Acórdão nº 01486/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução21 de Março de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

O INFARMED – AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, IP.

(INFARMED) veio interpor recurso de revista, nos termos do art. 150 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 25.10.12, que revogou sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, pela qual, ao abrigo do disposto no art. 124, nº 1, do CPTA, fora julgado procedente o pedido de revogação – fundado na alteração das circunstâncias, decorrente da entrada em vigor da Lei 62/2001, de 12 de Dezembro – da decisão deste mesmo TAF, de 15.9.20110, que decretara a providência cautelar de suspensão de eficácia da autorização para introdução no mercado (AIM), concedida pela entidade ora recorrente às contrainteressadas A………., SRL e B……….., SPA, relativamente aos medicamentos de nome genérico Latanoprost A……….

e Latanoprost B……….

Apresentou alegação, na qual formulou as seguintes conclusões: 1ª.

O Recurso de Revista, nos termos do artigo 150.º do CPTA, deve ser admitido quando, cumulativamente, i) esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância, jurídico ou social, se revista de importância fundamental, e, ii) quando a admissão de recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  1. No caso concreto, a questão relativamente à qual se pretende a douta intervenção deste Venerando STA, consiste em saber se: a entrada em vigor da Lei 62/2011 é ou não suficiente para, nos termos do artigo 124.º do CPTA, alterar a avaliação inicialmente dos requisitos necessários para o decretamento de uma providência cautelar, previstos no artigo 120.º/1 e 2 do CPTA? 3ª.

    Ou seja, o que se pretende é saber se a entrada em vigor da Lei 62/2011, alterações é suscetível de provocar uma mudança relevante na convicção do Tribunal quanto à verificação dos requisitos previstos no artigo 120.º/1 e 2 do CPTA.

  2. Ora, esta questão é de uma evidente relevância social, o que se constata pelo facto de haver mais de 400 ações administrativas especiais bem como providências ativas relativas a esta questão, assim como, pelo facto de esta questão ter capacidade para colocar em causa o desenvolvimento do mercado de genéricos, que tem inquestionavelmente devolvido resultados muito positivos traduzidos em benefícios, quer para o cidadão quer para o Estado.

  3. Por outro lado, para além de esta questão revelar uma enorme complexidade jurídica, revela-se também necessária uma melhor aplicação das normas processuais, nomeadamente quanto ao alcance da entrada em vigor da Lei 62/2011, por referência aos requisitos previstos no artigo 120.º/1 e 2 do CPTA, e ao regime de revogação, alteração e substituição das providências cautelares previsto no artigo 124.º do CPTA.

  4. Por outro lado ainda, não se diga que o presente recurso de revista seria inadmissível por se tratar de uma providência cautelar, na medida em que, tendo este recurso por objeto os efeitos da entrada em vigor da Lei 62/2011 na avaliação dos requisitos previstos no artigo 120.º/1 e 2 do CPTA, é evidente que a questão que se pretende ver solucionada não se coloca noutra sede que não em sede de processos cautelares.

  5. Nestes termos, e tendo presente que este Venerando Tribunal ainda não se pronunciou sobre esta matéria, afigura-se-nos totalmente conveniente a admissão do presente recurso de revista.

  6. Nos termos do artigo 120.º/1/b) do CPTA, para além do requisito do periculum in mora, que se consubstancia no receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da existência de prejuízos de difícil reparação, para que uma providência cautelar conservatória seja decretada é preciso que se verifique o requisito do fumus boni iuris, na sua vertente do fumus non malus iuris.

  7. Sendo que, o que se encontra em causa nos autos é definir se o INFARMED está obrigado a verificar quaisquer direitos de propriedade industrial aquando da atribuição de AIM e se este é um ato suscetível de lesar a esfera jurídica da Requerente.

  8. Com a entrada em vigor da Lei 62/2011, torna-se evidente a manifesta improcedência da pretensão de fundo da Requerente, motivo pelo qual, nos termos do artigo 124.º/1 do CPTA, deveria ser revogada a providência cautelar que deferiu o pedido de suspensão de AIM de medicamentos genéricos com a substância ativa Latanoprost.

  9. Acresce que, nos termos do artigo 9.º/1 da Lei 62/0011, foi conferida à nova redação dada aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Estatuto do Medicamento, natureza interpretativa.

  10. Ao atribuir natureza interpretativa aos supra mencionados artigos do Estatuto do Medicamento, o legislador esclareceu, de forma inequívoca, que não só o procedimento de autorização de introdução no mercado de medicamentos apenas visa apreciar a qualidade, segurança e eficácia do medicamento, como também que nunca pretendeu conferir ao INFARMED competências em matéria de propriedade industrial, até porque tal se mostraria incompatível com as atribuições deste Instituto.

  11. Resulta expresso que, na apreciação dos pedidos de AIM, o INFARMED não tem competência para indeferir pedidos de concessão de AIMs com fundamento em direitos de propriedade industrial, e por consequência, também não tem competência para apreciar a eventual existência daqueles direitos 14ª.

    Os direitos de propriedade industrial não configurarem um direito fundamental, e muito menos um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, para efeitos do artigo 133.º do CPA.

  12. Ainda que se entenda que os direitos de propriedade industrial gozam da aplicação do artigo 62º da CRP, a verdade é que, sempre seria ilegítimo por esta via impedir atos de futura comercialização, porque o conteúdo da patente consiste no exclusivo temporário de comercialização e não inclui nenhum poder de vedar procedimentos preparatórios de futura entrada no mercado.

  13. No âmbito do procedimento de concessão de AIMs, o direito à patente nunca pode ser considerado como um direito absoluto, uma vez que há outros direitos e interesses a acautelar naquele procedimento administrativo, como é o caso de garantir a qualidade, a segurança e a eficácia dos medicamentos.

  14. Desta forma, os artigos 25.º/2 e 179.º do Estatuto do Medicamento, na redação dada pela Lei 62/2011 não são inconstitucionais, antes pelo contrário, já que não impedem o exclusivo de comercialização que consubstancia o conteúdo da patente do medicamento de referência, e revelam-se um meio idóneo para prevenir situações de impedimento de comercialização de medicamentos genéricos em cenários de caducidade da patente do medicamento de referência.

  15. Por outro lado, também a retroatividade da Lei 62/2011 conferida pela referida norma interpretativa, não é inconstitucional na medida em que: i) não é violadora da tutela da confiança; ii) não lesa qualquer faculdade do titular de direitos de propriedade industrial; iii) amplia o direito fundamental à proteção da saúde; e iv) satisfaz interesses públicos objeto de expressa proteção constitucional.

  16. Para o decretamento de uma providência não é suficiente que os tribunais avaliem apenas a verificação, ou não, dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, é necessário também que os tribunais verifiquem...

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