Acórdão nº 380/11.2TBCNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelANABELA DIAS DA SILVA
Data da Resolução28 de Janeiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação Processo n.º 380/11.2 TBCNF.P1 Tribunal Judicial de Cinfães – secção única Recorrentes – B… e mulher Recorrido – C… Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntas – Desemb. Maria do Carmo Domingues Desemb. José Bernardino de Carvalho Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível) I – B… e mulher, D…, intentaram no Tribunal Judicial de Cinfães a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra C…, pedindo que o réu seja condenado a: - reconhecer que os autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano descrito no artigo 1.º da petição inicial; - ver declarado que o seu prédio se encontra onerado por uma servidão de escoamento de águas residuais e dejectos a favor do prédio dos autores; - repor a fossa nas condições em que se encontrava anteriormente à destruição; - abster-se de praticar qualquer acto impeditivo ou restritivo do exercício dos direitos de propriedade e servidão atrás referidos; - pagar aos autores todos os prejuízos que lhes advieram e advierem da sua actuação, à razão de €100,00, desde Outubro de 2010 até ao restabelecimento da fossa e servidão.

Alegaram os autores, para tanto e, em síntese, que há mais de 20 anos procederam à captação das águas residuais e dejectos provenientes do prédio do qual são proprietários, canalização e deposição numa fossa que existe no prédio do réu. Essa captação evidencia-se pela circunstância de ser feita através de um tubo que sai de casa dos autores percorre uma distância de cerca de 40 metros e entra no prédio do réu onde existe uma fossa coberta com tampa de visita. Tanto o tubo como a fossa, sempre estiveram visíveis, há mais de 20 e 30 anos, ininterruptamente. Os autores sempre despejaram as águas residuais provenientes do seu prédio à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, de boa-fé, na convicção de exercerem um direito próprio. Em Outubro de 2010 o réu destruiu a fossa em causa o que acarretou inúmeros prejuízos para os autores, os quais não têm forma de despejar as águas residuais da sua habitação, estando impedidos de utilizar as cozinhas e casa de banho, não tendo quaisquer possibilidades de escoar para outro local.

*O réu, regular e pessoalmente, citado veio contestar, pedindo a improcedência da acção.

Para tanto, alegou que desconhecia, por completo, a existência da fossa em questão; que o despejo dessas águas residuais e dejectos não ocorre há vinte anos, e que essa derivação foi feita sem qualquer tipo de autorização e à revelia do anterior proprietário.

*Foi proferido despacho saneador, foi dispensada a selecção da matéria de facto e elaboração da base instrutória.

*Realizou-se o julgamento da matéria de facto, com gravação em sistema audio dos depoimentos aí proferidos, após o que foi proferida a respectiva decisão sem censura das partes.

*Por fim, foi proferida sentença, onde se decidiu: - “julgar a presente acção totalmente improcedente e, em consequência absolver o réu, C…, dos pedidos contra ele formulados pelos autores, B… e D…”.

*Inconformada com tal decisão dela recorreram, de apelação, os autores, pedindo que seja revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente.

Os autores/apelantes juntaram aos autos as suas alegações onde formulam as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que absolveu o réu dos pedidos, por entender que estava em causa uma servidão não aparente e, como tal, não pode ser adquirida por usucapião.

  1. Os ora recorrentes não podem conformar-se com a decisão da douta sentença, mais a mais tendo em consideração a matéria de facto dada como provada, pugnando pela sua modificação e a condenação do réu nos pedidos formulados.

  2. A questão a decidir é se face aos factos dados como provados a situação de facto/servidão existente se deve classificar como aparente ou não aparente.

  3. A servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente 5. A constituição das servidões pode ser derivada ou originária (por usucapião).

  4. A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, sendo integrada por dois elementos: o corpus possessório e o animus possidendi.

  5. A posse de direitos reais de gozo, maxime o direito de servidão, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, a aquisição por usucapião do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação.

  6. Inexistindo registo do título ou da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo do prazo de 20 anos, se for de má-fé.

  7. O n.º 1, do artigo 1548.º do C. Civil, estatui que as servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião.

  8. As servidões aparentes e não aparentes distinguem-se pelo facto daquelas se revelarem por obras ou sinais exteriores que, além de visíveis devem ser permanentes.

  9. O conceito de visibilidade deve ser interpretado no sentido de que o importa é que a obra seja reveladora da posse e actuação, pois o objectivo pretendido é afastar a usucapião de situações de posse equívoca.

  10. Está apurado nos autos, alem do mais, “5.

    O prédio referido em 1. está dotado de duas cozinhas e uma casa de banho, sendo que as águas residuais e dejectos são evacuados para o prédio referido em 4; 6.

    Os antecessores dos autores, há mais de 20 anos procederam à captação das águas residuais e dejectos, à sua canalização e deposição no prédio referido em 4.; 7.

    As águas residuais e os dejectos são captados e conduzidos por tubo de plástico de 90 mm a partir do prédio referido em 1; 8.

    Esse tubo encontra-se em parte enterrado e em parte à superfície, sendo visível à saída do prédio referido em 1. e depois percorrendo subterraneamente uma distância de cerca de 20 metros, até entrar no prédio referido em 4.; 9.

    No prédio referido em 4. existe uma fossa em bloco de cimento, coberta com tampa de visita, no qual são depositadas as águas residuais e os dejectos provenientes do prédio referido em 1.; 10.

    A parte do tubo que está à superfície esteve sempre de forma visível e permanente perante todos, inclusive o réu, há mais de 20 e 30 anos, ininterruptamente; 11.

    Em consequência do referido em 6., os autores sempre despejaram na fossa existente no prédio identificado em 4., as águas residuais provenientes do seu prédio; 12.

    De forma contínua e com conhecimento de toda a gente, inclusive o réu.

  11. O prédio dos autores não têm qualquer terreno ou logradouro, não tem possibilidade de escoar para outro local.” 13. Não ha melhor indicador de aparência, de visibilidade e carácter duradouro que o facto de estar provado que “os autores sempre despejaram na fossa existente no prédio identificado em 4., as águas residuais provenientes do seu prédio…de forma contínua e com conhecimento de toda a gente, inclusive o réu.”. A situação era tão aparente que toda a gente e o réu a conheciam!!! 14. Tendo em conta a matéria factual apurada entende-se que se verificam os pressupostos da prescrição aquisitiva do direito de servidão de escoamento de águas residuais.

  12. Verifica-se o lapso temporal da posse, os actos praticados reconduzem-se ao núcleo das faculdades conferidas ao prédios dominantes no escoamento de águas residuais, os quais, ademais, foram observados na convicção da titularidade do direito correspondente, por outro o facto de o tubo se encontrar em parte e à superfície, a fossa estar construída em blocos de cimento, a parte do tubo que está à superfície, esteve sempre de forma visível e permanente perante todos, inclusive o réu, há mais de 20 e 30 anos, ininterruptamente, com conhecimento de toda a gente, inclusive o réu, a que acresce que os autores não têm qualquer terreno ou logradouro para onde escoar as águas do seu prédio, constituem sinais reveladores e inequívocos do escoamento das águas residuais.

  13. Haverá melhor indicador de aparência, de visibilidade e carácter público, duradouro que o facto de estar provado que “os autores sempre despejaram na fossa existente no prédio identificado em 4., as águas residuais provenientes do seu prédio … de forma contínua e com conhecimento de toda a gente, inclusive o réu”.

  14. No caso vertente dúvidas não subsistem sobre a existência das obras que o tribunal constatou existir e deu como assentes, associadas aos restantes actos de utilização que se lograram provar, são conducentes à conclusão da aparência/visibilidade exigida pelos incisivos legais aplicáveis.

  15. A própria Jurisprudência tem manifestado a mesma posição defendida pelo recorrente, cfr. acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30.01.1996, processo JTRP00016760, de 10.04.2008, processo n.º 0831598, de 14.05.1992, processo n.º 082018 acórdão do STJ de 08.05.2013, 19. Pelo que a sentença recorrida não poderá manter-se por essa via.

  16. A sentença recorrida violou os artigos 9.º, 1251.º, 1287.º, 1543.º, 1544.º, 1547.º e 1548.º, todos do C. Civil.

    *O réu/apelado juntou aos autos as suas contra-alegações onde...

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