Acórdão nº 10727/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução23 de Janeiro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO Recordati ……… Ltd.

e Jaba ……….. Sa, devidamente identificadas nos autos, inconformadas, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 13/09/2013 que, no âmbito do processo cautelar movido contra o Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde, IP e a Contra-interessada, K……… D.D. Mesto, rejeitou liminarmente o requerimento inicial, por manifesta ilegalidade da pretensão formulada pelas Requerentes, nos termos da alínea d) do nº 2 do artº 116º do CPTA, relativo ao pedido de suspensão de eficácia dos actos de AIM do medicamento genérico Enalapril + Lercanidipina Krka, 10 mg/10mg e Enalapril + Lercanidipina Krka, 20 mg/10mg, praticados pelo Infarmed a favor da Contra-interessada.

Formulam as aqui Recorrentes nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem (cfr. fls. 316 e segs.): “A.

O presente recurso vem interposto da sentença proferida nestes autos que, ao abrigo do disposto do artigo 116°, n.º 2, al. d), do CPTA, indeferiu liminarmente, “por manifesta ilegalidade da pretensão formulada”, o requerimento de providência cautelar de suspensão de atos de autorização de introdução no mercado (“AIM”) praticados pelo INFARMED.

B.

O requerimento de providência cautelar fundamenta-se na alegação de que o INFARMED, no procedimento administrativo de aprovação de medicamentos, desrespeitou o disposto nos artigos 19° e ss. do Estatuto do Medicamento e nos artigos 10º e ss. do Código Comunitário do Medicamento, no que toca ao período de proteção de dados instituído e regulado por esses normativos.

C. Não é alegada, explícita ou implicitamente, a violação, direta ou indireta, imediata ou mediata, de qualquer patente ou certificado complementar de proteção nem qualquer outro direito de propriedade intelectual, e nem sequer é alegada a própria existência de qualquer patente ou certificado complementar de proteção sobre o medicamento em causa – todavia, na sentença recorrida, sem qualquer base, de facto ou de direito, conjetura-se que estes autos representam uma “nova abordagem” da litigância sobre AIM e patentes.

D.

As asserções contidas na sentença recorrida sobre a suposta aplicabilidade ao caso dos autos ou à pretensão das Recorrentes da Lei n.º 62/2011 e de que esta pretensão se basearia na violação de direitos de propriedade industrial não têm a menor adesão ao que constitui efetivamente a pretensão das Recorrentes e os fundamentos em que a mesma assenta e constituem erro manifesto de apreciação.

E.

Constitui requisito imperativo para a comercialização de qualquer medicamento, seja original seja genérico, a obtenção prévia de AIM, conforme estatui o artigo 14.º do Estatuto do Medicamento, em transposição da correspondente regra comunitária – artigo 6.º n.º 1 do Código Comunitário do Medicamento.

F. Existem no essencial dois tipos de processos de AIM: os processos completos e os abreviados, sendo que os “processos completos”, regulados no artigo 15.º do Estatuto do Medicamento, obrigam o requerente a apresentar toda a documentação, identificada nesse mesmo artigo, que visa demonstrar a qualidade, eficácia e segurança do medicamento – são documentos científicos e clínicos originais, elaborados pelo requerente especificamente para demonstrar os aludidos parâmetros em relação ao concreto medicamento objeto do requerimento e incluem um vasto leque de documentação clínica (ensaios clínicos em doentes, nomeadamente), farmacológica e toxicológica.

G.

Nos “processos abreviados”, regulados nos artigos 19.º, 20.º e 22.º do Estatuto do Medicamento, e em particular no processo de AIM dos medicamentos genéricos, previsto no artigo 19.º n.º 1 do Estatuto do Medicamento, o requerente da AIM fica dispensado de apresentar os ensaios pré-clínicos e clínicos relativos ao medicamento, se demonstrar que o seu medicamento é um medicamento genérico de um medicamento de referência (cf. artigo 19.º n.º l do Estatuto do Medicamento).

H.

Satisfeitas que sejam estas condições, o pedido de AIM do medicamento genérico é avaliado tendo por base os ensaios pré-clínicos e clínicos do medicamento de referência, e não ensaios pré-clínicos e clínicos elaborados pela requerente especificamente para o medicamento genérico em questão.

I.

É neste sentido que se diz que, nestes casos, os medicamentos genéricos utilizam, para a sua aprovação, os “dados” do medicamento de referência, mas para que tal seja legítimo, a lei impõe, de forma clara e expressa, que o medicamento de referência se encontre já autorizado há algum tempo.

J.

Visando um terceiro obter, durante o período de proteção de dados, uma AIM para um medicamento igual ao medicamento de referência, então esse terceiro terá de seguir um processo de AIM completo, submetendo, designadamente, os resultados dos ensaios pré clínicos e clínicos próprios - pelo que este regime não confere ao titular da AIM do medicamento de referência um exclusivo na comercialização desse medicamento.

K.

A nível comunitário, o tema encontra-se hoje tratado no Código Comunitário do Medicamento (artigo 10.1) e tem sido objeto de amplo tratamento pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, podendo dar-se como casos emblemáticos os processos C-368/96 ou C-106/01 ou C-36103 – no caso dos autos, é este tema do prazo de proteção de dados que está em causa, mais especificamente estão em causa questões jurídicas complexas referentes ao modo de contagem desse prazo.

L.

Contrariamente ao sustentado na sentença recorrida, o que está aqui em causa é, apenas e só, um tema de Direito de regulação farmacêutica – basta ler os artigos 73.º a 155.º do requerimento inicial para constatar isso mesmo não havendo nenhuma “nova abordagem” de coisa nenhuma, e em particular da temática das patentes ou dos certificados complementares, não havendo, pois, qualquer ilegalidade na presente iniciativa processual.

M.

O paralelo estabelecido na sentença recorrida com as situações de facto e o enquadramento jurídico dos processos cautelares e impugnatórios que têm na sua base a violação de patentes é completamente deslocado, pois a jurisprudência citada reporta-se, efetivamente, à temática da influência da existência de uma patente para efeitos de decisão administrativa de concessão de AIM, o que nada tem que ver com o que se discute nestes autos.

N.

Tanto quanto é deslocada a...

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