Acórdão nº 685/10.0 TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Março de 2013
Magistrado Responsável | ABRANTES GERALDES |
Data da Resolução | 21 de Março de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – R., Ldª, instaurou a presente acção declarativa contra BANCO B., SA, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 105.875,00, com juros à taxa legal até integral pagamento e com a sobretaxa de 5% a partir do trânsito em julgado da sentença.
Alega que a sociedade H. Ldª, emitiu, assinou e entregou-lhe 3 cheques sacados sobre o R. para pagamento de uma dívida, cheques que a A. apresentou a pagamento nos 8 dias seguintes à data da respectiva emissão, tendo o R. recusado o seu pagamento e impedindo, de forma ilícita, a cobrança dos mesmos.
Foi proferido saneador-sentença a julgar a acção totalmente procedente, condenando o R. a pagar à A. a quantia de € 105.875,00, com juros vincendos à taxa legal até pagamento e ainda da sobretaxa de 5% a partir do trânsito em julgado da sentença até efectivo e integral pagamento.
O R. apelou, mas a Relação confirmou a sentença.
O R. interpôs recurso de revista que foi admitida como excepcional, nos termos do art. 721º-A do CPC, extraindo-se das extensas e prolixas alegações as seguintes conclusões: a) A A. não provou a existência do dano, apenas alegando a esse respeito o que consta dos arts. 25º, 32º e 33º da petição, sem qualquer produção de prova e sem a adequada fundamentação, tendo considerado que o montante do dano é igual ao valor dos cheques; b) Existe contradição jurisprudencial relativamente à questão da prova do dano em casos em que a devolução do cheque se funda injustificadamente na revogação do cheque e não na falta de provisão; c) Tendo sido alegado pela recorrente e tendo sido reconhecido que a conta sacada não se encontrava provisionada para pagamento dos cheques, competia à A. a prova do dano; d) Não tendo sido demonstrado o dano nem se presumindo o mesmo, deve ser revogado o acórdão recorrido, sendo a R. absolvida do pedido.
Houve contra-alegações.
Ao abrigo do art. 721º-A do CPC, apesar da dupla conforme, o recurso de revista foi admitido a título excepcional.
Cumpre decidir.
II – Factos provados 1. A A. é uma sociedade por quotas e exerce a sua actividade social no ramo da realização e produção de festivais e concertos musicais, agenciamento artístico e promoção de espectáculos.
-
A A. e a sociedade H., Ldª, outorgaram um contrato de prestação de serviços (doc. 2 junto com a p.i.) 3. A A., pelo contrato de prestação de serviços, obrigou-se a contratar artistas para actuarem no Festival do Alviela, que se realizou nos dias 24, 25 e 26-8-07, no lugar de Vaqueiros, concelho de Santarém.
-
A A. contratou os artistas Pedro Abrunhosa, Da Weasel, Xutos e Pontapés, Mundo Secreto e 4 Taste para actuarem no referido Festival e nas mencionadas datas.
-
A A. tinha de receber da sociedade H., Ldª, a quantia de € 125.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor no montante de € 26.250,00, o que perfaz a quantia de € 151.250,00.
-
A sociedade H., Ldª, efectuou o pagamento à A. da quantia de € 45.375,00 para cumprimento do disposto na cláus. 3.1. a do contrato de prestação de serviços (doc. 2).
-
Para cumprimento do disposto na cláus. 3.1.b. do Contrato de Prestação de Serviços (doc. 2), a sociedade H., Ldª, propôs pagar à A. a quantia remanescente de € 105.875,00 ainda em dívida, em 3 tranches, nos dias 31-8-07, 3-9-07 e 6-9-07, pelo que emitiu, assinou e entregou à A., no dia 24-8-07, 3 cheques sacados sobre a conta n.º 38343410001 do Banco R. nos montantes respectivos de € 35.290,86, € 29.166,00 e € 42.030,58.
-
O gerente da sociedade H., Ldª, emitiu os cheques para garantir e usufruir dos serviços prestados pela A., mas durante o período que mediou a entrega dos cheques e o prazo de 8 dias desde a data aposta como de emissão, veio revogá-los com o fundamento em falta ou vício na formação da vontade.
-
Tais cheques podiam ser apresentados a pagamento nas datas apostas, ou seja, nos dias 31-8-07, 3-9-07 e 6-9-07, conf. docs. 3, 4 e 5 juntos com a petição inicial.
-
A A. apresentou a pagamento os cheques nºs 3938791968, 483874197 e 5738791966 do Banco B., nos valores respectivos de € 35.290,86, € 29.166,00 e € 42.030,58, no Banco C, agência da Parede, no prazo de 8 dias desde a data aposta como de emissão, tendo sido recusado o pagamento com o fundamento em “falta ou vício na formação da vontade”, conforme consta do carimbo aposto no verso dos cheques (docs. 3, 4 e 5, juntos com a p. i.).
-
Os aludidos cheques foram apresentados a pagamento pelo C. no Serviço de Compensação do Banco de Portugal, e neles figura como sacadora a sociedade H., Ldª.
-
O Banco sacado, ora R., no decurso do prazo de apresentação a pagamento dos cheques, ou seja, nos 8 dias seguintes à data aposta como de emissão, recusou o pagamento dos mesmos com fundamento na revogação, procedendo à sua devolução, respectivamente, em 3-9-07, 4-9-07 e 10-9-07, por motivo de “falta ou vício na formação da vontade”, como expressamente consta do seu verso.
-
Essa devolução obedeceu a instruções expressas dadas ao R. pela sacadora e consolidadas na fórmula consagrada e sintetizadora de “falta ou vício na formação da vontade”.
-
A A. não recebeu os montantes constantes dos aludidos 3 cheques.
III – Decidindo: 1.
Resolvida, pelo Ac. de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 4/08, a questão da natureza jurídica da responsabilidade do banco sacado, perante o tomador, em casos de revogação e de devolução ilegítima de cheque que este lhe tenha apresentado para desconto, a única questão que o presente recurso suscita gira em torno da verificação do dano e do nexo de causalidade, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.
Trata-se de apreciar se para o reconhecimento do direito de indemnização reclamado pelo tomador do cheque devolvido basta a prova da existência da revogação ilegítima, fazendo corresponder o dano patrimonial ao montante inscrito no cheque devolvido sem indicação de falta de provisão, ou se, além disso, é necessário que se prove que foi a devolução do cheque, com aquele específico fundamento, que motivou a insatisfação do direito de crédito que o mesmo titulava.
-
No...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO