Acórdão nº 01157/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução25 de Setembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. A Fazenda Pública vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 19/3/2013, no recurso que aí correu termos sob o nº 06331/13 e em que foi recorrente a impugnante A………………., S.L., com os demais sinais dos autos.

1.2. A recorrente Fazenda Pública alega o recurso e termina formulando as Conclusões seguintes:

  1. Quanto às questões de saber, 1°) se, nos casos em que são organizadas feiras, salões e genericamente eventos (comerciais) destinados à divulgação de produtos de qualquer natureza, inclusivamente de carácter marcadamente regional, em que nas mesmas são promovidas actividades, espectáculos musicais, de teatro, de cinema, etc. e onde são vendidos bilhetes para a entrada nos mesmos, como é que deve ser encarada a tributação dos mesmos para efeitos de IVA, isto é, se podem esses espectáculos ser tratados com autonomia face à outra actividade de divulgação e venda de produtos que é a finalidade pela qual se realiza a feira, salão ou evento, para efeitos de determinação da taxa de IVA aplicável à venda dos bilhetes, ou se, pelo contrário, como conclui o Acórdão recorrido, se devem considerar sempre esses espectáculos como acessórios sem qualquer tipo de individualidade face à venda de produtos e prestação de serviços que ali são desenvolvidos, para efeitos de aplicação de taxa de IVA, 2°) a de saber se poderia o Acórdão ora recorrido ter mantido a anulação do acto administrativo de liquidação por erro na fundamentação, qualificação jurídica dos factos, pese embora tal manutenção implicar um efeito contrário ao que decorre da lei e ao que foi deliberado, verificam-se os requisitos que permitem a interposição de recurso de revista para o STA, nos termos do art. 150° do CPTA.

  2. Uma vez que, tais questões assumem relevância jurídica ou social, aferida em termos da utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, decorrendo, da interposição do presente recurso a possibilidade da melhor aplicação do direito, tendo como escopo a uniformização do direito, dado que tal questão tem capacidade para se repetir num número indeterminado de casos futuros.

  3. Na verdade, a questão acima identificada, assume particular relevância jurídica ou social, atenta não só a questão em si e a natureza do evento realizado "III Salão Erótico de Lisboa" e "Sexy 07" que inclusivamente teve repercussões nos órgãos de comunicação social, como também, que essa questão transcende a própria natureza do espectáculo em si, face ao grande número de eventos, feiras, salões, etc., que se realizam no nosso país destinados à divulgação de um ou mais produtos determinados e nos quais é usual a realização de espectáculos que sempre se pretendem ser de cariz artístico.

  4. Até porque a admissão do presente recurso, no caso em concreto, se revela como claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  5. Embora o efeito do decidido pelas instâncias seja o mesmo, ao não terem mantido as correcções e liquidações adicionais feitas pela AT, não houve uniformidade quanto à interpretação da questão jurídica dado que, enquanto a 1ª Instância se preocupou com a natureza do espectáculo em si e procedeu à sua classificação, para efeitos de incidência da taxa reduzida de IVA, como não pornográfico, considerando uma outra legislação que a AT entendia não ser aplicável, já o Acórdão recorrido não se preocupou com a determinação da natureza do espectáculo, considerando que isso era uma falsa questão e que o que efectivamente interessava era a actividade principal, venda de bens e serviços oferecidos pelos expositores, que a realização de programas e actividades servem para atrair o público e que, por isso, constituem uma actividade meramente acessória interessando, ao invés, a tributação da venda de bilhetes de acordo com a actividade principal de venda de bens ou prestação de serviços.

  6. Assim posta a questão pelas duas instâncias que foram chamadas a sobre ela se pronunciar, desde logo ressalta que está em causa uma matéria de interpretação jurídica assaz complexa com diferentes e contraditórias perspectivas na sua análise e nas operações exegéticas que aquelas instâncias efectuaram para decidir como decidiram, que reclama uma intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa em matéria que ainda não foi por este tratada.

  7. Ao que acresce que, ao ter deliberado que a natureza do espectáculo era uma falsa questão e que o que efectivamente interessava era a actividade principal, venda de bens e serviços oferecidos pelos expositores, que a realização de programas, actividades servem para atrair o público e que, por isso, constituem uma actividade meramente acessória e que o que interessava para a aplicação de taxa de IVA à venda de bilhetes era a actividade principal de venda de bens ou prestação de serviços, o Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, cometeu um erro grosseiro de direito.

  8. De facto, o acto administrativo praticado pela AT, ao não admitir a aplicação de uma taxa reduzida de IVA, visou assegurar que a mesma não fosse aplicada a uma operação económica, relativamente à qual essa mesma aplicação não é possível. O, aliás, douto Acórdão recorrido ao considerar que a actividade de realização de programas e actividades no “III Salão Erótico de Lisboa" e "Sexy 07" era meramente promocional e acessória, mas, ao mesmo tempo, ao decidir que as correcções efectuadas pela AT não eram de manter por esta ter incorrido em erro na qualificação dos factos, elegendo o acessório em vez do principal, implica que se mantenha a aplicação de uma taxa reduzida a uma feira comercial ficando Portugal em situação de incumprimento do direito comunitário, já que essa possibilidade não é permitida pela Directiva IVA (as feiras não estão incluídas no Anexo III à Directiva 2006/112/CE que contém o elenco de operações relativamente às quais os Estados-Membros podem aplicar taxas reduzidas de IVA).

  9. Verifica-se, pois, igualmente, a necessidade de compatibilizar o regime nacional com o regime comunitário podendo, inclusivamente, o STA, caso assim o entenda, suscitar a apreciação desta questão prejudicial, junto do TJUE.

  10. Assim, a aplicação e interpretação uniforme do direito e princípios comunitários, mostra-se como uma questão jurídica de grande relevância impondo-se a revista da decisão proferida em segunda instância, para melhor aplicação do direito e jurisprudência comunitária.

  11. Deve, pois, ser admitido o presente recurso de revista, uma vez que o mesmo versa sobre matéria de natureza jurídica complexa, acerca da qual é admissível existirem dúvidas interpretativas na aplicação das normas legais constantes do CIVA e do quadro comunitário, sendo certo, igualmente, que só com a intervenção do STA se assegura a boa aplicação da justiça no caso concreto e uma futura e necessária uniformidade de procedimentos sobre a matéria e se repara a existência de um erro grosseiro na interpretação e aplicação do direito.

  12. Quanto ao mérito do presente recurso, o Acórdão ora recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação da Lista I anexa ao CIVA verba 2.15/a e Anexo III à Directiva 2006/112/CE, aos factos, pelo que, não se deve manter.

  13. Ora, em primeiro lugar, vista isoladamente a realização de programas e actividades no III Salão Erótico de Lisboa" e "Sexy 07", tendo estas um carácter como o que resulta da al. c) da matéria de facto dada como provada, nunca esta podia ser considerada como tendo a natureza de espectáculo, para efeitos de aplicação de uma taxa reduzida de 5%.

  14. Isto tendo em conta o disposto nos art.s 6° e 7° da Portaria n° 245/83, de 03/03/83 e o disposto no DL 254/76, de 07/04 (anexo 38).

  15. Até porque nos mesmos não era permitida a entrada a menores de 18 anos, os nomes dos espectáculos indiciavam actividades com conteúdo sexual, a publicidade e divulgação dos espectáculos confirmavam esse conteúdo, os espectadores compravam bilhetes para assistir a um espectáculo que indicava a exibição de cenários de cariz sexual com possibilidade de interacção com os espectadores e mesmo as actividades anunciadas versavam sobre a temática sexual/pornográfica.

  16. O que, aliás, perguntado a qualquer destinatário na posição de um "bonus pater famílias" seria pelo mesmo confirmado.

  17. Mais e, em segundo lugar, ainda que a actividade de "espectáculo" realizada na feira seja vista como uma actividade acessória e não principal, como o decidiu a douta decisão recorrida, então há que concluir que, forçosamente, a venda de bilhetes para tais espectáculos também nunca poderia beneficiar de uma taxa reduzida de 5% de IVA.

  18. Pelo que, pergunta-se, face a este entendimento será conforme à lei, nacional e comunitária, anular as liquidações efectuadas pela AT que apenas visaram corrigir o facto de os bilhetes de entrada no evento incluírem a taxa reduzida de 5% de IVA? S) Julga-se que não. É que a aplicação das taxas de IVA constitui actos estritamente vinculados que resultam da aplicação das normas de incidência e onde não existe margem de conformação ou discricionariedade por parte da Administração Tributária.

  19. Por outro lado, a aplicação da taxa normal não depende da alegação e prova de nenhum requisito específico. Verificados os pressupostos de incidência, a aplicação da taxa normal surge como consequência natural, só excepcionada se intervier a aplicação de qualquer norma de isenção ou de redução de taxa, verificados os respectivos pressupostos, que, aliás, têm de ser interpretados de forma estrita.

  20. No que o douto acórdão deveria ter atentado é que a consideração do carácter obsceno ou pornográfico do evento só é relevante se se entender que estamos perante um espectáculo. Afastada a aplicabilidade da verba 2.15, a aplicação da taxa normal reassume o seu papel, sendo irrelevante a consideração pela...

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