Acórdão nº 873/05.0TBVLN.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução28 de Novembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I -AA e BB intentaram acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra CC e DD, pedindo que: a) seja declarado que o negócio de compra e venda celebrado entre os RR. é nulo, por simulação absoluta e por ser ilícito e ofensivo dos bons costumes; b) seja proferida sentença que restitua ao património dos AA. a propriedade plena e exclusiva da fracção autónoma que identificam, reconhecendo-se que são os seus legítimos proprietários; c) seja ordenado o cancelamento do registo efectuado a favor da 2ª R. ou qualquer outro registo posterior; d) sejam os RR. condenados solidariamente a pagarem-lhes a quantia de € 25.000,00, a título de compensação económica pelos danos morais sofridos.

Alegaram que o R. CC, fazendo uso de uma procuração que lhe foi outorgada pelos AA. para vender quaisquer bens e receber o respectivo preço, sob os termos e condições que entendesse, celebrou uma escritura pública de compra e venda com a R. DD, sua filha, negócio este simulado, na medida pretenderam celebrar um contrato de doação.

Contestou a R. DD negando a existência de qualquer acordo simulatório e concluindo pela improcedência da acção. Os AA. replicaram.

Foi requerida pelos AA. a intervenção principal de EE, por um lado, e de FF e de GG, pelo outro, na qualidade de sucessivos adquirentes da fracção causa, a qual foi admitida.

Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. do pedido.

Os AA. apelaram e a Relação confirmou a sentença.

Os AA. interpuseram recurso de revista em que concluíram que: a) O negócio celebrado entre os 1º e RR. foi simulado, sendo manifesta a intenção dos RR. de enganar e prejudicar os AA., com correspondente enriquecimento sem causa do 1º R. que, contra as instruções e indicações dos AA. e sem o conhecimento e autorização destes, se fez pagar da quantia de € 35.000,00 com um bem que valia, ao tempo da compra PTE 8.900.000$00, tendo posteriormente o seu valor aumentado nas sucessivas transmissões, b) O 1º R. agiu contra as instruções e indicações dos AA. e contra o interesse destes, verificando-se, assim, abuso de representação, sendo que os AA. não ratificaram o negócio celebrado.

  1. Do conteúdo da procuração outorgada pela AA., o Tribunal recorrido extraiu a ilação de que os AA. previram a possibilidade de o 1º R. "fazer operar a transmissão, para si próprio, da propriedade da dita fracção, como nisso consentiram", d) Tal "facto" (a possibilidade de celebração de negócio consigo mesmo), consubstancia uma verdadeira estipulação adicional ou complementar relativamente ao documento autêntico que, na ausência de prova documental, não poderia ter sido extraída dos autos pelo Tribunal recorrido, sob pena de, ao fazê-lo violar o disposto nos arts. 221° e 394o do CC e nos arts. 13o e 20o da CRP, padecendo, por isso de ilegalidade e de inconstitucionalidade.

  2. Existe contradição insanável entre a fundamentação do douto acórdão recorrido e a matéria de facto constante dos pontos 8º, 9º, 10º e 14º da base instrutória.

  3. Mesmo que se tratasse de uma simulação relativa, o negócio dissimulado (doação) seria nulo, por não terem sido conferidos poderes ao procurador para doar.

  4. O acto jurídico celebrado pelo 1º R. no uso do mandato que lhe foi conferido consubstancia um verdadeiro negócio consigo mesmo sujeito ao disposto no art. 261º do CC.

  5. Em qualquer dos casos é manifesto que o 1º R. agiu sem poderes de representação, sendo o negócio ineficaz em relação aos AA., que não o ratificaram e consequentemente nulo, nulidade de que o Tribunal deveria e poderia ter conhecido.

Não houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II – Factos provados: 1. Os AA. são, respectivamente, irmã e cunhado do 1º R. e a 2ª R. é filha do 1º R. e sobrinha dos AA. (A) e B)); 2. Através da ap. 03/120495 a fracção autónoma descrita em 6.

mostrava-se registada a favor dos AA., por compra a HH, Ldª (E)); 3. Tal aquisição foi realizada pelos AA. com dinheiro proveniente de um empréstimo que o 1º R. lhes fez (20); 4. No dia 26-8-96, no Cart. Not. de Valença, os AA. subscreveram o doc. de fls. 35 e segs., intitulado “Procuração”, por meio da qual declararam, além do mais: “Que constituem seu procurador CC, ao qual conferem poderes gerais de administração civil, para dar ou tomar de locação bens móveis e imóveis, (...) para proceder a partilhas, (...) para vender quaisquer bens, receber o preço e dele dar quitação (...), outorgar e assinar as necessárias escrituras, sob os termos e condições que bem entender” (C)); 5. Tal procuração foi outorgada pelos AA. ao 1º R. como forma de garantir o pagamento do empréstimo referido em 3.

, permitindo, assim, que o 1º R. a usasse se aqueles não liquidassem a quantia emprestada no prazo acordado (22º); 6. Por escritura pública de fls. 42 e segs., celebrada no dia 19-8-04, intitulada de “Compra e Venda”, o 1º R., na qualidade de 1º outorgante e de procurador, em nome e em representação dos AA., e a 2ª R., na qualidade de 2ª outorgante, declararam entre si, entre o mais: “Que o primeiro, na indicada qualidade, pelo preço de € 35.000,00, já recebido, vende à segunda outorgante, a fracção autónoma designada pelas letras IC, composta de uma habitação...

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