Acórdão nº 02240/98 de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Dezembro de 2008
Magistrado Responsável | José Gomes Correia |
Data da Resolução | 04 de Dezembro de 2008 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, no 1º Juízo Liquidatário do Tribunal Central Administrativo Sul1. RELATÓRIO BANCO S ..., entidade que sucedeu ao Banco ..., com os sinais nos autos, vem interpor recurso contencioso de anulação da Deliberação n.º 91/98, de 04 de Dezembro, da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados ( abreviadamente CNPDPI, ou Comissão), que ordenou a destruição das " referências negativas relativas a todos os cidadãos em relação aos quais já tenha cessado o período da rescisão da convenção, tenha ocorrido remoção da listagem, tenha cessado o período de interdição judicial de uso de cheque ou se verifique reabilitação judicial ".
A fundamentar o recurso contencioso o recorrente sustenta que a " deliberação enferma de vício de violação de lei na medida em que aplica o regime restritivo imposto para o registo da emissão de cheques sem provisão, que visa a protecção dos particulares face a terceiros, à manutenção das informações relativas às relações entre bancos e clientes".
Notificada a Entidade Recorrida para responder, veio a fazê-lo através da sua resposta de 55 a 62, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, suscitando a excepção do caso decidido ou resolvido, dado que o recorrente não impugnou atempadamente a Autorização que procedeu à legalização dos ficheiros do Banco Comércio e Indústria, entidade que foi integrada no Banco S..., e através da qual se " definiu os termos em que deve ser processada a informação sobre cheques sem provisão, particularmente em relação ao tempo de conservação"- Autorização n.º 82/95, de 05.12.95.
Quanto ao mérito do recurso, desenvolve a posição assumida na deliberação impugnada e sustenta o recurso não merece provimento.
Cumprido que foi o artigo 67º do RSTA, veio o recorrente a apresentar a sua alegação, tendo ao final formulado as seguintes conclusões: "1° A deliberação n.º 91/98 da então Comissão Nacional de Protecção dos dados Pessoais Informatizados, que ordenou ao Banco S... que destruísse os dados em seu poder referentes a clientes seus que tinham emitido cheques sem provimento mas cuja inibição de emissão de cheques cessara deve ser anulada, por estar ferida de vício de violação de lei.
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Com efeito, nenhum dos preceitos em que se apoia a decisão atacada pode ser interpretado na forma nela contida.
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Os preceitos constitucionais cujo âmbito de protecção é tido em conta na decisão recorrida são os dos artigos 26° e 35° da Constituição da República. O primeiro destes normativos consagra o direito à intimidade da vida privada (art.° 26, n.° 1, in fine). Todavia, a situação em causa nada tem a ver com a violação da privacidade, porquanto os dados em causa foram produzidas no quadro das relações contratuais existentes entre o cliente e o banco. A partir do momento em que o banco, como sucede no caso vertente, não use essas informações cedendo-as a terceiros, não está a violar a privacidade dos seus clientes, pelo que o preceito foi erradamente aplicado.
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A análise do artigo 35° da Constituição conduz ao mesmo resultado. Com excepção dos dados de natureza pessoalíssima, referidos no n.° 3, em caso algum este preceito proíbe o tratamento de dados. O que é constitucionalmente proibido, isso sim, é o facto de facultar o acesso a ficheiros e registos informáticos (n.°2 do mesmo artigo).
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No caso em apreço, os dados em causa foram licitamente recolhidos no quadro da relação contratual existente entre o banco e o cliente, pelo que a protecção dos direitos em causa se faz impedindo a informação de circular para fora do círculo contratualmente definido, como acertadamente prevê o n.° 2 do preceito, e não destruindo a informação, que é produto necessário daquela relação .
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A protecção constitucional esgota-se, quanto a este domínio, na imposição de restrições à circulação da informação, assegurando que a entidade que a recolhe a usa exclusivamente para os fins que justificaram a tutela legal dessa recolha.
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A solução da lei ordinária é a mesma, como decorre da análise da Lei n.° 67/98, aplicada erradamente pela decisão recorrida. Este diploma prevê que uma das condições de legitimidade do tratamento de dados seja a execução de contrato em que o titular dos mesmos seja parte (artigo 6°, alínea a)). Ora, não há dúvidas de que o registo de dados relativos à emissão de cheques sem provimento, efectuado por um banco relativamente a um seu cliente, que não diferem do mero registo da existência de um passivo, se integra na execução de uma relação contratual deste tipo.
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O que a lei proíbe é a interconexão de dados e, em geral, a utilização dos mesmos para fins diferentes dos que presidiram à sua recolha. O recorrente não viola estas disposições, dado que os dados em causa são utilizados para os exactos fins que presidiram a essa recolha, a qual foi efectuada no âmbito da relação contratual existente e, portanto, de modo lícito.
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A interpretação da Comissão Nacional de Protecção da Dados Pessoais Informatizados desatende a uma realidade óbvia: a emissão de cheque sem cobertura é uma violação da relação contratual - a convenção de cheque -, existente entre um banco e o seu cliente. Que tal facto...
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