Acórdão nº 1575/05.3TVLSB .L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelFARINHA ALVES
Data da Resolução02 de Maio de 2013
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa José, residente em Lisboa, instaurou contra Clínica., com sede em Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 34.289,17 euros, acrescida de juros de mora desde 21-03-2003 até pagamento, contados à taxa de 7% ao ano até 30-04-2003, e à taxa de 4% desde 01-05-2003.

Para tanto alegou, em síntese: O A. é cirurgião plástico e a R. é uma sociedade comercial que tem por objecto a prestação de consultas e de tratamentos de dermatologia, cosmética, estética e similares.

Entre A. e R. existiu um acordo, nos termos do qual o autor se obrigou a prestar serviços da sua especialidade profissional a favor da R. que, por sua vez, se obrigou a remunerar o A. pelos serviços prestados.

Essa remuneração variava em função do tipo de serviços, e também do regime de assistência na saúde de que beneficiavam os utentes, correspondendo a uma percentagem do montante recebido pela ré pelos serviços prestados.

A R. tinha acordos de prestação de serviços com a P..., A..., M..., H... ... e H... ..., e prestava ainda serviços a outras pessoas, designadas por particulares.

Os valores cobrados por cada serviço e as percentagens que dele cabiam ao A. e à R. eram os discriminados nos art. 8.º a 13.º da petição inicial.

De Janeiro de 2000 a Agosto de 2002, o autor prestou à R. os serviços que discrimina no quadro que integra o art. 16 da p. inicial, a que correspondem as remunerações também discriminadas, que somam o montante peticionado.

Que a R. não pagou.

Por carta de 03-03-2003, acompanhada de mapa discriminativo, juntos como doc. n.º 2, a R. foi interpelada para pagar o montante em dívida até ao dia 21-03-2003.

Requereu, a final, que fosse ordenada a junção aos autos, pela R., de cópias certificadas de livro de marcação de consultas da R. e de folhas de caixa referentes aos meses de Janeiro de 2000 a Agosto de 2002, por forma a poderem ser comprovados os créditos reclamados.

Citada, a R. contestou, concluindo pela improcedência da acção, e deduziu reconvenção, pedindo que o A. fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 9.600 euros, como contrapartida da utilização, pelo A., , no período de Março a Agosto de 2002, das instalações, equipamentos e estrutura funcional da R., utilização de material e tratamentos Houve réplica e tréplica, prosseguindo os autos para julgamento.

No despacho saneador foi ordenada a notificação da R. para, em 10 dias, juntar aos autos cópias certificadas do livro de marcações de consultas da Ré e de folhas de caixa referentes aos meses de Janeiro de 2000 a Agosto de 2002.

Na data designada para o início do julgamento o A., verificando que esses documentos não tinham sido juntos, insistiu pela sua obtenção.

Foi, então, proferido despacho com o seguinte teor: “Tendo em conta que os documentos relativos a fls. 146 não foram juntos até ao presente, pela Ré, e dado o Autor não prescindir dos mesmos, fica a Ré notificada, para proceder à sua junção no prazo de 30 dias, com a cominação do art. 519° do CPC”.

Em 9.7.2007, a R. veio afirmar que não possuía o livro de consultas, pelo que não podia juntá-lo, mais referindo que não tinha obrigação de juntar o livro de marcação de consultas, mais de 5 anos após o A. ter cessado a sua prestação de serviços. Quanto às folhas de caixas, disse a R. que não conseguiu encontrar tais folhas, referentes aos meses de Janeiro de 2000 a Agosto de 2002.

Referiu ainda a existência de folhas de caixa relativas a alguns meses do ano de 2002, noutra acção judicial, cuja autora é patrocinada pelo mesmo mandatário.

E que o próprio autor podia juntar aos autos os documentos com base nos quais elaborou a relação que consta do art. 16.º da p. inicial.

Em 29.11.2007, foi proferido despacho com o seguinte teor: «Analisados os autos verifica-se que a Ré teve conhecimento de que o Autor pedira, logo na petição inicial, que a mesma fosse notificada para juntar aos autos o livro de marcações de consultas e as folhas de caixa desde Janeiro de 2000 a Agosto de 2002, não tendo feito tal junção com a contestação nem sobre tal pedido se pronunciado e que, mais tarde, na sequência do despacho saneador — em que foi notificada para juntar tais documentos — veio requerer a concessão de mais 10 dias por, alegadamente, o funcionário que tratava da questão se encontrar de férias, sendo certo que por lapso tal requerimento não foi objecto de despacho, o que nada impedia a Ré de ter junto os documentos desde então, sendo certo que tal requerimento data de Outubro de 2006 e que desde então já passou mais de um ano... ".

Consequentemente, a alegação de que não é obrigada a manter na sua posse os documentos por mais de sete anos nem sequer colhe até porque relativamente a alguns tal prazo ainda nem decorreu e que, por outro lado, foi notificada para proceder à sua junção em momento anterior ao seu decurso e não o fez nem invocou que os não possuía atempadamente...

Por outro lado, a demandada nem sequer indicou meios de prova do alegado desaparecimento dos documentos em causa (...) sendo assim evidente que a Ré não cumpriu a obrigação à mesma imposta por despacho para o efeito (...) sendo que o teria de ter feito de modo a impedir a cominação da inversão do ónus da prova — art. 530, n.º 2 e 302 e segs. do C.P. Civil uma vez que se trata de um incidente inominado.

Consequentemente, decide-se inverter o ónus da prova, que passa a competir à Ré uma vez que foi a mesma, com a sua conduta omissiva em termos temporais e com a tentativa de justificação pelo próprio decurso do tempo, que dificultou ou impede que o Autor faça prova dos factos pelo mesmo alegados — art. 530, n° 2 do C.P.Civil e 344, n° 2 do C. Civil.

Mais se decide condenar a Ré na multa de 3 UCs, nos termos do arrt. 519°, n° 2 do C. P. Civil.

(...) "Sem prejuízo do anteriormente exposto convida-se o Autor a juntar aos autos, em 10 dias, os elementos documentais com base nos quais tenham sido elaborados os documentos de fls. 17 a 21 dos autos uma vez que certamente deveria ter, à data em que os mesmos foram elaborados, documentos em sua posse que lhe permitissem a sua elaboração e que, face à alegada inexistência dos documentos da Ré, servirão para a prova dos factos em causa nos autos.» Em resposta, o A, veio dizer que a petição inicial fora elaborada com base em anotações manuscritas do A., já destruídas.

Por seu turno, a ré agravou do assim decidido, recurso que foi julgado parcialmente procedente, tendo sido proferido acórdão onde foi alterada a decisão recorrida «…no sentido de dar sem efeito a inversão do ónus da prova, sem prejuízo de tal medida poder vir a ser aplicada oportunamente. No mais confirma-se o decidido, assim se mantendo a condenação da Ré em multa» Alteração que foi justificada, designadamente, nos seguintes termos: «1.2. Ora, a Ré/Agravante bem sabia, já em 2005, quando foi citada para a acção judicial, que o A. tinha manifestado o interesse na junção dos ditos documentos. Ademais, sendo certo que as partes estavam em litígio pelo menos desde 2003 tendo o A., então, interpelado a Ré para lhe pagar os serviços prestados no período de 2000 a 2002, mais se justificava que a Ré guardasse tais documentos que sabia essenciais para a determinação dos honorários devidos ao A., calculados em função da quantidade, tipo de serviço e valores cobrados aos pacientes.

Apesar de notificada para proceder à junção dos ditos documentos, nunca a Ré, em prazo, impugnou a essencialidade da sua junção, nem afirmou que não possuía os ditos documentos e só por insistência do tribunal no sentido de cumprir o ordenado, veio, enfim, afirmar que já não possuía tais documentos, que tinham desaparecido.

Ora, se a parte notificada para apresentar o documento declarar que não o possui, incumbirá ao requerente provar que essa declaração não corresponde à verdade (art. 530°, n° 1 do CCivil). Porém, se aquele admitir que possui o documento, mas que "este desapareceu ou foi destruído, cabe-lhe provar, para evitar a inversão contra si do ónus da prova, que não teve culpa nesse facto (art. 530°, n.°2, sobre essa inversão, art. 344°, n.°2 CC").

O certo é que a Ré/Agravante, que admitiu ter possuído os documentos com o citado teor (nomeadamente porque, em prazo não veio alegar o contrário) não faz qualquer prova da sua não culpa, limitando-se a dizer que não tinha a obrigação de guardar os mencionados documentos.

  1. Se a recusa de cooperação tiver tornado impossível a prova à outra parte, sobre quem recaía o ónus probatório de certo facto, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (exs: art. 313°-1 CC; art. 364° CC), já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos (por exemplo, a não apresentação dum documento na posse da parte pode, se outra prova dos factos em causa não existir ou, existindo, for insuficiente), ocorre a inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.°, n.° 2, do Código Civil.

    Importa também ter presente que o disposto no art. 519°, n° 1, como enunciação de um princípio geral, que é, está também ele sujeito ao princípio da proporcionalidade, também chamado princípio da proibição do excesso, o qual se desdobra, por seu turno, em três subprincípios: "a) princípio da adequação, ou princípio da idoneidade; b) princípio da exigibilidade (também chamado da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias, porque os fins visados na lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos liberdades e garantias; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa "justa medida", impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos.

    Há que ponderar, portanto, a indispensabilidade ou não dos documentos em causa para a...

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