Acórdão nº 08B1711 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução23 de Setembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA e BB vieram intentar acção, com processo ordinário, contra CC, pedindo: a) que seja declarada nula a procuração irrevogável; b) que seja declarada nula a venda outorgada através da escritura junta e consequentemente ordenado o cancelamento dos registos a favor do R., na Conservatória do Registo Predial de Sintra; c) a condenação do R. no pagamento da quantia de 2.000.000$00, referente a danos morais causados aos AA; d) subsidiariamente, a condenação do R. no pagamento de 50.000.000$00, correspondente ao valor real do imóvel com que se locupletou ou à devolução do mesmo.

Alegando, para tanto, e em suma: Após terem contraído empréstimo junto do F...., no valor de 20.000.000$00, em Abril de 1996, garantido com o imóvel que melhor descrevem na sua p. i., e na sequência de graves problemas financeiros surgidos no início de 1997, a sugestão de um funcionário daquela instituição de crédito, contraíram um empréstimo junto do réu, no montante de 3.000.000$00, à taxa de juro de 10% ao mês.

Quantia que receberam.

Como garantia de tal empréstimo haveriam os autores de celebrar com o dito réu um contrato-promessa de venda do aludido imóvel, tendo o réu ainda lhes exigido que outorgassem procuração irrevogável a seu favor, com poderes para outorgar escritura de compra e venda.

O que os autores, face à sua necessidade de dinheiro, fizeram.

Com o único objectivo de garantirem o empréstimo de 3.000.000$00.

Tendo feito na outorga da procuração declarações não sérias, não tendo qualquer vontade de darem poderes ao réu para outorgar escritura de compra e venda, mas apenas de garantir o dito empréstimo.

Pelo que tal procuração irrevogável é nula.

Tendo os autores pago ao réu a quantia mutuada e juros devidos, passou o mesmo a sustentar que tal pagamento, no montante de 4.545.000$00, respeitava apenas a juros vencidos, e a ameaçar de morte os autores caso não lhe pagassem o capital e juros, recusando-se a devolver a procuração antes emitida.

Em 4/3/99 foi outorgada escritura de compra e venda do imóvel, celebrada pelo réu consigo mesma, declarando terem os autores, seus representados, lhe vendido o dito imóvel, pelo preço de 11.875.968$00, já recebido.

Quantia que o réu nunca lhes pagou, sendo o valor real do prédio de 50.000.000$00.

A vontade real do réu declarante na escritura de compra e venda não foi a de comprar o prédio, mas sim a de enganar os autores, espoliando-os do imóvel apenas dado como garantia.

Sendo, pois, um negócio simulado e, consequentemente, nulo.

Havendo, de qualquer modo, um enriquecimento sem causa por banda do réu no valor real do prédio, ou seja, de 50.000.000$00.

Sendo abusivo o comportamento do réu, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, ao exercer ilegitimamente o direito que lhe foi concedido.

A situação descrita - e melhor discriminada na p.i. - tem causado aos autores angústia e sofrimento, tendo vindo, em consequência da mesma, a agravar-se o estado de saúde da autora.

Citado o réu, veio o mesmo contestar, alegando, também em suma: Os contratos realizados representam negócios realmente queridos pelas partes que neles intervieram, não sendo simulados, tendo pago aos autores a quantia acordada de 3.600.000$00, sendo certo que o prédio pelos autores prometido vender se encontrava onerado com hipoteca que ascendia, à data, incluindo capital e juros, a 16.500.000$00.

Limitou-se sempre a exercer os direitos que o contrato-promessa e a aludida procuração lhe conferiam dentro dos limites da boa fé.

Após réplica não admitida, foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 290 a 304 consta.

Foi proferida sentença, a qual, na parcial procedência da acção: a) declarou nula a procuração outorgada a favor do réu e a compra e venda efectuada pela escritura de 4/3/1999, mais se ordenando o cancelamento dos registos constantes da inscrição ...-..., ap. ....; b) condenou o réu a pagar aos autores indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 1.000; c) absolveu o réu do demais pedido.

Inconformado, veio o mesmo réu interpor, sem êxito, recurso de apelação.

De novo irresignado, veio pedir a presente revista, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - Os documentos juntos ao processo, nomeadamente os de fls 1 a 22, 26 a 29 e os de fls 23 a 25, não contêm qualquer princípio de prova no sentido da existência de qualquer vício de vontade por parte dos respectivos outorgantes, ou da existência de qualquer divergência entre a vontade e as declarações feitas.

  1. - A procuração de fls 19 a 21 tem como destinatário, não o Recorrente, mas terceiros, nomeadamente o Notário que outorgará a escritura.

  2. - Os documentos de fls17 a 18, contém a declaração por parte dos Recorridos de terem recebido a quantia de Esc.: 3.600.000$00 (três milhões e seiscentos mil escudos).

  3. - Os Recorridos não arguiram o documento de fls17 e 18 de falso.

  4. - Aquele documento faz prova plena do respectivo conteúdo.

  5. - Não existindo princípio de prova documental, não é lícito socorrer-se o Tribunal de prova testemunhal para provar factos ao arrepio do declarado nos documentos.

  6. - Assim, não é lícito o Tribunal julgar provados factos que integram um qualquer vício de vontade, nomeadamente, a Reserva Mental ou Simulação.

  7. - A lei exige, para formalizar quer a procuração, quer o contrato promessa de compra e venda, a forma escrita com a assinatura presencialmente reconhecida e documento autêntico, respectivamente.

  8. - Assim, para prova do mesmo ou de cláusulas ou factos diferentes, a prova só pode ser feita por outro documento de força probatória superior (artigo 364° do C. Civil).

  9. - Os documentos de fls 17 a 21 têm força probatória plena (artigo 375° do C. Civil).

  10. - Contra o conteúdo daqueles documentos não é admitida prova testemunhal (artigo 394° do C. Civil).

  11. - A admissão de prova testemunhal põe em risco a certeza dos contratos, não podendo ser admitida de ânimo leve.

  12. - Os Recorridos, ao invocarem a Reserva Mental, estão a agir em Abuso de Direito.

  13. - Já que aquela pretensa reserva não era do conhecimento do Recorrente nem de terceiros.

  14. - E se aproveitaram da quantia recebida do Recorrente - 3.600.000$00.

  15. - Em processo penal, no qual o Recorrente foi Arguido e os Recorridos Assistentes, foi julgada não provada a matéria que nos presentes autos foi julgada provada.

  16. - O Acórdão Recorrido fez errada aplicação dos artigos 364°, 375° e 394° e não aplicou, como deveria, o artigo 334°, todos do Código Civil.

Protestou ainda juntar certidão da sentença proferida em 8/2/2008, a que alude na conclusão 16ª.

O que veio a fazer já neste STJ.

Os recorridos vieram, contra-alegar, pugnando pela...

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