Acórdão nº 09361/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Novembro de 2013

Data21 Novembro 2013
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_02

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO(1) · ... intentou acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra · CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA CENTRAL EPE, e · ... .

Pediu ao tribunal da 1ª instância (TAC de Lisboa) o seguinte: - Condenação dos Réus, de forma solidária, no pagamento de uma indemnização de 114.113,19 Euro, por danos patrimoniais e não patrimoniais.

* Por sentença de 12-7-2012, o referido tribunal decidiu absolver os rr. do pedido.

* Inconformada, a a. recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1. Entende a Recorrente que o Tribunal "a quo" não subsumiu correctamente a factualidade supra transcrita à solução jurídica que se impunha, tendo incorrectamente absolvido os Réus.

  1. O erro médico que resulte da (ou coenvolva a) violação das leges ants, será relevante no plano da responsabilidade civil se o resultado danoso seja objectivamente imputável à conduta errada e tal conduta seja censurável ao agente a título de dolo ou de negligência.

  2. Face à factualidade dada como provada, salvo melhor opinião, não pode a Recorrente concordar com a afirmação constante da sentença decorrida que "a respeito da violação dos deveres de cuidado e das regras de ordem designadamente a respeito da omissão da marcação prévia das áreas a intervencionar, resultando, antes, da matéria assente, que a cirurgia decorreu sem intercorrências (alínea HHH)".

  3. Resulta indubitavelmente dos factos J) e T) que a Autora aqui Recorrente não tinha as mamas marcadas, isto é não estavam assinaladas as áreas onde iria retirar o excesso de tecido mamário, quando é também dado como provado que em cirurgias desta natureza é recomendado que se delimite as áreas onde se vai fazer as incisões, designadamente, para assegurar a simetria (leges artis).

  4. Sendo que a consequência dessa não marcação ou delimitação, está também dada como provada no facto K) dado como assente: "detectou que as suas cicatrizes eram estranhamente espessas e alargadas e os seus mamilos estavam assimétricos e recolhidos".

  5. É de mediana clareza factual que a assimetria e recolhimento dos mamilos (que se prende com o posicionamento dos mamilos) foi, naturalmente, uma consequência da não marcação e delimitação de áreas como é recomendado neste tipo de cirurgias e que a 2a Ré não fez.

  6. 0 Tribunal "a quo" não se podia eximir à conclusão da omissão do comportamento devido pelo recurso à figura da prova da primeira aparência.

  7. Resultando provado que imediatamente após a cirurgia os mamilos da Recorrente estavam assimétricos e recolhidos, não se vislumbrando quaisquer marcas de delimitação para reposicionamento dos mesmos é de considerar, em primeira aparência, a omissão de comportamento devido por parte de quem era o responsável pela cirurgia.

  8. Esta facilitação da prova no caso concreto prende-se até com a impossibilidade de a Recorrente a poder fazer no momento da própria cirurgia por se encontrar anestesiada.

  9. A mamoplastia é uma cirurgia relativamente simples de se efectuar, realizando-se amiúde sem que haja notícia de frequentes problemas associados ao reposicionamento dos mamilos.

  10. Como ensina Ribeiro Faria, as provas de aparência ou prima facie, que, recorrendo ao princípio da experiência, da normalidade, da probabilidade, permitem deduzir que "a certas circunstâncias se segue um dado resultado e, inversamente, que um determinado resultado indicia um conjunto de condições ou que um certo efeito significa (por normalidade) uma falta de cuidado, vale dizer, negligência".

  11. E, como salienta MANUEL DE ANDRADE, "esta prova pode ser infirmada por simples contraprova (..) bastando portanto que o adversário demonstre circunstâncias que tornem não improvável, mas seriamente de tomar em conta a possibilidade de as coisas se terem passado de modo diverso do que seria normal em face daqueles termos e condições".

  12. Em tal caso, caberá ao médico provar que, no caso concreto, não há qualquer nexo de causalidade entre o dano e qualquer erro de diagnóstico ou de tratamento. Ou seja, incumbe-lhe infirmar o juízo de probabilidade bastante, assente nas lições práticas da vida e na experiência do que acontece normalmente.

  13. Ora, a 2a Ré também não logrou demonstrar que havia procedido á respectiva delimitação ou marcação das mamas e mamilos da Recorrente não obstante ter alegado em sede de contestação (facto 16) que essa marcação foi realizada no bloco operatório (e levado à base instrutória sob o quesito 77 que foi dado como não provado), sendo certo que os médicos por si arrolados como testemunhas ouvidos em audiência de julgamento já não se lembravam da intervenção cirúrgica da Recorrente, pelo que nada puderam acrescentar no sentido de se dar como provado que as marcações tenham sido feitas.

  14. O deficiente reposicionamento dos mamilos só pode ter como causa a falta de marcação e delimitação adequada, não se tratando de um qualquer evento adverso (porque este não é previsível), nem tão pouco de um acidente ou de uma complicação da cirurgia.

  15. O nexo de causalidade entre a conduta omissiva da 2a Ré e o resultado do deficiente reposicionamento da mama e do mamilo só poderia ter sido afastado pelo Tribunal recorrido se o dano se tivesse produzido por virtude de circunstâncias excepcionais ou extraordinárias, de todo imprevistas e imprevisíveis, o que não sucedeu.

  16. O Tribunal recorrido parece também ignorar os factos JJ) e KK) dados como provados, os quais são demonstrativos que a Recorrente teve de se submeter a nova cirurgia, agora com aplicação de próteses consistindo num levantamento dos seios e reposicionamento dos mamilos combinado com um aumento mamário.

  17. Mais: tal era o estado em que a 2a Ré deixou as mamas e mamilos da Recorrente, que em 25 de Março de 2009, esta teve que se submeter a nova cirurgia para reconstrução do complexo mamilar direito (fls. 229-231); 19. Tais cirurgias posteriores tiveram de NECESSARIAMENTE ocorrer para correccão da cirurgia inicial levada a cabo pela 2a Ré que, para além do excesso de tecido mamário retirado, havia reposicionado MAL os seios e mamilos da Recorrente.

  18. É ainda dado como provado em Abril de 2008, isto é, mais de um ano depois da primeira intervenção (cujo objectivo era uma mera redução mamária), a Recorrente procurou a 28 Ré no seu no Consultório tendo esta comunicado ã Recorrente que teria de uma vez mais ser intervencionada (vide factos assentes SSS) e UUU)).

  19. Pese embora não se tenha dado como provado a razão que levou a 2a Ré a constatar que seria necessário nova intervenção cirúrgica, resulta lógico que se prendia com a necessidade de correcção do resultado da primeira cirurgia.

  20. O facto da cirurgia ter decorrido sem intercorrência significa apenas que não se verificou no seu decurso qualquer acidente operatório, ou seja qualquer ocorrência desagradável no procedimento que não poderia ser em geral previsto ou alertado ao paciente, O QUE NÃO EXCLUI A VIOLAÇÃO DE REGRAS E PROCEDIMENTOS ANTES, DURANTE E DEPOIS DA CIRURGIA! 23. A conduta da 2a Ré trata-se, pois, de ERRO MÉDICO, na medida em que o mesmo resulta da AUSÊNCIA de utilização de técnica médica que se revelou lesiva para a saúde da Recorrente.

  21. Não podia o Tribunal "a quo" concluir, até com algum facilitismo atenta a pouca fundamentação que aduz, que não houve violação dos deveres de cuidado e das regras de ordem técnica durante a realização da mamoplastia de redução, quando o resultado da mesma, concretamente o deficiente reposicionamento das mamas e mamilos não se prendem com complicações ou acidentes inter-operatórios, tratando-se antes de erros técnicos na condução da cirurgia pelo médico (in)competente.

  22. No que concerne ao acompanhamento no pós-operatório, crê a Recorrente que o Tribunal "a quo" não analisa devidamente a factualidade dada como provada, precipitando-se também para uma conclusão errada.

  23. Se é certo que a Recorrente teve uma ida a consulta marcada no dia 09-032007, não é dado como provado que esta não compareceu. Aliás, é dado como provado que nesse mesmo dia a "Autora foi encaminhada, pela 2a Ré, para a Consulta Externa de Obesidade Mórbida" — vide facto H) dado como assente.

  24. Posteriormente a essa consulta, MAIS NENHUMA CONSULTA FOI MARCADA QUER PELA 2a RÉ, QUER PELO 10 RÉU.

  25. Passados mais de 4 meses, por estranhar a ausência de qualquer contacto dos réus, a Recorrente em 18.07.2007 dirige-se ao Hospital para ser vista pela 2a Ré — vide facto MMM) dado como assente. E menos de um mês depois, em 10.08.2007 a Recorrente compareceu novamente ao serviço de cirurgia plástica e reconstrutiva do HSJ para ser observada pela 2a Ré, não porque lhe tivesse sido marcada consulta mas porque esta assim o entendeu.

  26. 0 Tribunal "a quo" desconsidera por um lado a conduta omissiva dos Réus no acompanhamento que deveriam ter prestado no pós-operatório ã Recorrente, seguindo de perto a sua evolução, como desconsidera ainda a conduta pro-activa e empenhada desta no sentido de procurar solução para o deficiente estado em que a 2a Ré a deixou.

  27. Não obstante o Tribunal recorrido em sede de fundamentação ter reconhecido que "na verdade, pese embora os autos demonstrem que a Autora não foi acompanhada, no pós-operatório, em consultas e exames regulares pela 2a Ré`; conclui mal que "(...)ficou por demonstrar que essa falta de acompanhamento tenha resultado de acções ou omissões da médica 2a Ré ou dos serviços do 1° Ré';" 31. Salvo melhor opinião, a própria falta de acompanhamento no pós-operatório através de consultas e exames regulares É JÁ EM SI MESMO UMA CONDUTA OMISSIVA IMPUTÁVEL A AMBOS OS RÉUS.

  28. Há desde logo culpa in omittendo por parte da 2a Ré ao não acompanhar a evolução do estado clínico da Recorrente, devendo ser considerada causa jurídica do dano, porque na qualidade de profissional de saúde tem o dever de praticar esse acto não cumprido — acompanhamento no pós-operatório — sendo certo que este facto omitido contribuiu para...

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