Acórdão nº 00267/10.6BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução25 de Novembro de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO 1.

O MUNICÍPIO de MEALHADA, inconformado, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TAF de Aveiro, datada de 30 de Outubro de 2012, que julgou parcialmente provada a acção administrativa comum, sob forma sumária, interposta pelo A./Recorrido JHFL… (e outro), identif. nos autos, condenando o R./Recorrente, por um lado, (i) a reconhecer o equilíbrio financeiro do contrato traduzido no pagamento pelos Autores do valor de € 67.500,00 e, por outro, (ii) a devolver aos Autores o valor de € 4.172,66, acrescido do pagamento de juros de mora vincendos desde a citação até integral pagamento, à taxa legal vigente, nos termos previstos no art.º 559.º do CC.

* 2.

O recorrente formulou, no final das suas alegações, as seguintes conclusões: " A.

Não resulta das cláusulas previstas no Anúncio, no Caderno de Encargos, no programa do Concurso e no contrato celebrado entre as partes que o pagamento do valor correspondente a 5% do valor da adjudicação esteve dependente da efectiva exploração do estabelecimento durante o prazo de 120 meses.

B.

A importância paga aquando da outorga do contrato não se destinou a um adiantamento ou qualquer espécie de caução do montante total a pagar, mas sim à concretização da forma de pagamento acordada.

C.

Os Autores concorreram ao concurso em questão tendo a plena percepção e consciência da forma de pagamento do montante referente ao contrato, uma vez que se encontravam as regras do concurso devidamente publicitadas.

D.

Além do mais, os Autores, no âmbito da sua liberdade contratual, apresentaram a sua proposta, tendo aceite todas as condições impostas pelo Município, e, em consequência, aceite a celebração do contrato com base numa vontade negocial livre e esclarecida.

E.

Refira-se que, apenas o restante montante devido pelos Autores, ou seja o valor a pagar em prestações mensais se encontrava relacionado com o tempo de efectiva exploração da cafetaria".

* 3.

Notificadas as alegações, veio apenas o recorrido apresentar contra alegações, que assim concluiu: "

  1. Lidas as proposições conclusivas K, L, S, T, U, V e W, resulta que o recorrente interpreta o sentido das disposições contratuais e das clausulas do Caderno de Encargos segundo a perspectiva do interesse que alega ser o que melhor defende o interesse publico sem que considere a natureza do contrato e o procedimento celebrado.

  2. As supra transcritas conclusões não põem em causa a matéria de facto nem as consequências de direito que as mesmas permitem, antes sufragam entendimento diverso quanto à interpretação do clausulado do contrato celebrado sem que se perceba o fundamento do dissenso, sendo certo que ao recorrente se impunha a alegação e demonstração do erro de julgamento de direito, por, como afirma, errada interpretação das normas que cita nas conclusões “N a V”.

  3. Como é sabido a interpretação tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis, o sentido prevalente ou decisivo.

  4. À letra do contrato, no caso, cabe, desde logo, uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras do texto contratual – cfr. Batista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p.182.

  5. Devendo considerar-se que o sentido decisivo coincide com a vontade real sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto– cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, 1º, 4ª ed. p.58 e segs.

  6. A Meritíssima Juiz a quo com base nos factos provados fundamentou de jure a decisão referindo que a questão a decidir é saber se há lugar à devolução do valor de € 7.505,00 por força da rescisão contratual do contrato inominado de cessão de exploração de estabelecimento comercial por parte dos Autores Rescindindo os Autores o contrato, nos termos previstos pela respectiva clausula 9., sem lugar a qualquer indemnização (ou seja, sem que o Município da Mealhada tenha previsto qualquer cláusula penal) o valor pago inicialmente, de 5% do valor total da adjudicação, tem de ter uma correspectividade com a efectiva exploração da cafeteria durante os 54 meses (em vez dos 120 inicialmente previstos).

    Ou seja, se para 120 meses de exploração o valor do contrato foi estabelecido em € 150.000,00, tendo os Autores explorado a cafeteria durante 54 meses (por força da rescisão ocorrida nos termos do contrato, sem haver lugar a qualquer indemnização) o valor que deveriam pagar no final desses 54 meses seria de € 67.500,00.

    Estando provado que os Autores pagaram € 7.505,00 e, mensalmente, o valor de 1.188,26, durante 54 meses (Factos Provados 4. e 5.), num total de € 64.167,66, tal significa que pagaram ao Réu o valor total de € 71.672,66.

    Resulta claro para o Tribunal que os Autores pagaram a mais € 4.172,66 que deverão ser restituídos pelo Réu "Município da Mealhada".

    Tendo em conta que os Autores pediram ao Tribunal: 4. O reconhecimento do respeito pelo equilíbrio financeiro do contrato que impunha aos Autores o pagamento de € 67.545,36; 5. A condenação do Réu a reconhecer que recebeu sem causa legítima a quantia de £ 7.505,00; 6. A condenar o Réu a pagar aos autores o valor de € 7.505,00 acrescido de juros.

    O Tribunal entende que o equilíbrio financeiro do contrato impunha aos Autores o pagamento de €67.500,00 correspondentes à exploração durante 54 meses da cafeteria, atendendo ao valor final da adjudicação da concessão de €150.000,00.

    Procedem, pois, parcialmente, os pedidos de reconhecimento do respeito pelo equilíbrio financeiro do contrato e a condenação do Réu a pagar aos Autores, não o valor de 7.505,00, mas o valor de € 4.172,66, acrescido de juros.

  7. Nada pode apontar-se ao mérito do decidido, porquanto o art. 236.º do CC não estabelece os requisitos da declaração negocial, as características que o ordenamento jurídico reclama do comportamento para que ele valha como declaração negocial, antes pelo contrário: supõe resolvida essa questão: “a declaração negocial vale com o sentido…” e o comportamento há-de resultar do procedimento concursal e do contrato celebrado, o que constitui matéria assente.

  8. Importa interpretar a declaração contratual emitida, de acordo com a vontade real (havida efectivamente), e não de substituir aquela declaração, por via dita interpretativa.

  9. E a dúvida que o critério consagrado no art. 237.º se destina a resolver é a dúvida sobre o sentido da declaração. Não uma dúvida sobre os factos. Pelo que o art. 237.º não permite ao intérprete “compor” o sentido da declaração negocial, isto é, não lhe permite usar a dúvida como pretexto para reconstruir o sentido do negócio, sendo que o que o art. 237.º impõe ao intérprete é a escolha do caminho que conduzir ao maior equilíbrio das prestações. Perante as várias possibilidades em dúvida, prevalece a menos gravosa ou a que conduza ao maior equilíbrio das prestações, e o intérprete, na determinação do menos gravoso ou do que conduz ao maior equilíbrio das prestações, tem em consideração o conteúdo do negócio comprovado por via da matéria assente e do mesmo normativo consta um limite ao resultado interpretativo obtido nos casos em que o negócio é formal (“não pode a declaração valer com um sentido que…”). Não o método para alcançar o resultado, pelo que a a interpretação a realizar no art. 238.º CC é estritamente objectiva, de modo a que se possa apurar um sentido imputável ao texto do documento. A interpretação deve, portanto, fazer-se de acordo com as regras próprias do texto materializador da declaração.

  10. Interpretar um contrato consiste em...

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