Acórdão nº 451/08 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução24 de Setembro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 451/2008

Processo n.º 403/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I- Relatório

  1. A., escrivão de direito, impugnou contenciosamente, perante o Supremo Tribunal de Justiça, a deliberação do Conselho Superior da Magistratura (CSM) que manteve a pena disciplinar de 180 dias de suspensão, seguida de transferência, que lhe fora aplicada pelo Conselho de Oficiais de Justiça (COJ).

    Por acórdão de 21 de Fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso contencioso, com fundamento em que não fora interposto dentro do prazo de 30 dias estabelecido pelo artigo 169.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), (aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, alterada ao abrigo da autorização concedida pela Lei n.º 80/88, de 7 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 342/88, de 28 de Setembro, e pelas Leis n.ºs 2/90, de 20 de Janeiro, 10/94, de 5 de Maio, 44/96, de 3 de Setembro, 81/98, de 3 de Dezembro, 143/99, de 31 de Agosto, 3-B/2000, de 4 de Abril, e 42/2005, de 29 de Agosto).

    O recorrente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com vista à apreciação da inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, do n.º 1 do artigo 169.º do EMJ, na interpretação de que o prazo para a interposição de recurso contencioso de decisões do Conselho Superior da Magistratura é de 30 dias, sendo que o funcionário judicial que interponha recurso de decisão semelhante do Conselho Superior do Ministério Público dispõe do prazo de 3 meses para o efeito.

  2. Nas respectivas alegações, o recorrente sustenta as seguintes conclusões [destaques a “negrito” eliminados]:

    “1. A alteração produzida no artº 118º do EFJ (Estatuto dos Funcionários Judiciais - DL 343/99, de 26/8) pelo DL. nº 96/2002, de 12/4, declarou o Conselho Superior da Magistratura (CSM) como Órgão competente para efeito de impugnação hierárquica das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ).

  3. O COJ (Conselho dos Oficiais de Justiça) é o Órgão disciplinar dos Oficiais de Justiça, previsto no Estatuto dos Funcionários Judiciais (EFJ) - DL 343/99, de 26/8, alterado pelo DL 96/2002, de 12/4.e pelo DL nº 45/2005, de 20/8.

  4. O CSM (Conselho Superior da Magistratura) é o Órgão disciplinar dos Magistrados Judiciais, sendo o seu regime de funcionamento o previsto entre os artigos 136º e 178º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, instituído pela Lei nº 21/85, de 30/7, alterado pelo DL 143/99, de 31/8, que funciona como instância de recurso hierárquico para os Oficiais de Justiça, que prestam serviço nas Secretarias Judiciais.

  5. O CSMP (Conselho Superior do Ministério Público) é o Órgão disciplinar dos Magistrados do Ministério Público, que, por sua vez, actua como instância de recurso hierárquico para os Oficiais de Justiça que prestam serviço nas Secretarias do Ministério Público.

  6. Por força da disposição da alínea a) do nº 2 do artº 169º do EMJ, o prazo para impugnação contenciosa das deliberações do CSM é de 30 dias (ou 45 dias, na hipótese da alínea c) do mesmo artigo).

  7. Por força da disposição do artº 33º do Estatuto do Ministério Público, o prazo para a impugnação contenciosa das deliberações do CSMP é de 90 dias (3 meses, na terminologia legal), quando se trata de particulares, e 1 (um) ano), quando é o Ministério Público a impugnar.

  8. É o que consta do referido, quando prescreve: “Das deliberações do Conselho Superior do Ministério Público cabe recurso contencioso, a interpor nos termos e segundo o regime dos recursos dos actos do Governo” , ou seja, nos termos gerais, previstos, actualmente, pelo artº 58º, nº 2, a), do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais).

  9. Entre o prazo de recurso contencioso das deliberações do CSM e das deliberações do CSMP há uma diferença para menos de 60 (Sessenta) dias.

  10. Na prática, significa:

    1. Um Oficial de Justiça, colocado numa Secretaria Judicial, dispõe, apenas, de 30 dias, para a impugnação contenciosa das deliberações que o afectem, em matéria disciplinar, pelo simples facto de lhe ter sido retirada, nessa área, a possibilidade de recurso hierárquico, via tutela ministerial (Ministro da Justiça), pelo DL nº 96/2002, de 12/4, tendo essa competência sido confiada ao CSM.

    2. Por sua vez, um Oficial de Justiça, colocado numa Secretaria do Ministério Público, dispõe do prazo de 90 dias (3 meses), para a impugnação contenciosa das deliberações do competente Órgão disciplinar, hierarquicamente superior.

  11. Pertencendo, embora, a carreiras profissionais diferenciadas, em razão da matéria (judicial e Ministério Público), mantêm uma estreita identidade comum, a saber:

    1. Estatutariamente, ambos são Oficiais de Justiça (ou Funcionários Judiciais), sujeitos à disciplina do Estatuto dos Funcionários Judiciais, instituído pelo DL 343/99, de 26/8, alterado pelo DL 96/2002, de 12/4, e, recentemente, pelo DL 45/2005, de 20/8.

    2. Do ponto de vista disciplinar, estão sujeitos ao poder disciplinar (l instância) do COJ (Conselho dos Oficiais de Justiça).

    3. Do ponto de vista da tutela administrativa, estão integrados na Direcção-Geral da Administração da Justiça.

    4. No que concerne à tutela política, ambos obedecem ao Ministério da Justiça

  12. A única discriminação resulta do facto de, ex vi do DL 96/2002, de 12/4, ter passado a ser o CSM, em matéria de recurso hierárquico, o órgão competente para a impugnação das deliberações do COJ, em vez de, como anteriormente, o Ministro da tutela.

  13. Sendo um Órgão do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o CSM funciona subordinado ao regime nele previsto.

  14. Das suas deliberações, recorre-se, contenciosamente, para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo o prazo estabelecido pelo artº 169º, nº 2, alínea a) do EMJ, ou seja, 30 dias.

  15. Na lógica do sistema, assim instituído, é a esse prazo que ficaria sujeito o Oficial de Justiça, colocado numa Secretaria Judicial, ao passo que outro Oficial de Justiça, a prestar serviço numa secretaria do M°P°, teria direito a um prazo de 90 dias, susceptível de prorrogação, nos termos do nº4 do artº 58º do CPTA.

  16. Um prazo, imposto por lei ou por despacho de autoridade, é uma garantia e um direito (instrumental, embora), visto servir para accionar ou defender outro direito, este substantivo.

  17. É variável, consoante a maior ou menor necessidade de precaver a defesa eficaz do direito, em função da complexidade ou sensibilidade jurídica do caso.

  18. Um prazo curto não permite uma adequada organização e apresentação da defesa.

  19. Um prazo longo garante melhor esse objectivo.

  20. O prazo médio, estabelecido pela lei, para efeito de impugnação contenciosa dos actos da Administração, é o prazo geral do artº 58º, n.º 2º, al. a), do CPTA, ou seja, três meses (90 dias).

  21. Ao estabelecer para a impugnação das deliberações do CSM, um prazo mais curto, inferior, em 60 dias, ao prazo médio legal, o artº 169º do EMJ prejudica as garantias de defesa do Oficial de Justiça, sujeito à disciplina hierárquica do CSM.

  22. Não só a discriminação negativa é manifesta, em relação aos Oficiais de Justiça, colocados nas Secretarias do M°P°, mas a toda a restante Função Pública, e, ainda, comparativamente, a qualquer estrangeiro, residente no País, ou em trânsito.

  23. Tal discriminação viola a norma e o princípio da igualdade, nos termos em que é formulado pelo art° 13° da Constituição da República Portuguesa:

    “1.Todos os cidadãos ... são iguais perante a lei.”

    “2.Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito.. . em razão da. . . situação económica ou condição social.”

  24. O Oficial de Justiça que, por causa da sua colocação à sujeição hierárquica do Conselho Superior da Magistratura, é prejudicado nos seus direitos de cidadania, relativamente aos Oficiais de Justiça que não estejam sujeitos à mesma obediência hierárquica, em matéria disciplinar.

  25. Por instituir um prazo de recurso contencioso, inferior em 60 dias, ao prazo geral (90 dias), actualmente prescrito no artº 58º, nº 2, al. a) do CPTA, a norma do artº 169º do EMJ viola o princípio da igualdade, consagrado pelo artº 13º da CRP, por manter em vigor o prazo de 30 dias para a impugnação contenciosa das deliberações do CSM, sendo, por isso, inconstitucional.

  26. Por inconstitucional, tal norma é inadequada para fixar o regime de impugnação contenciosa das deliberações do CSM.

  27. De qualquer modo, em virtude de o recorrente não deter a qualidade de Magistrado Judicial, não subsiste, na sua esfera jurídica, a “ratio legis” que determinou a prescrição do prazo do artº 169º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

  28. O prazo aplicável ao recorrente é o que a lei reconhece, no artº 58º, nº 2, al. a), do CPTA, a qualquer cidadão ou estrangeiro (residente, ou em trânsito, no País): 3 (três) meses ou 90 (noventa) dias.

  29. Contado, nos termos do artº 144° do CPC (o EMJ não contém outro critério além do geral), tal prazo terminaria em 15.12.2005.

  30. Tendo entregue, pessoalmente, o recurso, no dia 07.12.2005, no STJ, deve o mesmo ser considerado tempestivamente apresentado e, assim...

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