Acórdão nº 065/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução23 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A FAZENDA PÚBLICA interpôs o presente recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fls. 171 e segs. dos autos, de procedência da impugnação judicial que a sociedade A…………, S.A., deduziu contra o acto de liquidação adicional de IVA referente aos anos de 2003 e 2004, e respectivos juros compensatórios, no montante de € 155.208,32.

Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respetivos juros compensatórios relativas ao período compreendido entre janeiro e dezembro de 2004.

B. Entendeu o Tribunal a quo no sentido propugnado pela Impugnante, que a taxa de IVA a aplicar na comercialização das massas do tipo lasanha e cannelloni seria a de 5%, por enquadramento na verba 1.1.4 da lista I anexa ao Código do IVA, na redação dada pelo nº 4 do art. 41º da Lei nº 2/92.

C. Entende a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que tais produtos não estão enquadrados na referida verba, pelo que deveriam ser tributados à taxa normal.

D. De toda a argumentação expendida na Douta sentença, duas conclusões podem ser retiradas: a primeira, que a Impugnante não comercializava massas recheadas, sendo as massas “cannelloni” e “lasanha” massas simples; a segunda, que a interpretação a dar à redação da verba 1.1.4. da Lista anexa ao Código do IVA é a de que o legislador teve como intenção distinguir as massas secas das massas recheadas, tributando as primeiras à taxa reduzida e as segundas à taxa normal.

E. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido.

Vejamos.

F. A questão a decidir nos presentes autos prende-se com a interpretação a dar ao conteúdo constante da verba 1.1.4 da lista I anexa ao Código do IVA, na redação dada pelo nº 4 do art. 41º da Lei nº 2/92, no que concerne aos produtos em causa, que dispunha o seguinte - Bens e serviços sujeitos à taxa reduzida – 1.1.4 – Massas alimentícias e pastas secas similares (excluem-se as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata, e as massas dos tipos Raviolli, Canelloni, Tortellini e semelhantes).

G. Ora, a referida norma visa tributar à taxa reduzida as massas alimentícias e as pastas secas similares. Dentro deste género de massas e pastas, o legislador teve uma opção política, traduzida nas exclusões que estão dentro do parêntesis, decidindo tributar estas exclusões à taxa normal.

H. E as exclusões são duas, e não uma, como pretende a fundamentação expendida na sentença recorrida, uma vez que a conjunção “e” pretende separar duas realidades distintas e não inclui-las numa única realidade. Assim, a primeira exclusão refere-se às massas recheadas, embora prontas para utilização imediata; a segunda exclusão refere-se às massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes, onde aqui se inclui a lasanha.

I. Quanto à primeira exclusão, o legislador pretendeu excluir da tributação à taxa reduzida as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata. E neste aspeto andou bem o Tribunal a quo ao referir que não tendo a Impugnante aparelhos capazes de produzir tais massas (de acordo com a prova testemunhal dada como provada), esta exclusão não se lhe aplicaria.

J. Contudo, as massas cannelloni e lasanha, embora comercializadas enquanto pastas secas ou simples (já que, como se referiu, elas não eram comercializadas enquanto massas recheadas), enquadram-se na segunda exclusão mencionada.

K. Com efeito, a opção política traduzida nesta exclusão é bastante clara: estão excluídas da tributação à taxa reduzida, e por conseguinte, tributadas à taxa normal, as massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes (onde aqui se inclui a lasanha), independentemente dessas massas serem ou não recheadas.

L. Dispõe o artigo 11º da Lei Geral Tributária (LGT) que na determinação do sentido das normas jurídicas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, constantes do artigo 9º do Código Civil.

M. Estando assente que as normas tributárias se interpretam de acordo com os princípios gerais de hermenêutica jurídica, e sintonizados pelo disposto no art. 9º do Código Civil, há que recorrer ao elemento textual (vulgo, letra da lei), ao elemento histórico (que faz atentar e ponderar as circunstâncias envolventes do momento da produção legislativa) e no elemento racional (que nos leva a indagar dos motivos, fins ou interesses perseguidos pelo legislador).

N. Sem prejuízo da operância consertada e reciprocamente conformadora, delimitadora, destes três apresentados elementos, objetivando a obtenção do melhor e mais conforme “pensamento legislativo”, não se pode deixar de conferir algum ascendente, certa prevalência, ao elemento literal.

O. Como refere o Ilustre Professor Baptista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2ª reimpressão, Coimbra, 1989, pp. 187 ss., que “O texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei. Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva (...) se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma (...)”.

P. Resulta, assim, que, a letra da lei é a principal referência e o ponto de partida do intérprete, não se podendo por conseguinte, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística para afirmar um significado que não resulte expresso, ou contrariar o que expressamente afirma o legislador, como pretende a Impugnante no caso sub judice.

Q. Com efeito, a letra da lei e o espírito do sistema não permitem uma outra interpretação, sob pena, aliás, de, caso procedesse a interpretação vertida na douta sentença recorrida, poder ficar absolutamente vazio o alcance da verba 1.1.4 da Lista I anexa ao Código do IVA.

R. Por conseguinte, ao serem expressamente excluídas pelo legislador as massas cannelloni e lasanha da Lista I anexa ao Código do IVA, estão consequentemente excluídas tais massas da tributação à taxa de 5%, prevista na al. a) do nº 1 do artº 18º do CIVA, aplicando-se assim a taxa normal de, à data dos factos, 19%, nos termos e em cumprimento da al. c) do nº 1 do mesmo preceito legal.

S. E não se diga, como ficou dito na sentença recorrida, que a nova redação dada à Lista I anexa ao CIVA, pela Lei nº 67-A/2007, de 31.12 veio “esclarecer” a interpretação a dar à antiga redação. Esta nova redação veio, sim, colocar no ordenamento jurídico uma opção política de excluir (somente) as massas recheadas da tributação reduzida em IVA e não, fazer uma interpretação retroativa da antiga redação daquela verba.

T. Assim, por tudo quanto se expôs, entende a Fazenda Pública que a douta sentença enferma de errónea interpretação e aplicação do disposto na verba 1.1.4 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redação aplicável.

1.2.

A Recorrida...

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