Acórdão nº 536/08 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Novembro de 2008
Data | 11 Novembro 2008 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 536/2008
Processo n.º 704/08
-
Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., melhor identificada nos autos, reclama para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), do despacho proferido pelo Juiz Desembargador relator do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto com base na norma do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
2 – Com interesse para a decisão, colhe-se dos autos:
2.1 – Discordando do teor da sentença proferida no Tribunal Judicial de Sesimbra, pela qual se julgou improcedente a acção de despejo que a reclamada “Associação da Acção Bíblica em Portugal” instaurara contra a ora reclamante, recorreu aquela para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 16 de Novembro de 2006, concedeu “provimento ao recurso, julgando-se a acção procedente e decretando-se o fim do contrato com o consequente despejo da ré”.
2.2 – Notificada da decisão, a autora requereu que tal acórdão fosse “esclarecido de modo a que fique claro que a Ré também vai condenada no pagamento da indemnização peticionada, no valor de € 150,00 mensais, desde Março de 2004 até ao despejo efectivo e que é responsável pelo pagamento quer das custas da acção (1.ª instância), quer as do recurso (Tribunal Superior)”, tendo o Tribunal da Relação, por acórdão de 1 de Março de 2007, aclarado a decisão apenas na parte relativa à condenação em custas.
2.3 – Na sequência, a reclamada requereu a reforma do acórdão, arguindo, subsidiariamente, a sua nulidade, tendo o Tribunal da Relação decidido nos termos seguintes:
“(...)
- O pedido da A. (e ora requerente) era desdobrado em duas partes:
-
Condenação na desocupação do prédio!
-
E no pagamento de uma indemnização mensal de 150€, pela indevida ocupação, desde Março 2004, ou em alternativa, desde a citação, até à entrega efectiva.
Na 1ª Instância, a acção improcedeu.
Decisão que foi revogada por esta Relação, em seu Ac. de 16-Nov-06.
Aí se concluiu: “… julgando-se a acção procedente…”
Veio, depois, a A. pedir o aclaramento do acórdão: quanto a custas e quanto à (pretendida) …… da indemnização na decisão.
Em conferência, e por Ac. de 1-3-07 com base no art. 684-3 CPC (as conclusões do recurso não aludia a tal questão) este Tribunal decidiu “nada mais haver a esclarecer”.
Ora bem:
- Mercê, talvez de não termos sido tão explícitos quanto se impunha (e por tal, nos penitenciamos) foram-se acumulando alguns mal-entendidos que agora urge exconjugar.
E, assim, entrando no cerne da real questão (a do pedido indemnizatório) dados os factos tidos como provados (valor locativo do prédio de 150€/mês, e ocupação intitulada da habitação), não podemos deixar de reconhecer que a A. tem razão.
Mas para chegar a tal constatação não precisamos de remediar qualquer hipotético vício de omissão de pronúncia, ou de chamar em nosso auxílio, o disposto no art. 715-2 CPC.
Nada disso.
Basta que levemos às últimas consequências aquilo que, afinal, acabou por ser decidido pelo acórdão desta Relação de 16-11-06.
Na verdade, no precedente acórdão “em conferência” decidiu-se “nada haver a decidir” com base em que o problema posto extravasava do âmbito das conclusões (art. 684-3).
É jurisprudência pacifica…
E nada havia a decidir pela simples razão de que, bem interpretado, o Ac. de 16-11-06 continha, já tudo quanto a A. pretendia.
Na verdade:
- o pedido (como se vê da p.i.) subdividia-se em duas partes:
- A desocupação decorrente do despejo,
- E a inerente indemnização.
Ora, esta Relação, “julgando a acção procedente”…, julgou-a na totalidade, nada dela excluindo.
Assim, a procedência da acção (que englobava o despejo e a indemnização) foi, “in totum” perfilhada pela Relação, naquilo a que A. Reis (CPC, Ano V vol. 63) apelidava de “julgamento implícito”.
Sem embargo disso, aproveita-se o momento para clarificar melhor o âmbito da indemnização, no seu aspecto temporal.
Sendo certo que o lucro cessante se cifrava nos 150€ por mês (i), resta aprovar a sua dimensão temporal.
Ora, ao ser destituída de base legal, a conclusão da R. integrava um “facto ilícito”. Daí que, com a citação ela tenha ficado a saber que lhe era exigida a entrega do imóvel: art. 805-3 C.C.
A pretendida indemnização tem pois, base legal (arts. 562 e 564 do C.C.) desde o dia da citação até ao dia da efectiva entrega – tal como se pedia e se julgou procedente.
Nestes termos, e ficando prejudicadas as objecções levantadas com este esclarecimento se confirma o teor da decisão de 16-Nov-06”.
2.4 – Notificada desse acórdão, a ora reclamante interpôs recursos para o Supremo Tribunal de Justiça (requerimento de fls. 59 a 62) e para o Tribunal Constitucional (requerimento de fls. 63 e 64), não tendo esses recursos sido admitidos, com base na fundamentação que se transcreve:
“(...)
Não é demais relembrar que a acção comportava dois pedidos: - um digamos, básico, - e que era o de despejo …
E outro, digamos, acessório, que era o de indemnização por conta dos danos decorrentes da ilícita ocupação do locado.
A 1ª Instância julgou a acção, pura e simplesmente, improcedente.
A Relação divergiu, julgando a acção procedente...
Dúvidas, todavia, surgiram, da parte da A: — Procedente... só o despejo propriamente dito?... E a questão da indemnização?...
Num primeiro acórdão aclarador (de 1-3-07) entendeu-se nada haver a aclarar, já que o problema posto extravasava do âmbito das conclusões das alegações (a. 684-3 CPC) e no inerente recurso não se falava, nem de perto nem de longe, no problema da indemnização.
Seguiu-se, assim, a opinião, nesse sentido, da própria Ré. Nada se decidiu, pois, quanto ao fundo da questão. Foi uma decisão formal. A A. volta à luta e insiste em que lhe faça cabal justiça, sustentado que haveria omissão de pronúncia, no tocante à questão da indemnização.
Este tribunal, confrontado com a substancial razão da A., não podia, nem ética nem processualmente, esquivar-se a afrontar o problema e, assim, reconheceu a razão que, sem dúvida lhe assistia. Não se pode, em rigor, falar de contradição entre duas decisões, uma de cariz formal, outra de fundo substancial.
O Relator assume a sua responsabilidade na condução deste pequeno incidente. Na verdade, com um pouco menos de formalismo, o problema bem poderia ter sido logo arrumado, no bom sentido, no acórdão aclarador de 1-3-07 e só por um exacerbamento formal assim não aconteceu.
Mas mais vale tarde do que nunca … e seria clamorosamente injusto que a Ré, por conta de um hipotético erro formal, acabasse, afinal por lucrar imerecidamente, fruindo um locado sem qualquer título.
O ac. de 10-5-07 veio, pois, realizar a justiça que se impunha, pelo modo possível. Pior que isso seria nada fazer. Tratava-se, pois, de salvar o possível.
Podia, é certo, ter-se seguido a via do suprimento de uma hipotética omissão de pronúncia (a.668-1-d CDP), por se ter “esquecido” o pedido indemnizatório. Seguiu-se, porém, a via do esclarecimento (a.669), sendo que, de qualquer modo, o resultado final era igual.
Daí todo o clamor levantado...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO