Decisões Sumárias nº 418/08 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução17 de Setembro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 418/2008

Processo n.º 601/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

1 – O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Comarca de Matosinhos recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (“LTC”), da sentença proferida naquela instância, de 18 de Setembro de 2007, na qual se recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação da norma do artigo 23.º, n.º 4, da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, que aprovou o Código das Expropriações.

2 – Considerando, em face do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, que a questão de constitucionalidade é “simples”, passa a decidir-se com base nos seguintes fundamentos.

3 – A presente questão de constitucionalidade foi já apreciada em diversas ocasiões por este Tribunal.

Na sua jurisprudência mais recente (Acórdão n.º 10/08, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), decidiu-se em Plenário, por maioria, “julgar inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da justa indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, incluindo o da igualdade tributária, enquanto expressão específica do princípio geral da igualdade constante do artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, o artigo 23.º, n.º 4, do Código das Expropriações de 1999” .

Nesse aresto, o Tribunal acolheu a seguinte fundamentação:

“A norma aqui em questão encontra-se inserida no diploma (Código das Expropriações) que regula a expropriação de bens imóveis e direitos a eles inerentes, de titularidade privada, por razões de utilidade pública, compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, no título (III) dedicado ao conteúdo da indemnização e no artigo (23.º) onde se explicitam os princípios e regras gerais que presidem à determinação do valor do bem expropriado, para efeito de fixação da indemnização pela expropriação.

No n.º 4, do artº 23.º, do Cód. das Exp., impõe-se a dedução ao valor dos bens expropriados, calculado por aplicação dos critérios referenciais fixados nos artº 26.º e seguintes, do valor correspondente à diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago nos últimos cinco anos, com base na avaliação efectuada para efeitos de determinar o montante da indemnização devida pela expropriação.

O fundamento ou pressuposição desta norma é a desarmonia entre o valor do bem expropriado, considerado para efeito de liquidação anterior de contribuição autárquica, e o valor da avaliação efectuada para efeito de atribuição de indemnização por expropriação por utilidade pública, visando-se corrigir a disfunção revelada pelo apuramento da quantia indemnizatória a pagar pelo acto expropriativo.

Inserir-se-á esta norma, encarada na sua substância, no conjunto concatenado de regras e princípios que formam o instituto jurídico da expropriação por utilidade pública, como parece indiciar a sua localização sistemática, ou será antes uma “norma fiscal espúria enxertada no Código das Expropriações” (ALVES CORREIA, em “A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999”, na R.L.J., Ano 133º, pág. 116), por respeitar à liquidação e cobrança adicional de um imposto?

A resposta a esta pergunta é decisiva para se saber quais os princípios e preceitos constitucionais que devem ser convocados para se aferir da sua constitucionalidade.

Sendo o Direito Fiscal o direito dos impostos, as normas de direito fiscal são aquelas que disciplinam as relações jurídicas a que dá lugar a percepção dos impostos (BRAZ TEIXEIRA, em “Princípios de direito fiscal”, pág. 35, da 3ª ed., da Almedina, e CASALTA NABAIS, em “Direito fiscal”, pág. 9 e 10, da 3ª ed., da Almedina).

A contribuição autárquica foi um imposto de receita municipal criado pelo D.L. n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código da Contribuição Autárquica (C.C.A.). Este imposto veio substituir a antiga contribuição predial e incidia sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português (art.º, 1.º, do C.C.A.).

A sua liquidação e cobrança competia aos Serviços Centrais da Direcção Geral das Contribuições e Impostos (art.º 18.º e seg., do C.C.A.), sendo, contudo, os Municípios onde se situavam os imóveis sobre os quais incidia o imposto, os titulares da respectiva receita (art.º 16.º, a), da Lei 42/98, de 6 de Agosto).

Efectuando-se a operação dedutiva prevista no n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Exp., caberia, nesses casos, à entidade expropriante proceder à liquidação e cobrança adicional da contribuição autárquica, assim como seria ela a beneficiária da respectiva receita, uma vez que não foi legalmente consagrado o dever desta proceder à transferência da quantia deduzida à indemnização pela expropriação para “os cofres” do respectivo Município.

Esta alteração da entidade responsável pela gestão do imposto e da titular da respectiva receita, a qual, neste caso, passou a ser uma sociedade anónima, a quem foi concessionada a construção da auto-estrada a que se destina o imóvel expropriado, apesar de impressionar, não é suficiente para se poder dizer que a norma em causa não tem natureza fiscal.

Se, tradicionalmente, o sujeito responsável pela gestão dos impostos era a administração fiscal, nos tempos mais recentes, essa competência passou a ser dividida entre a administração fiscal e os particulares (os contribuintes ou terceiros), falando-se já numa privatização da administração dos impostos, pelo que não deixa de ter natureza fiscal a liquidação e cobrança adicional da contribuição autárquica efectuada pela entidade expropriante, em processo de expropriação de imóvel, mesmo que essa entidade seja um particular, agindo em nome do Estado.

Mais estranho é o facto da receita desse imposto estar consignada à entidade expropriante, deixando assim de ser uma receita do Município onde se localizava o imóvel expropriado.

Apesar do titular da receita do imposto ser normalmente o Estado, os municípios ou outros entes públicos, hoje em dia já se verificam casos, embora raros, em que a lei determina que os beneficiários dessa receita possam ser pessoas colectivas privadas, tendo em vista um determinado interesse público, como também sucede no presente caso, em que a expropriante é uma concessionária do Estado, agindo em nome deste (v.g. art.º 32.º, n.º 4 e 6, da Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho).

Assim, se a conexão de procedimentos introduzida pelo art.º 23.º, n.º 4, do Cód. das Exp., levanta graves problemas ao nível da liquidação, titularidade e impugnabilidade da pretendida cobrança adicional de imposto, não parece que essas dificuldades e anomalias, sejam só por si suficientes para excluir o disposto no n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Exp., do direito fiscal, considerando a sua clara pressuposição e intencionalidade tributária.

Mas esta norma também pode ser olhada noutra perspectiva.

O resultado da sua aplicação, tal como o dos preceitos previstos nos n.º 2 e 3, do mesmo artigo 23.º, traduz-se numa efectiva diminuição do valor da indemnização a atribuir ao proprietário do imóvel expropriado, pelo que o seu conteúdo interfere efectivamente na conformação do respectivo direito.

No Código das Expropriações de 1999, além de regras definidoras dos critérios a deve obedecer o cálculo da indemnização devida pelo acto expropriativo, existem normas “flanqueadoras” do quantum indemnizatório, que pretensamente visam evitar valorizações especulativas ou injustificadas, em nome de alegados interesses públicos. Foi nestas últimas que o legislador procurou inserir a norma em análise.

Assim, na medida em que o disposto no n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Exp., interfere na operação de fixação do montante da indemnização devida pelo acto expropriativo, também se pode dizer que o mesmo respeita ao direito das expropriações.

O conteúdo da norma em causa tem, pois, uma natureza mista, inserindo-se no direito fiscal, quanto à sua pressuposição, e no direito das expropriações, quanto aos seus efeitos.

Por isso, justifica-se que os princípios constitucionais que...

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