Acórdão nº 01154/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução17 de Abril de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – A Fazenda Publica, veio recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 30 de Abril de 2012, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela B………, S.A., melhor identificada nos autos contra o despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa pedindo a anulação da liquidação das taxas de ocupação da via publica, no valor total de € 336.412,42, referente ao ano de 2006.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «I. O presente recurso vem interposto da douta Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 30 de Abril de 2012, que julgou a Impugnação Judicial procedente por considerar que a partir da entrada em vigor da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a aplicação da taxa municipal de direitos de passagem afasta a taxa de ocupação da via pública, o que conduz à ilegalidade dos actos de liquidação impugnados.

  1. A sentença Recorrida incorre em vício de erro de direito na interpretação e aplicação das normas jurídicas, designadamente da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, violando o disposto nos arts. 238°, n.º 4 e 241°, ambos da Constituição da República Portuguesa, bem como, o n.º 2, do art. 4°, da Lei Geral Tributária e o art. 9º, da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, diploma legal em vigo à data da verificação dos factos tributários subjacentes aos autos.

  2. A sentença Recorrida concluiu pela ilegalidade dos actos de liquidação da taxa de ocupação da via pública, com base na interpretação que faz do art. 106° da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, por considerar que é vedada, à Recorrente, a possibilidade de liquidar à Recorrida taxa distinta da taxa municipal de direitos de passagem, a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, o que representa cúmulo da taxa de ocupação da via pública com a taxa municipal de direitos de passagem, configurando uma duplicação do tributo.

  3. Na verdade, e ao contrário do propugnado na douta Sentença Recorrida, a actuação da Recorrente encontra-se devidamente legitimada e legalmente enquadrada, porquanto, respeita as normas legais e regulamentares vigentes, não padecendo, em consequência, os actos de liquidação de quaisquer vícios.

  4. Considera a Recorrente que a liquidação e cobrança da taxa de ocupação da via pública está devidamente legitimada e enquadrada nos poderes, atribuições e competências dos Municípios, consagrados na Constituição da República Portuguesa e na Lei das Finanças, porquanto respeita as normas vigentes e os princípios subjacentes à criação dos diplomas legais e das taxas a cobrar.

  5. Face ao art. 238° da Constituição da República Portuguesa, as autarquias locais dispõem de património e receitas próprias (n.º 1 do art. 238º e art. 254°, n.º 2), incluindo estas, obrigatoriamente, as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços (n.º 3), podendo dispor de poderes tributários, nos casos e termos previstos na lei (nº 4).

  6. O Município de Lisboa pode cobrar taxas por qualquer licença da sua competência, ou por autorizar a ocupação ou utilização do solo ou subsolo do domínio público municipal e aproveitamento dos bens de utilidade pública, competindo à Assembleia Municipal estabelecer os seus quantitativos, de acordo com o art. 19°, alínea c) da Lei n°42/98, de 6 de Agosto - Lei das Finanças Locais aplicável à data da verificação dos factos tributários relativos aos actos impugnados.

  7. Decorre dos arts. 6° e 35° do Regulamento Geral do Mobiliário Urbano e Ocupação da Via Pública do Município de Lisboa, aprovado pelo Edital n.º 101/91, a sujeição a licenciamento da ocupação da via pública, ficando o titular da respectiva licença sujeito ao pagamento das taxas nos termos da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais em vigor.

  8. A incidência objectiva dos actos tributários impugnados pela Recorrida podem recair sobre a prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, cfr. art. 4°, n.º 2 da Lei Gerar Tributária.

  9. Atendendo ao princípio da especialidade, dispõe o art. 53°, n.º 2, alínea a) e e) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção da Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, que as taxas das autarquias locais são criadas por regulamento aprovado pelo órgão deliberativo respectivo, competindo à Assembleia Municipal estabelecer as taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos sob proposta da Câmara.

  10. Desta forma, no uso das competências atribuídas, no que respeita à taxa de ocupação da via pública impugnada vigora o Regulamento Geral do Mobiliário Urbano e Ocupação da Via Pública, aprovado pelo Edital n°101/91, cujo montante se encontra fixado anualmente na Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais, que para o ano financeiro de 2005, foi aprovada pela Deliberação nº 77/AM/2005 (Deliberação nº 199/CM/2005), publicada no 2.° Suplemento ao Boletim Municipal nº 594, de 7 de Julho de 2005, e, para o ano de 2006, encontra-se publicada no 1° suplemento ao Boletim Municipal n.º 629, de 9 Março de 2006— Edital n.º 12/2006.

  11. A Recorrente no exercício do seu direito, pode, assim, cobrar taxas por licenciar o uso especial ou uso privativo da coisa pública municipal, calculado em função da ocupação concreta.

  12. Existe, na relação entre a Recorrente e Recorrida, uma contraprestação inequívoca, com carácter de bilateralidade, em benefício exclusivo desta última, que retira vantagens económicas, em proveito próprio, da ocupação do domínio público municipal, como consequência da titularidade de licenças de ocupação da via pública concedidas pela Recorrente.

  13. E, ao invés do uso comum do domínio público que obedece à regra da gratuitidade, o uso privativo observa a regra da onerosidade, sendo, pois, legítimo que quem retira especiais proveitos da utilização do domínio público retribua pela obtenção dos mesmos.

  14. A interpretação do Tribunal a quo, redundaria em flagrante desigualdade perante as restantes empresas utilizadoras do domínio público e privado municipal para exercício das respectivas actividades, com base em títulos jurídicos individuais, pelos quais pagam as correspondentes taxas.

  15. A interpretação do art. 106° da Lei n.º 5/2004, perfilhada pelo Tribunal a quo não é consentânea com os normativos constitucionais, coagindo os poderes tributários e regulamentares das autarquias locais, estatuídos nos art.s 238° e 241°, ambos da Constituição da República Portuguesa.

  16. A entrada em vigor da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, que aprovou a Lei das Comunicações Electrónicas, veio transpor para o nosso ordenamento jurídico as Directivas 2002/20/CE (directiva-autorização) e 2002/21/CE (directiva-quadro), e veio permitir aos municípios a cobrança da taxa municipal de direitos de passagem, como contrapartida dos direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, para todos os clientes finais do correspondente município, de acordo com o n.º 2 do art. 106°.

  17. Contudo, tal normativo, além de permitir a cobrança da taxa municipal de direitos de passagem, não veda aos municípios a possibilidade de cobrança de outras taxas municipais de outra natureza que não a taxa municipal de direitos de passagem, nem tal proibição se extrai daquelas directivas comunitárias.

  18. Em matéria de direito comunitário, a douta Sentença recorrida limita-se a referir as directivas comunitárias invocadas pela Recorrida, sem que contudo explicite a razão pela qual se consideram ilegais os actos de liquidação da taxa de ocupação da via pública impugnados, em virtude da transposição para a Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro.

  19. A Directiva 2002/20/CE, de 7 de Março de 2002 (directiva-autorização), prevê no seu art. 13° - “Taxas aplicáveis aos direitos de utilização e direitos de instalação de recursos” - que os “Estados-Membros podem autorizar a autoridade competente a impor taxas sobre os direitos de utilização das radiofrequências, ou números ou direitos de instalação de recursos em propriedade pública ou privada que reflictam a necessidade de garantir a utilização óptima desses recursos. Os Estados-Membros garantirão que tais taxas sejam objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionais relativamente ao fim a que se destinam e terão em conta os objectivos do art. 8° da Directiva 2002/21/CE (directiva-quadro).”.

  20. Por sua vez, a Directiva 2002/21/CE (directiva-quadro), de 7 de Março de 2002, veio estabelecer um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas, definindo os objectivos de política geral e princípio de regulamentação cometidos às autoridades reguladoras de cada Estado-Membro, referindo-se no seu art.11°, aos direitos de passagem, disciplinado os princípios e garantias a que deverão submeter-se.

  21. Do art. 24°, n.º 1, alínea b) da Lei das Comunicações Electrónicas, decorre o direito de as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas utilizarem o domínio público em condições de igualdade para a implantação, a passagem ou o atravessamento necessário à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos, devendo as autoridades com jurisdição sobre o espaço público elaborar e publicitar procedimentos transparentes, céleres e não discriminatórios no que respeita ao exercício do direito de utilização do domínio público.

  22. E no art. 106° da mesma Lei disciplina-se a taxa municipal de direitos de passagem, devendo esta observar as condições de igualdade, transparência e os princípios referidos na directiva-quadro.

  23. Da interpretação conjugada de tais normativos, assim como de qualquer outro normativo da Lei das Comunicações...

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