Acórdão nº 01012/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelVALENTE TORRÃO
Data da Resolução11 de Setembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A……….. e B…………, com os demais sinais nos autos, vieram, ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA, recorrer do acórdão do TCAN, de 20 de dezembro de 2012, na parte em que julgou parcialmente procedente o recurso da sentença do TAF do Porto que havia anulado o ato de fixação da matéria tributável que teve por base incrementos patrimoniais injustificados, apresentando, para o efeito, alegações nas quais concluem: Iª) Os recorrentes creem que as razões de discordância que motivam a interposição do presente recurso justificam e merecem que o mesmo seja admitido como Revista Excecional, ao abrigo do artigo 150° do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, o qual é aplicável aos processos tributários como vem decidindo pacificamente o Supremo Tribunal Administrativo.

IIª) O objeto do presente recurso preenche indubitavelmente o requisito da relevância jurídica ou social a que o nº 1 do artigo 150.º do CPTA se refere, já que versa sobre um aspeto particularmente sensível em termos do seu impacto comunitário - desde logo, ao processo subjaz uma norma (o nº 3 do artigo 89°-A da Lei Geral Tributária) de difícil interpretação e aplicação e inserida num normativo complexo, que contende com Direitos Liberdades e Garantias dos cidadãos, que se reveste de especial tecnicidade, que contém a inversão de princípios jurídicos estruturantes (como a inversão do ónus da prova ou a derrogação da presunção da veracidade das declarações dos contribuintes), e que encerra uma premente importância social e económica (tanto na ótica do contribuinte processualmente visado, como numa ótica global de coletividade estadual).

IIIª) Ao mesmo tempo, as questões que são o objeto do presente recurso extravasam claramente o objeto dos presentes autos, de modo a que a controvérsia ora gerada se verificará, certamente, num elevado número de casos, pelo que se espera que o Supremo Tribunal Administrativo as aprecie em benefício de uma mais sadia aplicação do direito.

IVª) Paralelamente, ocorrem erros flagrantes ao nível da interpretação da Sentença de primeira instância, como seja o considerar-se que determinada factualidade não foi provada quando a tal consta expressamente da mesma, pelo que o Acórdão a quo, na parte que se impugna, incorrer num erro manifesto ou grosseiro - razão adicional pela qual se afigura justificável a intervenção do tribunal de revista.

Vª) Essa a primeira Questão: o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, no segmento de que se recorre, partiu do pressuposto de que a primeira instância não deu como provada que os 300.000,00 € que reentraram na disponibilidade dos recorrentes entre setembro de 2006 e fevereiro de 2007 foram a fonte das operações societárias cuja despesa (no montante de 271.494,54 €) cabia aos recorrentes demonstrar ter sido efetuada com rendimentos auferidos anteriores a 2007.

VI) Todavia, a Sentença da primeira instância é clara quando afirma que existe uma relação direta entre essa disponibilidade financeira e os aumentos de capital em causa, dela resultando, de entre outras passagens citadas nas alegações supra que “com o retorno dos 300.000 euros que, em 2005, o Recorrente havia destinado a investir em Angola, demonstra-se (...) que o montante dispendido pelos Recorrentes não foi gerado nesse ano, sendo proveniente de aforro cuja existência já se verificava em 2005 pelo que deve ser anulado o ato tributário em recurso.” (página 14).

VIIª). Neste enfoque, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que não foi feita a prova da relação direta entre o aforro demonstrado e a fortuna manifestada no ano de 2007 e que está em causa nos presentes autos, o que redunda em erro grosseiro, numa decisão ostensivamente errada, descabida e ilógica que impõe a admissão da revista como “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

VIIIª). A segunda questão a merecer pronúncia, relacionada com antecedente, é a de saber se a circunstância de determinado facto assumido como provado na fundamentação pela Sentença da primeira instância e não impugnado em sede de recurso, deve ser considerado como tal ainda que não conste especificado naquilo que na gíria se denomina “probatório” - o que em face de resposta positiva, que os Recorrentes propugnam, igualmente determinará a revogação do Acórdão recorrido.

IXª). É igualmente bom de ver que a questão ora suscitada, de índole processual, não se confina aos estritos termos do caso dos autos, razão adicional pela qual se justifica e impõe que o colando Supremo Tribunal Administrativa, admitindo a Revista, se pronuncie no sentido de eliminar da jurisprudência nacional uma decisão que não serve a justiça e o direito.

Xª). Em concreto, cumpre ver esclarecido se um facto dado como provado na fundamentação da Sentença mas não especificado no probatório deve ser considerado como tal, ou se tal falta de especificação importa que não se tenha como provado o mesmo, sendo que, na ótica dos recorrentes, tal omissão no elenco de factos (o denominado “probatório’) não pode significar que determinado facto não se tenha como provado, atento o que dispõe o artigo 659º do CPC.

XIª) Neste sentido, aliás, o Supremo Tribunal de Justiça, em douto aresto de 12 de maio de 2011 sumariou que “O STJ, de acordo com o disposto nos arts. 659.º, n.º 3, 713.º e 726.º do CPC, deve tomar em consideração todos os factos que estão plenamente provados, independentemente de fazerem parte ou não nos factos assentes ou constarem na matéria de facto que o tribunal deu como provada em julgamento.” XIIª) Uma vez mais, estamos perante um claro e grosseiro erro de julgamento que urge ser corrigido, convocando-se ainda a necessidade de este Supremo Tribunal Administrativo fixar orientação jurisprudencial no sentido ora propugnado pelos recorrentes, com a certeza de que a decisão que recair sobre esta questão não aproveitará apenas ao aqui recorrente mas a uma generalidade de casos futuros em que o apontado erro judiciário poderá ser cometido caso a questão mesma não seja esclarecida.

XIIIª) A terceira questão, que se coloca em termos subsidiários, formula-se com a seguinte preposição: o nível de exigência de prova do n° 3 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária que vem sendo defendida pelo Supremo Tribunal Administrativo é conforme à Constituição da República Portuguesa nas situações, como a que sucede nos autos, em que quer o aforro provado quer a evidenciação da fortuna deriva da utilização de numerário? XIVª) A orientação jurisprudencial sobre a exigência que o nº 3 do artigo 89º-A da LGT faz impender sobre o contribuinte para elidir a presunção de que determinada despesa não foi efetuada com rendimentos do ano em escrutínio exige a prova da relação direta entre a afetação de determinado rendimento e a manifestação de fortuna evidenciada.

XVª) Não pretendendo os Recorrentes questionar o acerto desta orientação jurisprudencial sedimentada, consideram porém que a mesma deve ser repensada para situações em que quer os “meios financeiros” quer os “consumos” se provam ser corporizados em numerário.

XVIª) Com efeito, se se percebe e entende que, feita a prova de que determinado sujeito passivo detinha em data anterior ao da despesa efetuada um aforro, p.e., numa instituição bancária se lhe exija a prova suplementar de que foi essa conta sacada para fazer face ao consumo evidenciado e colocado em crise pela Administração Tributária, não se aceita que tal exigência de prova se estenda a situações em que, pela própria natureza das coisas, não é possível a prova dessa relação direta.

XVIIª) Isto porque não é admissível que a norma em causa consagre uma verdadeira “prova diabólica” ou impossível na prática, sendo que sufragar-se o entendimento que subjaz da decisão recorrida redunda na inviabilização da prova em causa por parte dos contribuintes recorrentes e desrespeita o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes da necessidade e do equilíbrio.

XVIIIª) O direito à tutela judicial efetiva, como vincam GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, p. 163) “sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo, quando a não observância ... de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu alegar (e, acrescentar-se-á agora, de provar), daí resultando prejuízos efetivos para os seus interesses.” XIXª) Também JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo 1, p. 190) referem que, muito embora disponha o legislador de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, não sendo incompatível com a tutela jurisdicional a imposição de determinados ónus processuais às «partes», o que é certo é que o direito ao processo inculca que “os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o principio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva”.

XXª). Do ponto de vista da responsabilidade probatória que incide sobre o contribuinte, face a inversão do ónus da prova que exceciona a regra do n.º 1 do artigo 74º da LGT, importa ter também ter em conta o pensamento perfilhado pelo Tribunal Constitucional no Ac. n.º 84/2003 a propósito da alínea b) do n.º 2 do artº. 89°-A da LGT, onde se pode ler que “Assente a declaração do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT