Acórdão nº 49/14 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução09 de Janeiro de 2014
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 49/2014

Processo n.º 695/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. A A., Lda., recorrida nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, intentou contra os ora recorrentes B., Lda., C. e D., ação declarativa comum sob a forma ordinária, formulando vários pedidos em alternativa relacionados com o direito de preferência cuja titularidade se arrogava, na qualidade de arrendatária, relativamente a diversos prédios. Por sentença de 26 de setembro de 2011, foi a ação julgada improcedente.

      Interposto recurso pela ora recorrida, o Tribunal da Relação de Évora negou-lhe provimento. Subsequentemente, foi interposta revista para o Supremo Tribunal de Justiça. Por acórdão de 22 de janeiro de 2013, este último concedeu parcial provimento à revista (fls. 1692 e seguintes).

      Inconformados com tal decisão, os ora recorrentes arguiram nulidades da mesma, tendo igualmente requerido a reforma quanto a custas. Estes pedidos foram indeferidos por acórdão de 11 de junho de 2013.

      Irresignados, vieram então os recorrentes interpor recurso de constitucionalidade, com fundamento no disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, adiante referida como “LTC”).

      A fls. 1866 e seguintes foi proferida a Decisão Sumária n.º 545/2013 de não conhecimento do recurso de constitucionalidade com os seguintes fundamentos:

      4. O presente recurso diz respeito a decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (cfr. artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, e artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC). No caso em apreço, os recorrentes sustentam que, na medida em que a decisão recorrida configurou uma «decisão-surpresa», não lhes foi possível suscitar a inconstitucionalidade em momento anterior. Sem necessidade de nos debruçarmos sobre a questão de saber se, em termos objetivos, nos encontramos de facto perante uma «decisão surpresa» apta a dispensar o cumprimento deste ónus do recurso de constitucionalidade interposto – o que, no entanto, se afigura bastante duvidoso – é suficiente apurar, para os presentes efeitos, que, mesmo que assim fosse, sempre impenderia sobre os recorrentes o ónus de procederem à suscitação das inconstitucionalidades na primeira oportunidade processual de que dispuseram para o efeito. Tal não sucedeu uma vez que, notificados da alegada «decisão-surpresa», os recorrentes arguíram primeiramente a respetiva nulidade, com diversos fundamentos, tendo a suscitação de inconstitucionalidade ocorrido apenas posteriormente, após a decisão sobre tais requerimentos.

      5. Ainda que tal não tivesse ocorrido, sempre o recurso de constitucionalidade estaria votado ao não conhecimento devido à ausência de outro pressuposto. Como se sabe, este recurso pressupõe a suscitação da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado (cfr. artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

      Constitui jurisprudência uniforme e constante do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística das singularidades próprias do caso concreto e autónoma valoração ou subsunção do julgador – não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo ou de queixa constitucional para defesa de direitos fundamentais.

      A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a uma interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente à decisão judicial que faz aplicação da mesma radica em que, na primeira hipótese, é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com caráter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto, na segunda hipótese está, em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto (cfr. o Acórdão deste Tribunal n.º 138/2006, disponível, assim como os demais adiante citados, em

      http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).

      Segundo jurisprudência firme do Tribunal Constitucional, “[s]uscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que – como já se disse – tal se faça de modo claro e percetível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido” (Acórdão n.º 269/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Como se afirma no Acórdão n.º 367/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, “[a]o questionar-se a compatibilidade de uma dada interpretação de certo preceito legal com a Constituição, há de indicar-se um sentido que seja possível referir ao teor verbal do preceito em causa. Mais ainda: esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há de ser enunciado de forma a que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de tanto os destinatários desta como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, afrontar a Constituição.”

      Os recorrentes não lograram identificar, no entanto, relativamente a nenhuma das questões de constitucionalidade suscitadas, o critério normativo que lhes iria subjacente, através da enunciação de um parâmetro de conduta, extraível dos preceitos legais cotejados, e que teria sido aplicado, enquanto ratio decidendi, na pronúncia recorrida. O que os recorrentes se limitaram a fazer foi a questionar a «interpretação perfilhada pelo Acórdão recorrido» e a questionar a constitucionalidade dos preceitos «na interpretação que lhes foi dada pelo Acórdão recorrido» ou «interpretação e aplicação de forma implícita». A utilização destas fórmulas – e de outras similares – não traduz o cumprimento do ónus de suscitação adequada dos problemas de inconstitucionalidade. Com efeito, a mera alusão à interpretação que terá sido...

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