Acórdão nº 1211/08.6TBAND-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução23 de Abril de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em 28 de Novembro de 2008 foi instaurada, por H… (Requerente e Apelante em ambos os recursos aqui em causa[1]), uma acção visando a regulação do poder paternal[2] relativamente ao seu filho D…, nascido a 14/01/2008 (em França), sendo requerida a mãe deste, S… (Requerida e Apelada no contexto destes dois recursos).

Então, à data da instauração da regulação, vivia o menor com a mãe, em Portugal (Anadia), sendo que na conferência de pais documentada a fls. 26/28 – teve esta lugar em 13/01/2009 –, foi alcançado e homologado o seguinte acordo entre os progenitores: “[…] 1.ª - O menor D… ficará confiado à guarda e cuidados da mãe, que exercerá o poder paternal; 2.ª - O pai poderá visitar o menor sempre que o entender, sem prejuízo das actividades escolares, extra-escolares e períodos de repouso, devendo avisar a mãe na véspera; 3.ª - A criança conviverá com o pai em fins-de-semana alternados, indo o mesmo buscá-la a casa da mãe aos sábados de manhã, pelas 10H00 horas, e indo entregá-la no mesmo local, na segunda-feira, pelas 21H00 horas, iniciando-se o próximo fim-de-semana na companhia da mãe; 4.ª - As segundas-feiras serão passadas na companhia do pai; 5.ª - Os períodos das férias escolares serão passados na razão de metade com cada um dos progenitores, em períodos fraccionados e alternados de uma semana; 6.ª - A véspera de Natal e o dia de Natal serão passados, alternadamente, na companhia de cada um dos progenitores, iniciando-se a próxima véspera de Natal na companhia do pai; 7.ª - O último dia do ano e o dia de Ano Novo serão passados, alternadamente, na companhia de cada um dos progenitores, iniciando-se o próximo dia de fim de ano na companhia do pai; 8.ª - A título de alimentos devidos ao menor, o pai entregará à mãe, mensalmente, a quantia de cem euros (€100,00), até ao dia 8 do mês a que respeitar.

9.ª-A - Este valor será actualizado anualmente de acordo com a taxa de inflação em vigor; 9.ª - As despesas com a mensalidade de infantário e ensino pré-primário serão suportadas pelo pai, que reembolsará a mãe do montante correspondente, mediante a exibição do respectivo recibo; 10.ª - As despesas médicas, medicamentosas, escolares e extra-escolares serão suportadas por ambos os progenitores na razão de metade, devendo um reembolsar o outro do valor correspondente, com a exibição do respectivo recibo.

[…]”.

1.1.

Partindo desta definição – regulação – das responsabilidades parentais alcançada entre os pais do menor D…, no início do ano de 2009, e na base da correspondente matriz adjectiva (o processo-base de regulação das responsabilidades parentais), geraram-se mais tarde dois processamentos derivados (um incidental e o outro correspondendo a um processo autónomo tramitado por apenso), respectivamente em Novembro de 2011[3] e em Fevereiro de 2012. Correspondeu o primeiro destes, que conduziu à autuação do apenso A, a um incidente de incumprimento [artigo 181º da Organização Tutelar de Menores (OTM)] e o segundo, que originou o apenso B, a uma alteração da regulação das responsabilidades parentais (artigo 182º da OTM). Emergiram destas duas tramitações paralelas – incumprimento e alteração – os dois recursos que aqui importa apreciar, estando em causa na primeira situação (A) (a do apenso A/incidente de incumprimento) uma decisão declarando inverificado o incumprimento (a de fls. 23/26 desse apenso) e uma posterior decisão (a de fls. 28/29 desse mesmo apenso), desatendendo uma arguição de nulidades pelo Requerente/Pai.

Na segunda situação (B) (a do apenso B/processo de alteração), está em causa uma decisão declarando a incompetência internacional da jurisdição portuguesa para apreciar essa alteração da regulação – promovida pelo Pai –, com base no artigo 8º, nº 1 do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, também conhecido por Regulamento Bruxelas II bis (corresponde esta segunda apelação à decisão de fls. 188/215 do apenso B).

Procederemos individualizadamente à apreciação de cada um dos recursos, relatando sequencialmente o iter dos dois apensos, propiciando assim a plena compreensão das decisões recorridas. Ambas estas acabam por estar relacionadas – as duas resultaram da mesma circunstância: a deslocação para o estrangeiro do menor por iniciativa do progenitor (Mãe) guardião, em função de uma decisão de emigrar –, verificando-se uma relação condicionante do primeiro recurso (da questão do incumprimento resolvida no apenso A) quanto ao segundo (quanto à questão da competência internacional em causa no apenso B). Com efeito – e é neste sentido que o primeiro recurso pode condicionar o segundo –, uma declaração positiva de ter ocorrido incumprimento da regulação das responsabilidades parentais com a deslocação do menor para o estrangeiro, poderia apresentar relevância quanto à questão da competência do Tribunal português para a alteração da regulação das responsabilidades parentais (que corresponde à matéria tratada no apenso B), no sentido em que a deslocação do menor D… para outro país (sublinhamos aqui que foi para o seu país de origem e do qual dispõe da nacionalidade) pudesse ser considerada ilícita, nos termos da conjugação dos artigos 2º, nºs 9 e 11 e 10º do Regulamento nº 2201/2003. É também neste sentido que se justifica inteiramente a prévia definição da questão do incumprimento da regulação, enquanto questão tratada no âmbito do apenso A. 1.2.

[o apenso A – incidente de incumprimento das responsabilidades parentais].

1.2.1.

Em 16 de Setembro de 2011 – e seguiremos nesta exposição a cronologia factual evidenciada no processo – a Requerida (a Mãe) juntara ao processo de regulação das responsabilidades parentais (o processo matriz) a seguinte carta datada de 14/09/2011: “[…] Exmo. Senhor Dr. Juiz, A abaixo assinada, Requerente no processo acima identificado, a quem cabe o poder paternal em relação ao seu filho D…, vem muito respeitosamente comunicar a V. Exa. que nesta data viajou com o seu filho para França, onde conseguiu arranjar trabalho, indo residir para casa de familiares em …, France.

Tomou esta decisão porque em Portugal está desempregada há vários meses, não vislumbrando arranjar emprego brevemente, estando a passar por inúmeras dificuldades financeiras, e só sobrevivendo com a ajuda dos seus Pais, o que tem implicações negativas, naturalmente, na vida do seu filho.

Porque teve necessidade de viajar com urgência com o seu filho, pois vai começar a trabalhar nos próximos dias, não conseguiu contactar com o pai do menor. Aliás, o mesmo nem sequer contacta ou conversa com a Requerente, recusando-se a falar com a Requerente sobre o filho ou sobre qualquer outro assunto.

Assim, muito respeitosamente requer que o Pai seja notificado para se pronunciar sobre o exposto, sendo certo que a Requerente se compromete a, quando das suas vindas a Portugal, facilitar as visitas ao Pai do menor, muito embora, nos fins-de-semana que lhe couberam, o menor só esteve com os Avós Paternos e não com o Pai, que sempre manifestou desinteresse para com o filho.

Dá, pois, conhecimento destes factos para os efeitos julgados convenientes.

[…]”.

Percebe-se, pelo expediente junto pelo Requerente (Pai) a fls. 5/10, que a Mãe enviou àquele, em 15/09/2011, a carta de fls. 9, na qual lhe comunicava essa mesma deslocação para o estrangeiro, manifestando o Pai ao Tribunal total desacordo com a situação assim criada (também alegou o Pai nesse requerimento de fls. 5/10 desconhecer o paradeiro do filho, embora na mesma data – em 22/09/2011 – tenha junto outro requerimento ao processo onde indicou correctamente a morada em França do menor, sinal evidente de que a sabia, cfr. fls. 4 e 2/3).

1.2.2.

Seguiu-se a apresentação pelo Pai de dois outros requerimentos, respectivamente em 20 e 21/10/2011[4].

No primeiro (20/10/2011) qualifica como incumprimento do acordo de regulação a deslocação do menor com a Mãe para o estrangeiro e relata a sua versão dos factos atinentes a essa deslocação, concluindo com a formulação da seguinte pretensão ao Tribunal (além de ter oferecido para inquirição sete testemunhas): “[…] [R]equer-se: A – Que o Tribunal notifique a requerida para prestar as informações concretas necessárias no tocante ao apuramento da sua situação concreta em França, designadamente quanto à sua alegada relação de emprego, condições económico-financeiras e condições de habitação, tendo em vista a defesa dos interesses superiores do menor; B – Que o Tribunal, ao abrigo do artigo 181º da OTM, promova as medidas coercivas adequadas ao cumprimento do acordo violado, designadamente condenando a requerida em multa e em indemnização a favor do menor e do requerente, a liquidar em execução de sentença pelo prejuízos decorrentes do incumprimento.

[…]”[5].

No segundo requerimento (do subsequente dia 21/10/2011) reitera o Pai não conseguir contactar a Mãe, pedindo a inquirição da mãe da Requerida e de um tio desta residente em França.

Geraram estes requerimentos a autuação, por iniciativa do Tribunal expressa no despacho de fls. 12 (com a referência citius 12906100), do presente apenso de incumprimento (v. nota 4 supra), sendo que a Mãe exerceu, através de requerimento apresentado em 23/11/2011 (de novo, irritantemente, ausente do suporte de papel enviado a esta Relação), o contraditório relativamente às asserções expostas pelo Pai[6] (juntando documentação comprovativa da sua residência e situação laboral em França – aí celebrou contrato de trabalho em 26/09/2011 – e da frequência escolar do menor, cfr., neste último caso, fls. 16)[7].

Relativamente a este requerimento, na parte em que a Mãe pede “autorização formal” para se deslocar para o estrangeiro, consignou o Senhor Juiz do processo o seguinte (o despacho em causa, datado de 21/12/2011, não consta do suporte de papel, correspondendo à referência citius 13407652): “[…] Neste incidente, apenso ‘A’, suscitado pela progenitora com o seu requerimento de 16/09/2011 e...

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