Acórdão nº 02462/08.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelJos
Data da Resolução17 de Maio de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório JMFM(...) – residente (…), no Porto – interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF] – em 06.12.2010 – que absolveu o Estado Português, AEG(...), JHJO(...) e MMS(...) do pedido por ele formulado – esta sentença recorrida culmina acção administrativa comum [AAC] em que o ora recorrente demandou os ora recorridos pedindo ao TAF que os condene solidariamente a pagar-lhe a quantia de 50.000,00€ a título de ressarcimento de danos não patrimoniais por ele sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação até integral pagamento, ou, caso assim não se entenda, que condene apenas o réu Estado Português no mesmo pedido.

Conclui assim as suas alegações: 1- A acção foi julgada não provada e improcedente por não se mostrar verificado um dos pressupostos da obrigação de indemnizar - «ilicitude»; 2- Salvo o devido respeito não concordamos com tal entendimento; 3- Em primeiro lugar, porque, o autor, ora recorrente fundamentou a sua pretensão indemnizatória, no facto do 3º réu ter elaborado um parecer imputando àquele a prática de «falsificação de documentos» e de ter «induzido terceiros à prática de tal infracção» e por via disso agravou a pena disciplinar para suspensão por 61 dias; 4- O 2º réu, enquanto Presidente do IRS, decidiu aplicar tal pena de suspensão, confirmando o parecer do 3º réu; 5- O 4º réu, decidindo o recurso hierárquico apresentado pelo aqui recorrente, viria a confirmar a pena de suspensão, reduzindo-a apenas para 55 dias; 6- O aqui recorrente, ao contrário do referido na sentença recorrida, alegou nos seus articulados que as condutas perpetradas por estes três agentes da administração, foram pelo menos negligentes, ignorando aqueles que cabia dar cumprimento ao direito de defesa do arguido, ora recorrente [ver artigos 66º a 69º, 71º a 76º da petição inicial, e 36º da réplica]; 7- Pelo que, o facto do qual o autor fez decorrer a sua pretensão não radicou apenas numa mera alegação da sua falta de audiência, enquanto arguido no procedimento disciplinar em momento anterior à sua condenação; 8- Mas sim, e fundamentalmente, de se ver impedido de repor a verdade dos factos; 9- Tal nova factualidade consubstanciava acusações graves ofensivas da honra e consideração pessoal e profissional do autor, o que originou danos na sua personalidade moral; 10- Como se viu, ficou provado que desde a notificação da decisão disciplinar e do parecer de folhas 176 a 179 dos autos, até decisão anulatória, o autor, ora recorrente, sentiu-se humilhado, angustiado e revoltado; 11- Também ficou provado que desde a notificação da decisão disciplinar e do parecer de folhas 176 a 179 dos autos, o autor sentiu-se atingido na sua honra, consideração e brio profissional, sendo óbvio, sublinhe-se, que a falta de audiência e defesa do arguido impediu-o de repor a verdade dos factos em sede própria - processo disciplinar; 12- É sabido, que não existe uma perfeita coincidência entre ilegalidade e ilicitude, porquanto esta só se identifica com uma ilegalidade qualificada, ou seja, com a violação de normas que compreendem, no seu âmbito de protecção, a tutela de posições jurídicas substantiva dos particulares; 13- Sendo que ilícita será, pois, toda a conduta que implique a violação de direitos subjectivos ou a violação de normas destinadas a proteger interesses do particular; 14- Pois bem, a falta de audiência do arguido, ora recorrente, impediu, o exercício do seu direito de defesa perante nova factualidade dada como assente na decisão disciplinar e que ficou demonstrado nos autos que afectou a sua personalidade moral; 15- Ora, este direito, em sede de processos sancionatórios é equiparado ao direito de audiência de defesa do arguido em processo penal [ver nº10 do artigo 32º da CRP]; 16- Este direito de audiência e defesa mais não é do que a tradução moderna da velha máxima «nemo potest inauditu damnari»; 17- Com efeito, no processo disciplinar o direito de participação assume, quanto ao arguido, a modalidade qualificada de direito de audiência e defesa, consagrado no nº3 do artigo 269º da CRP, que dispõe que «em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa»; 18- Esta garantia, referida no texto constitucional a propósito do “processo disciplinar” público, replicando o que, de modo mais geral já consta do supra citado nº10 do artigo 32º, para os processos sancionatórios, encerra assim, um verdadeiro direito fundamental; 19- Pelo que é de concluir, que se verifica in casu ilicitude como um dos pressupostos do dever de indemnização da administração; 20- Ao decidir como decidiu o TAF fez incorrecta interpretação e aplicação do direito, violando, nomeadamente, o disposto nos artigos 25º nº1, 32º nº10, 269º nº3 da CRP, e 6º do DL nº48.051 de 21.11.1967.

Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, com todas as legais consequências.

O Estado Português contra-alegou, concluindo assim: 1- Reportam-se os autos a uma acção administrativa de responsabilidade civil extracontratual por facto reputado como ilícito; 2- O autor deduz a sua pretensão contra o Estado Português e também contra três dos seus agentes, ancorado na ilegalidade do despacho de 13.06.2002 do Secretário de Estado da Justiça, que, decidindo recurso hierárquico, lhe impôs a pena disciplinar de 55 dias de suspensão; 3- Pede a condenação solidária dos réus no pagamento da quantia de 50.000,00€, a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos respectivos juros legais moratórios, ou, caso assim não se entenda, a condenação do Estado em exclusivo no pagamento daquela quantia; 4- Realizado o julgamento, entendeu o TAF que sendo os requisitos da responsabilidade civil extracontratual de verificação cumulativa e constatando-se inexistir o requisito da «ilicitude», terá que soçobrar o pedido indemnizatório fundado em responsabilidade extracontratual do Estado sendo inútil a apreciação dos demais pressupostos, termos em que foi julgada a acção improcedente; 5- As alegações de recurso não contêm qualquer ataque concreto à decisão recorrida, à qual, em bom rigor, nenhum vício ou anomalia vêm imputados, limitando-se a reiterar a ilicitude consubstanciada na falta de audiência do autor e a condenação dos réus no pedido; 6- Da matéria de facto provada resulta que o autor só depois do parecer e consequente despacho de 27.02.2002 terá começado a sentir-se humilhado, triste, revoltado, evitando sair de casa e com insónias… bem como se sentiu atingido na sua honra, consideração e brio pessoal e profissional; 7-Todavia, a terem ocorrido, os danos alegados não se devem à preterição do direito de audiência, antes são, única e exclusivamente, da responsabilidade do próprio autor que cometeu os factos disciplinarmente ilícitos que lhe foram imputados na acusação, que ele assumiu por escrito e que levaram à instauração do processo disciplinar; 8- Por outro lado, por opção sua, não lançou mão do meio processual acessório da suspensão da eficácia do acto punitivo que bem conhecia; 9- No caso, a suspensão da eficácia era o meio adequado a evitar possíveis danos decorrentes da execução da pena, pelo que, ao não fazer uso dele, negligenciou a defesa e salvaguarda dos bens que agora pretende ver reparada pelo Estado e demais réus, optando pelo pedido indemnizatório; 10- A responsabilidade civil do Estado por actos ilícitos de gestão pública, prevista no artigo 2º do DL nº48.051, de 21.11.1967, depende da verificação cumulativa de pressupostos idênticos aos da responsabilidade civil geral [constantes do artigo 483º do CC]: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo causal entre este e o facto; 11- A noção de ilícito é-nos dada pelo artigo 6º do referido DL nº48.051, que considera como tais os actos jurídicos que violem normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração; 12- Necessário seria que o acto considerado ilegal integrante da causa de pedir o atingisse num direito ou posição juridicamente tutelada, não meramente reflexa ou ocasional, mas directa e intencional; 13- Como bem refere a sentença «seria necessário que a ilicitude do acto se reportasse ao próprio conteúdo decisório, ou seja, à inverificação dos factos imputados ao autor ou, não obstante a sua verificação, os mesmos não pudessem ser qualificados como infracção disciplinar e não, como aqui sucede, à inobservância de formalidade processual, cuja efectiva observância não garantiria, por si só, o arquivamento do processo disciplinar»; 14- Na verdade, o direito de audiência considerado preterido no procedimento disciplinar movido ao autor não se destinava a proteger a sua honra, consideração, brio profissional pessoal e moral, bem como os demais interesses e valores que o autor diz terem sido atingidos e em cuja alegada lesão sustenta o pedido indemnizatório por danos não patrimoniais; 15- Neste entendimento, que se crê correcto, não se mostra preenchido o requisito ilicitude, o que leva à improcedência da acção, dado que, como se disse, aqueles requisitos são de verificação cumulativa; 16- Ainda que se tivesse por verificada a ilicitude, a partir da mera constatação da ilegalidade, o que não se concede, nem assim poderia proceder a pretensão indemnizatória do autor; 17- Nenhum nexo de causalidade adequada é possível estabelecer entre a omissão da audiência e os danos que o autor alega ter sofrido, já que nada permite concluir que se o autor tivesse sido ouvido a pena seria diferente; 18- Por outro lado, o artigo 496º nº1 do CC prescreve que os danos morais só são indemnizáveis se atingirem uma gravidade tal que mereça a tutela do direito, isto é teriam de ser provados e não foram...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT