho:

“No respeitante ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional, através do requerimento de fls. 138 e seguintes, admite-se o mesmo, nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 71.º, n.º 1, 72.º, n.º 2, 75.º, 75.º-A, 76.º e 78.º, n.º 4, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, actual redacção, para apreciação da inconstitucionalidade do artigo 754.º, n.º 2, do CPC, na interpretação normativa que lhe foi dada na decisão que apreciou a reclamação.

Quanto à inconstitucionalidade imputada aos artigos 3.º e 664.º, ambos do CPC, não nos compete pronunciar sobre a admissibilidade do recurso ora interposto para o Tribunal Constitucional nesta parte, atento o disposto no artigo 76.º, n.º 1, da LTC, mas sim ao Tribunal da Relação de Coimbra por ser à sua decisão (e não à proferida aquando do conhecimento da reclamação do despacho que não admitiu o recurso) que vem assacada a aplicação de normas consideradas inconstitucionais.

Competirá aos recorrentes submeter oportunamente esta questão ao referido tribunal, se assim o entenderem.”

4. Apresentaram então os reclamantes a seguinte reclamação, endereçada ao Tribunal Constitucional:

“A. e outra, nos autos à margem contra C., tendo sido notificados do douto despacho de 15 de Outubro de 2008 de S. Ex.ª o Venerando Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que admitiu o recurso constitucional, mas considerando que o admitiu só em parte, pois considerou que «quanto à inconstitucionalidade imputada aos artigos 3.º e 664.º, ambos do CPC, não nos compete pronunciar sobre a admissibilidade do recurso ora interposto para o Tribunal Constitucional nesta parte», vêm apresentar a seguinte

RECLAMAÇÃO

A)

1 – Proferido o acórdão de 19 de Dezembro de 2007, a parte arguiu uma nulidade processual nele cometida ou praticada, consistente na violação do princípio do contraditório e aplicação inconstitucional do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.

Tal nulidade processual e aplicação de norma inconstitucional não é assacada à 1.ª instância (Torres Novas), que ali não foram praticadas.

O vício da nulidade processual e inconstitucionalidade foi gerado, nasceu, teve origem apenas ali naquela decisão de 19 de Dezembro de 2007 da Relação.

É, pois, certo que tal acórdão da Relação não foi proferido sobre qualquer nulidade processual e inconstitucionalidade praticadas na 1.ª instância em Torres Novas.

Da nulidade e da inconstitucionalidade cometidas por aquele acórdão da Relação houve ali a respectiva arguição, que foi indeferida pelo relator.

Reclamou então a parte para a Conferência, reiterando a arguição de nulidade processual e de inconstitucionalidade e pedindo que sobre o despacho do relator recaísse acórdão.

Foi então proferido o acórdão de 22 de Abril de 2008, que indeferiu as arguições de nulidade e inconstitucionalidade. É bom de ver que este acórdão não foi proferido sobre decisão da 1.ª instância: tais arguições jamais foram imputadas, claro está, à 1.ª instância e foram-no apenas à Relação.

2 – Na sua reclamação para S. Ex.ª o Presidente do Supremo (do despacho que não admitiu o agravo) os reclamantes disseram:

arguíram a nulidade processual (do acórdão de 19 de Dezembro de 2007) «desde logo suscitando – o que ora mantêm – que, não sendo reconhecida, estaria a entender-se e aplicar-se o artigo 3.º, n.º 3, do CPC dum modo que o colocaria em conflito com o direito constitucional, por violação do princípio do contraditório.

Os reclamantes mantêm aqui – na presente reclamação para S. Ex.ª o Presidente do Supremo – a afirmação de que a interpretação e aplicação do artigo 3.º, n.º 3, fazem este conflituar, nos termos que indicaram, com o direito constitucional.»

«4 – Os reclamantes mantêm que o acórdão de 19 de Dezembro de 2007 proferiu uma decisão-supresa e que foi feita uma interpretação e aplicação da norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC que põe esta em colisão com o direito constitucional.

A fim de não alongarem a exposição da presente reclamação pedem vénia a S. Ex.ª o Venerando Conselheiro Presidente do Supremo para aqui dar por reproduzida a alegação da...

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