Acórdão nº 2577/05.5TBPMS-K.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Outubro de 2008
Magistrado Responsável | DR. ARTUR DIAS |
Data da Resolução | 28 de Outubro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1.
RELATÓRIO Por apenso ao processo especial de insolvência em que é requerido A...
, foi pelo credor B...
pedida a qualificação da insolvência como dolosa ou, pelo menos, como culposa com culpa grave, com os efeitos previstos no artigo 189º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)[1], e sem prejuízo do subsequente procedimento criminal contra os responsáveis.
Alegou, para tanto, em síntese, factos que, no seu entender, conjugados com o disposto no artº 186º, fundamentam aquele pedido.
Também o credor C...
, pugna pela qualificação da insolvência como culposa, alegando factos que, a seu ver, a tal conduzem.
O Administrador da insolvência, em cumprimento do disposto no artigo 188º, n.º 2, do CIRE, apresentou o seu parecer, concluindo também no sentido da qualificação da insolvência como culposa.
Em igual sentido se pronunciou o Ministério Público.
Notificado, o requerido apresentou oposição.
Foi cumprido o disposto nos artigos 188º, nº 6 e 135º (este ex vi do artigo 188º, n.º 7), tendo os membros da Comissão de Credores, "D...
, E...
e "F...
", oferecido o merecimento dos autos.
Feitos os pertinentes saneamento e instrução, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, sendo, depois, proferida a sentença de fls. 1837 a 1896, julgando o incidente totalmente procedente e, em consequência: a) Qualificando como culposa a insolvência; b) Considerando afectado pela qualificação da insolvência como culposa o devedor, A...; c) Decretando a inabilitação de A... pelo período de 5 (cinco) anos e determinando que este seja assistido por um curador, a cuja autorização estarão sujeitos os actos de disposição de bens entre vivos e ainda a abertura de contas bancárias e respectiva movimentação, sempre que reportada (esta movimentação) a valores superiores a metade da alçada (vigente à data da instauração do processo de insolvência) do Tribunal de 1ª instância.
-
Declarando o requerido A... inibido para o exercício do comércio durante um período de 7 (sete) anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão da sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.
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Determinando a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente, detidos por A..., e condenando o mesmo na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
O requerido interpôs recurso e, no final da alegação que apresentou, formulou as conclusões seguintes: (....................................................................................) As apeladas "F..." (membro da Comissão de Credores) e "B..." responderam, defendendo a manutenção do julgado.
Colhidos os pertinentes vistos, cumpre apreciar e decidir.
*** Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que á ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas as questões seguintes: a) Alteração da decisão sobre a matéria de facto; b) Inconstitucionalidade da norma constante do artº 189º, nº 2, al. b); c) Irrelevância dos factos anteriores à entrada em vigor do CIRE; d) Inexistência de fundamento para a qualificação da insolvência como culposa; e) Redução da duração das medidas de inabilitação e inibição para o exercício do comércio.
*** 2.
FUNDAMENTAÇÃO 2.1.
De facto 2.1.1. Na 1ª instância foram considerados provados os factos seguintes: (...................................................................................) *** 2.1.2.
Alteração da decisão sobre a matéria de facto (............................................................................................) *** 2.2.
De direito 2.2.1.
Inconstitucionalidade da norma constante do artº 189º, nº 2, al. b) do CIRE Estabelece o artº 189º, nº 2, al. b) do CIRE que na sentença que qualifique a insolvência como culposa o juiz deve decretar a inabilitação, por um período de 2 a 10 anos, das pessoas afectadas pela qualificação.
O recorrente sustenta que tal norma é inconstitucional, por contrariar os artºs 18º, nº 2, 25º, nº 1 e 26º, nº 1, todos da Constituição, isto é, por violar a integridade moral e o bom nome e reputação do insolvente e restringir injustificada e desnecessariamente a sua capacidade civil.
De acordo com o artº 18º, nº 2, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Segundo o artº 25º, nº 1, a integridade moral e física das pessoas é inviolável.
E, nos termos do artº 26º, nº 1, a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
O direito à integridade pessoal (à integridade física e à integridade moral), consagrado no artº 25º, nº 1 da Constituição, consiste no direito da pessoa a não ser agredida ou ofendida no seu corpo ou no seu espírito, por quaisquer meios, físicos ou não[2].
Esse direito constitucional proíbe, portanto, actos que ofendam a integridade física ou moral de outrem[3].
O direito ao bom nome e reputação só é violado por actos que se traduzam em imputar falsamente a alguém a prática de acções ilícitas ou ilegais, ou que consistam em tornar públicas faltas ou defeitos de outrem que, sendo embora verdadeiros, não são publicamente conhecidos[4].
No essencial, os inabilitados ficam submetidos à assistência de um curador, a cuja autorização estão sujeitos os actos de disposição de bens entre vivos e todos os que, em atenção às circunstâncias de cada caso, forem especificados na sentença (artº 153º, nº 1 do Cód. Civil).
Sendo inquestionável que aquela submissão integra uma limitação à capacidade de exercício do inabilitado, ela não constitui, mesmo tendo em conta a publicidade associada ao registo [artºs 156º e 147º do Cód. Civil e 1º, nº 1, al. h) do Cód. Reg. Civil], ofensa á integridade moral ou ao bom nome e reputação. A não ser assim, teria de entender-se que o decretamento de qualquer inabilitação...
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