Acórdão nº 08B2004 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Outubro de 2008

Data23 Outubro 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e mulher BB intentaram, em 02.01.2004, no Tribunal Judicial de Vale de Cambra, contra CC e mulher DD, acção com processo sumário, pedindo a condenação destes - a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre o prédio rústico que identificam no art. 1º da p.i.

[prédio rústico constituído por terreno de cultura com videiras em ramada, denominado CAPELA, sito no lugar de Quintã, freguesia de S. Pedro de Castelões, Vale de Cambra, inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o art. 7.316]; - a reconhecerem que tal prédio goza do direito de passagem a pé ou de carro agrícola, de rego e o acessório direito de acompanhamento sobre os prédios dos réus que devidamente identificam no art. 8º da p.i.; - a restituírem aos autores os aludidos direitos de servidão, procedendo-se, para tal, à demolição do muro construído contra o portão de acesso ao referido prédio dos autores e ao afastamento de quaisquer obstáculos à passagem postos pelos réus; - a absterem-se, no futuro, da prática de actos ofensivos dos aludidos direitos dos autores; - a verem fixada, a título de sanção pecuniária compulsória, uma indemnização de € 50,00 por cada dia ou fracção que decorra, após ser proferida a sentença definitiva, e em que se verifique a turbação da passagem dos autores.

Alegaram, para tanto, factos tendentes a demonstrar que são donos do aludido prédio, que têm direito de servidão sobre o prédio dos réus e que estes estão a impedir o exercício de tal direito.

Os réus contestaram, sustentando, em síntese, que os autores têm acesso ao seu prédio desde a via pública, e, dentro do prédio, através de rampas que dão acesso às diversas leiras deste, assim vindo a utilizar esse acesso, sendo, por isso, desnecessária a servidão de passagem.

No que respeita à servidão de rego, reconhecendo que encanaram o rego na parte em que passa pelos seus prédios, negam os réus que nestes a água se misture com lixo ou outros poluentes que a tornem imprópria para a rega; e acrescentam que, por força do encanamento, não há necessidade de acompanhamento, pelos autores, da água de rega.

Em reconvenção pediram que se declarem judicialmente extintas, por desnecessidade, as servidões que oneram os seus prédios a favor do dos autores, e que estes sejam condenados a reconstruir o muro que derrubaram ao abrigo da ordem judicial proferida no processo cautelar apenso.

Pediram ainda a condenação dos demandantes como litigantes de má fé.

Os autores responderam, opondo-se à admissibilidade dos pedidos reconvencionais, impugnando ainda a matéria em que assentam.

Todavia, tais pedidos foram admitidos, passando a acção, por via disso, a seguir a forma ordinária.

Já depois de elaborado o saneador e seleccionados os factos assentes e os levados à base instrutória, apresentaram os réus articulado superveniente, a que os autores responderam, tendo sidos aditados àquela, em consequência, alguns quesitos.

Os autores agravaram do despacho que aditou esses novos quesitos, tendo o recurso sido admitido para subir com o que viesse a ser interposto da decisão final.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou totalmente procedente a acção, com a consequente condenação dos demandados nos pedidos formulados pelos autores, e improcedente a reconvenção, com a consectária absolvição dos autores.

Recorreram, da sentença, os réus.

E a Relação do Porto, confrontada com os dois interpostos recursos, decidiu assim: A.

Revogou a sentença recorrida na parte respeitante à servidão de aqueduto (e não de rego), eliminando-se do trecho condenatório o reconhecimento pelos réus do direito acessório dos autores acompanharem as águas no seu percurso pelos prédios daqueles; B.

Anulou a decisão da 1ª instância ordenando-se a repetição do julgamento para ser sanada a contradição entre os factos descritos nos pontos 32., 38., 40. e 41., nos termos do art. 712º, n.º 4 do CPC; C.

Não conheceu do agravo dos autores, por manifesta inutilidade.

Do acórdão da Relação que assim decidiu interpuseram os autores recurso de revista para este Supremo Tribunal.

O recurso foi admitido, por despacho do Ex.mo Desembargador relator, "excluindo-se, no entanto, do seu objecto, a parte B.

do dispositivo, face ao comando do art. 712º, n.º 6 do CPC." Os recorrentes reclamaram do dito despacho, na parte acabada de transcrever, mas sem êxito, já que, por despacho do Ex.mo Conselheiro Vice-Presidente deste Supremo Tribunal, foi tal reclamação indeferida.

Os autores/recorrentes finalizaram as suas alegações de recurso enunciando conclusões que, em síntese, são as seguintes: 1ª - O recurso de revista deveria ter sido admitido no seu todo, sem a exclusão da alínea B.

do dispositivo, que não se subsume ao disposto nos n.os 1 a 6 do art. 712º do CPC, já que se trata da interpretação e do significado jurídico dos factos levados aos pontos 32º, 38º, 40º e 41º da sentença, convergindo tudo na questão de direito, pois nenhuma contradição existe entre aqueles pontos de facto, que se reportam a realidades distintas; 2ª - Os autores alegaram e provaram que adquiriram originariamente, por usucapião, o direito à servidão de aqueduto (condução de "águas das cales") através de rego a céu aberto, por sobre o prédio dos réus, em benefício do seu prédio, nas circunstâncias e com as características descritas nos factos provados insertos nos n.os 19, 20, 22, 23 e 24; 3ª - A alteração do modo e tempo do exercício da servidão não pode fazer-se por decisão unilateral do proprietário do prédio dominante ou serviente, mas apenas por acordo de ambos; 4ª - Tal acordo não ocorreu no caso dos autos, pelo que aos réus estava vedado proceder a qualquer alteração da servidão de aqueduto e acessório acompanhamento de pé; 5ª - A mudança de servidão, feita unilateralmente, sem autorização do dono do prédio dominante, obriga à reposição da situação anteriormente existente; 6ª - O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação e, em caso de dúvida quanto à sua extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente (art. 1565º, n.os 1 e 2 do CC); 7ª - Os réus, com as obras que fizeram, impediram todo e qualquer acesso dos autores, quer à servidão de aqueduto através de rego a céu aberto, quer à alegada, mas não aceite, servidão de aqueduto subterrâneo, para acompanhamento, manutenção, fiscalização, orientação e limpeza da servidão, pelo que se mostra violado o direito de servidão de aqueduto e necessário acompanhamento dos autores por sobre o prédio dos réus, para condução das "águas das cales" para rega; 8ª - Decidindo nos termos em que o fez quanto à alínea A.

do dispositivo, o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 1561º, n.º 1, 1565º, n.os 1 e 2, 1550º, 1547º, n.º 1 e 1548º, n.os 1 e 2, todos do CC; 9ª - Quanto à alínea B.

do dispositivo do acórdão recorrido: é incontroverso que os autos se reportam a uma servidão de passagem de pessoas, animais e veículos agrícolas, para transportar produtos agrícolas, estrumes, alfaias e animais, que, partindo da via pública e atravessando os prédios dos réus em linha recta até um portão que vedava e dava acesso ao prédio dos autores, sempre se fez desde há mais de 10, 15 e 20 anos, para acesso da via pública ao prédio dos autores, e deste à via pública, sem qualquer limitação de tempo e sempre que tal fosse necessário, por um caminho que sempre se revelou batido pelo trilhar das pessoas, animais e veículos, ali não crescendo erva ou outra vegetação [al. p), q), r) e s) da matéria assente do saneador de fls. 124]; 10ª - É esse tipo de acesso, e tal modo de servidão, com as características indicadas, que não se mostra provado quanto ao caminho referido em ee) da dita matéria assente de fls. 125 (no que se reporta à existência de um acesso a partir do caminho que "em data anterior a Maio de 2003 foi alargado e alcatroado e que bordeja a propriedade dos requeridos e dos requerentes"); 11ª - De facto, quanto a este alegado acesso, e à pretensa servidão que por aí se processaria, resultou não provada toda a matéria a ele atinente, levada aos arts. 11º, 12º, 13º, 14º e 16º da B.I., sendo que da resposta ao quesito 15º (que constitui o facto provado n.º 38) apenas resultou que os autores utilizam o caminho referido em ee) para aceder às duas leiras inferiores e mais baixas do seu prédio, mas não nas condições e com as características indicadas naqueles arts. 11º, 12º, 13º e 14º, nem nas condições das alíneas p) a s) da matéria assente; 12ª - Tratando-se, assim, de factos distintos, nenhuma contradição existe entre os factos descritos em 32, 40 e 41 por um lado (que correspondem às al. p) a s) da matéria assente) e os descritos no art. 38 por outro lado (que se reportam à matéria quesitada nos arts. 11º a...

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