Acórdão nº 609/13 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução24 de Setembro de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 609/2013

Processo n.º 217/13

Plenário

Relator: Conselheiro Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam na 1.ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

  1. A. interpôs recurso do acórdão proferido em 4 de dezembro de 2012 pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

    O recorrente recorrera da sentença proferida, em 22 de junho de 2012, no incidente de qualificação da insolvência da sociedade B., Ld.ª, na qual, qualificando-se a insolvência de culposa, se declarou o seu gerente - o aqui recorrente -, afetado por aquela qualificação e inibido para administrar o património de terceiros e para o exercício da atividade que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 189.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE).

    Inconformado, o recorrente interpôs recurso da referida sentença que, todavia, não foi admitido, por ter sido considerado extemporâneo perante a natureza urgente do processo.

    A reclamação que contra aquela decisão apresentou no Tribunal da Relação do Porto, foi indeferida em 9 de outubro de 2012, por decisão do Desembargador Relator.

    Apresentada reclamação para a conferência, por acórdão de 4 de dezembro de 2012 foi a mesma indeferida.

    É deste acórdão que vem, pois, interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1 b) da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).

  2. No requerimento de interposição de recurso o recorrente identifica, do seguinte modo, as normas cuja conformidade constitucional pretende ver apreciada:

    - A inconstitucionalidade material da interpretação e aplicação sufragada na decisão singular reclamada, do art. 9.º, n.º 1 do CIRE, no sentido de que o legislador atribuiu caráter urgente a todos os recursos interpostos, processados e julgados no âmbito do processo de insolvência, neles se incluindo aqueles que venham a ter lugar nos respetivos incidentes e apensos, e não distinguindo (para o referido efeito) o legislador qual a natureza, fase e importância do incidente ou apenso, incluindo assim, automaticamente, o incidente da qualificação da insolvência, sem ponderação do nexo de causalidade entre a atribuição da urgência e o fim que com a mesma se pretende atingir, descurando as garantias de defesa atribuídas ao vencido no âmbito do processo declarativo comum, por ser manifestamente desproporcionada tal interpretação da lei, cerceando a defesa dos interesses e direitos dos cidadãos, impossibilitando a sua tutela efetiva e consubstanciando um tratamento desigual dos cidadãos perante a lei, violando o disposto nos artigos 2.º, 13.º, n.º 1, e 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, ou seja, violando os Princípios da Proporcionalidade, da Igualdade e do Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva.

    - A inconstitucionalidade material da interpretação e aplicação sufragada na decisão singular reclamada, dos artigos 685.º, n.º 9 do CPC, e 14.º, n.º 2, do CIRE, no sentido de que o prazo para alegações deve contar-se a partir da notificação da decisão – independentemente da efetiva notificação a todos os intervenientes processuais -, por obstaculizar a defesa dos interesses e direitos dos cidadãos, impossibilitando a sua tutela efetiva, violando o disposto no art. 20.º, n.º 1 da CRP, ou seja o Princípio do Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva

    .

  3. Tendo o processo seguido para alegações, em cumprimento de despacho proferido pela relatora, foram as partes também notificadas para se pronunciarem, querendo, sobre a possibilidade de não ser conhecido o mérito do recurso no respeitante à segunda questão de inconstitucionalidade identificada, por não ter existido efetiva aplicação na decisão recorrida da norma invocada.

    O recorrente sustenta o conhecimento também dessa parte do recurso, entendendo que a referida norma foi efetivamente aplicada.

    Em sentido contrário, o Ministério Público, sublinhando que a aplicação dos preceitos legais que suportam a segunda norma formulada pelo recorrente foi expressamente afastada pela decisão recorrida, entende que a mesma não deve ser apreciada no presente recurso. Diferentemente, a primeira questão de inconstitucionalidade deverá ser conhecida, mas não merece censura constitucional.

    Cumpre apreciar e decidir, começando pela questão prévia referente à delimitação do objeto do conhecimento do recurso.

    II – Fundamentação

  4. O recorrente coloca em causa a constitucionalidade:

    Do artigo 9.º, n.º 1 do CIRE;

    Dos artigos 685.º, n.º 9 do Código de Processo Civil (CPC), e 14.º, n.º 2, do CIRE.

  5. Inicia-se a análise pela apreciação da questão prévia relativa ao conhecimento da segunda questão de constitucionalidade, já assinalada.

    O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Ora, o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, apenas pode traduzir-se numa questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito efetiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido.

    Trata-se de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e incidental) deste recurso, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da natureza da própria função jurisdicional constitucional.

    Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade deverá, efetivamente, refletir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no caso de o recurso obter provimento, o que apenas sucede quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento normativo do aí decidido.

  6. No caso dos autos, pretende o recorrente que o tribunal recorrido interpretou e aplicou os artigos 685.º, n.º 9 do CPC e 14.º, n.º 2 do CIRE, no sentido de que o prazo para alegações deve contar-se a partir da notificação da decisão, independentemente da efetiva notificação a todos os intervenientes processuais.

    Recorde-se que a decisão recorrida no recurso interposto nos autos para o Tribunal Constitucional é o acórdão proferido pela conferência do Tribunal da Relação de Guimarães e não a anterior decisão singular do Desembargador Relator.

    Ora, o referido acórdão não aplicou os artigos 685.º, n.º 9 do CPC e 14.º do CIRE. Fundamento do decidido foi, sim, o artigo 685.º, n.º 1 do CPC, como resulta da leitura do ponto 3.2. do aludido acórdão, onde, de resto, é expressamente afastada a aplicação dos preceitos legais referidos pelo recorrente, com apoio em jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos que de seguida se reproduzem (fls. 187 dos autos):

    (…) a “tese” do reclamante foi já, e não há muito tempo, totalmente afastada pelo Supremo Tribunal de Justiça [Ac. de 10/7/2012], tendo no Acórdão em apreço sido expressamente (e bem a nosso ver) referido que “(…) sabendo-se que a faculdade e necessidade de recorrer depende do conhecimento/notificação da decisão, existindo a possibilidade de os interessados virem a ter esse conhecimento em diversos momentos, é evidente que o prazo para recorrer (de 30 ou de 15 dias nos processos urgentes) deverá correr autonomamente para cada um deles, contando-se a partir da notificação da decisão, de harmonia com o disposto no já referido art. 685.º, n.º 1 do CPC.

    Assim sendo, e como igualmente se aduz no citado Acórdão do STJ, em circunstância alguma pode um recorrente...

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