Acórdão nº 237/13 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelCons. José Cunha Barbosa
Data da Resolução08 de Maio de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 237/2013

Processo n.º 166/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.

    2. A reclamação apresentada tem o seguinte teor:

    (...)

    5. Nas sucessivas peças apresentadas, nomeadamente nas alegações do recurso para o STJ da sentença proferida pelo Tribunal da Relação, nos recursos das decisões interlocutórias e ainda no Recurso de arguição de nulidade do acórdão do STJ que julgou, em recurso, a omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação, por ausência de real reexame da matéria de facto, as questões de inconstitucionalidade objeto de recurso para o Tribunal Constitucional foram reiteradamente suscitadas, considerando sempre o ora Reclamante que a interpretação feita pelos tribunais a quo violavam as garantias de defesa do arguido decorrentes do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, tendo em conta a denegação de produção de prova essencial para o apuramento da verdade (patente na não admissão de pareceres e e-mails, na não admissão de testemunhas e de alteração do rol estando já em andamento a audiência, na recusa de realização de diligências relativas aos meios de videovigilância, bem como da junção da fatura detalhada do tráfego do número da mandatária do ora Reclamante, e ainda de exames para apurar se a viatura apreendida poderia ser a arma do crime).

    6. Como se referiu, a decisão sumária recusa conhecer o objeto do recurso interposto em todas as suas alíneas por considerar:

    i. Quanto à alínea a), que a suscitação do Recorrente, ora Reclamante, não preenche os requisitos de clareza e adequação exigidos pelo artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC, e não ter sido suscitada de modo processualmente adequado, nomeadamente por não especificar a dimensão normativa do preceito cuja constitucionalidade contesta. Ainda quanto a esta alínea, entendeu o Tribunal que estaria em causa a imputação de inconstitucionalidade à decisão recorrida e não às normas jurídicas aplicadas.

    ii. Quanto às alíneas b) e c), porque estas não teriam sido a ratio decidendi da decisão recorrida.

    iii. Quanto às alíneas d), e), f), g), h) e i), por não haver qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, sendo o cerne da controvérsia, novamente, a decisão do juiz e não a inconstitucionalidade da norma em que a mesma se fundamenta.

    7. A discordância que o ora Reclamante assume relativamente à decisão sumária proferida centra-se em todos os aspetos elencados como fundamento para o Tribunal não tomar conhecimento do recurso.

    (i) A “dimensão normativa do recurso de constitucionalidade”

    8. Para a análise do pressuposto processual relativo ao ponto i) – referente à suscitação prévia, de modo processualmente adequado, da questão de constitucionalidade – a decisão sumária recorre, por um lado, a jurisprudência anterior desse Tribunal e, por outro lado, às conclusões das alegações de recurso apresentadas pelo ora Reclamante ao Supremo Tribunal de Justiça, concluindo que “não preenche os requisitos de clareza e adequação a que estão sujeitos os recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC”, não tendo o recorrente especificado o sentido ou dimensão normativa cuja legitimidade constitucional questiona, como decorre nomeadamente de jurisprudência consolidada do próprio TC (referindo os acórdãos n.º 199/88 e 178/95).

    (...)

    10. E, com o devido respeito, é precisamente a uma tal aplicação formalista que procede a decisão ora reclamada no momento em que considera que a questão da constitucionalidade relevante no presente recurso jurisdicional – que assenta, no caso da consideração da alínea a), na consideração de que a interpretação do artigo 165.º, n.º 1, do CPP feita pelo juiz a quo, e que foi fundamento para não admitir os documentos apresentados pelo ora Recorrente, ao entender que a menção a “encerramento da audiência” se refere apenas à audiência em 1.ª instância, não abrangendo a audiência em Tribunal de recurso, assim violando o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição – não teria sido suscitada de modo processualmente adequado.

    (...)

    12. Assim, o ora Reclamante havia já invocado a questão da constitucionalidade – como salienta o Conselheiro Relator na p. 6 da Decisão Sumária – na reclamação para a conferência apresentada nos termos do artigo 417.º, n.º 8, do CPP, bem como nas conclusões de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, no qual foi proferido o acórdão recorrido; o ora Reclamante dirigiu sempre o juízo de inconstitucionalidade a um sentido normativo, que enunciou de modo claro e percetível, não atacando o acórdão recorrido – note-se quando nas conclusões 6ª, 7ª, 9ª e 10ª das referidas alegações, se refere que “o art.º 165.º, n.º 3 do CPP refere que podem ser juntos até à audiência, não limitando à audiência em 1.ª instância. Por isso, dúvida não existe que poderá ser até à audiência recurso”, “O Tribunal a quo ao não ter aceitado o Parecer efetuado quanto à simulação do acidente/atropelamento com um veículo igual ao veículo apreendido, assim como o Parecer médico, impediu o arguido de exercer o seu direito”, “... impediu o arguido de exercer o seu direito de defesa, porque o impediu de demonstrar que tecnicamente as lesões descritas no texto decisório (...) não são adequadas a provocar aqueles danos nos resguardos do chassis e longarina”, culminando na alegação 10ª “o Tribunal ao não ter admitido a junção dos Pareceres, violou o preceituado no n.º 3 do art.º 165.º do CPP, fazendo errada interpretação e aplicação das normas contidas naquele preceito, interpretação essa violadora das garantias do direito de defesa e direito ao recurso do arguido e direito a um processo equitativo, nos termos dos arts.º 20.º, nº 4 e 32.º, n.º 1 todos da CRP”.

    13. É verdade que na enunciação do sentido normativo que questiona e de que o Tribunal a quo se valeu, o Reclamante apelou ao caso concreto. Mas isso não basta para que o presente recurso não seja admitido, justamente porque a norma abstrata resulta claramente da fundamentação apresentada.

    (...)

    15. Como se disse, o que se reputa inconstitucional não é a decisão recorrida, mas sim a interpretação que a decisão recorrida faz dos artigos 165.º, n.º 1 e 3 do CPP, como emerge, de modo transparente, das conclusões 6.ª a 10.ª das alegações de recurso para o STJ apresentadas pelo ora Reclamante.

    (...)

    17. Ora, no entendimento do ora Reclamante, uma leitura material das alegações de recurso demonstra claramente que os parâmetros exigidos, em geral, pela jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o referido pressuposto processual se encontram cumpridos nos autos. E tal perceção emerge da simples análise das conclusões a que se reporta a decisão recorrida (nomeadamente as já referidas conclusões 6.ª a 10.ª das alegações de recurso), muito embora saia ainda reforçada da análise do próprio corpo das alegações de recurso – sobre o qual, pelo menos aparentemente, a decisão reclamada não se ateve.

    (...)

    24. As passagens das alegações do ora Reclamante que aqui se transcrevem são também claras quanto à questão de saber se enunciou, ou não, de modo claro e percetível o sentido normativo que a decisão recorrida atribui às normas legais e que se considera inconstitucional. É que das mesmas emerge inequivocamente que o Reclamante não aceita e considera inconstitucional o entendimento segundo o qual o artigo 165.º ao mencionar audiência se refere apenas à audiência em 1.ª instância, não sendo admissível a junção de documentos, ainda que essenciais para o apuramento da verdade, já depois do visto do Ministério Público, sendo justamente esse o sentido normativo que as instâncias anteriores retiraram dos normativos questionados. Por outro lado, não se vê por que motivo o Tribunal vem entender, cfr. p. 8 da decisão sumária, que “ao mesmo tempo que invoca a violação de normas ou princípios constitucionais, o recorrente apontar para a violação de preceitos infraconstitucionais, o que indicia a imputação do vício de inconstitucionalidade diretamente à decisão recorrida e não às normas jurídicas aplicadas” quando, como exposto, a menção ao artigo 165.º (preceito infraconstitucional) é feita enquanto enunciado cuja interpretação normativa viola o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

    (...)

    32. Resulta do elencado anteriormente que a questão foi suscitada de forma clara, estando o Tribunal em condições de saber que existia uma questão de constitucionalidade para decidir, podendo identificar a norma violadora, a norma violada e a razão de ser da incompatibilidade entre ambas (cfr. acórdão n.º 196/2004). E note-se que, como foi decidido no acórdão n.º 220/2003, a própria falta de clareza não obstaria à identificação da questão de constitucionalidade, na medida em que aqueles elementos foram claramente identificados “Poder-se-á afirmar que o reclamante não foi absolutamente claro; já não poderá, porém, sustentar-se que não foi, de modo algum, delineada, nos seus traços essenciais, uma questão de constitucionalidade normativa. Procede, pois, a presente reclamação”, sendo que se “a falta de clareza não obstar à identificação da questão de constitucionalidade (Ac. n.º 220/2003) ou se não tiver obstado a que o tribunal a quo se tenha pronunciado sobre a questão de constitucionalidade, considera-se que essa questão terá sido decidida efetivamente no processo, dela cabendo recurso para o Tribunal Constitucional (Ac. n.º 498/99), o que implica que no caso, ainda que se entendesse – o que não se concede – que a invocação tinha sido pouco clara, sempre seria de admitir o recurso.

    (ii) A necessidade de as normas invocadas serem ratio decidendi da...

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