Acórdão nº 042/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelFERNANDA MAÇÃS
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I-RELATÓRIO 1.

A….., identificado nos autos, reclamou do despacho do Órgão de Execução Fiscal, de 3 de Julho de 2012, proferido na sequência de um pedido de suspensão da venda de imóvel por leilão electrónico, no Tribunal Tributário de Lisboa, que decidiu absolver da instância a Fazenda Pública.

  1. Não se conformando, o então reclamante veio interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões das suas alegações: “1. O presente recurso tem por objecto a decisão proferida, pela 1.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Tributário de Lisboa, que decidiu julgar improcedente a Reclamação Judicial apresentada, pelo Recorrente, solicitando a anulação do despacho emitido, pelo Serviço de Finanças de Torres Vedras, no âmbito do procedimento de venda do prédio urbano propriedade do Recorrente, sito na ……., ……., Lote ……. inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ……., concelho de Torres Vedras, sob o artigo 9449, descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva, na ficha 6966/20070215.

  2. O Recorrente possui uma divida, perante a Autoridade Tributária, respeitante a IRS, referente aos anos de 2008 e 2009, no montante de €101.612,02, a qual se lhe encontra a ser exigida em processo de execução fiscal.

  3. O Recorrente apresentou pedido para pagamento a prestações da mencionada divida, no âmbito do mencionado processo de execução fiscal, tendo apresentado, como garantia real, um imóvel sua propriedade devidamente identificado nos autos - cfr. ponto 7 a fls. 322 da douta sentença recorrida.

  4. Foi deferido, ao Recorrente, o pedido para pagamento prestacional da dívida, o qual o Recorrente não conseguiu cumprir.

  5. A Autoridade Tributária decidiu avançar, no âmbito do referido processo de execução fiscal, para a venda do imóvel identificado no ponto 1 das presentes conclusões, face ao incumprimento do plano prestacional, por parte do Recorrente.

  6. O imóvel em apreço já se encontrava onerado com três hipotecas legais, constituídas por instituições financeiras, aquando do registo da hipoteca constituída pela Autoridade Tributária.

  7. As hipotecas legais constituídas, pelas instituições financeiras, perfazem um valor total de € 1.066.523,27.

  8. A hipoteca constituída, pela Autoridade Tributária, foi a última a ser registada.

  9. O valor base de venda do imóvel em apreço, no âmbito do procedimento iniciado pela Autoridade Tributária, ascende a € 82.803,00.

  10. Já após iniciado o procedimento de venda do mesmo, o Recorrente apresentou pedido para suspensão do procedimento de venda do imóvel.

  11. Em resposta, a Autoridade Tributária emite um despacho, no qual não se pronuncia sobre o pedido do Recorrente, limitando-se a citar a legislação aplicável.

  12. Na senda de Diogo Freitas do Amaral, no seu Curso de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 4ª reimpressão, 2004, entende-se por acto administrativo negativo aquele que consiste na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica, nomeadamente o silêncio voluntário perante um pedido apresentado à Administração por um particular.

  13. À luz da definição mencionada no ponto anterior, conclui-se que o despacho em apreço constitui um acto administrativo negativo, por omissão de pronúncia da Autoridade Tributária, ao pedido efectuado pelo Recorrente.

  14. Em resultado, o Recorrente presumiu o indeferimento do pedido mencionado no ponto 10 das presentes conclusões.

  15. Por se tratar de um acto administrativo decisório, o mesmo é passível de sindicância judicial.

  16. Não concordando com o indeferimento do seu pedido, o Recorrente apresentou Reclamação Judicial.

  17. Para o efeito, alegou que a Autoridade Tributária carecia de interesse em agir dado que a venda do imóvel não lhe permitiria recuperar o montante em divida, em face da preferência das hipotecas previamente constituídas.

  18. De facto, conforme acima alegado, o valor das hipotecas preferenciais, face à da Autoridade Tributária, representam 1287% do valor base pelo qual o imóvel irá ser vendido.

  19. O valor € 1.066.523,27 respeita somente às hipotecas constituídas pelas instituições financeiras e não considera a divida perante a Autoridade Tributária, a qual só seria liquidada após a satisfação das restantes hipotecas preferenciais.

  20. Em face do exposto no ponto anterior, não se pode considerar plausível que a venda do imóvel, pelo valor base de € 82.803,00, gerasse uma receita superior a €1.066.523,27 - valor necessário para liquidar totalmente a dívida perante as instituições financeiras - para satisfação da divida do Recorrente, para com a Autoridade Tributária.

  21. O conceito doutrinário de interesse em agir consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção tendo em vista a satisfação de uma necessidade actual que, só através da via utilizada, é possível dirimir e dai retirar uma certa utilidade.

  22. Os Senhores Professores ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA falam, inclusivamente, numa “necessidade justificada, razoável, fundada” de lançar mão do processo e/ou fazer prosseguir a acção.

  23. Na presente situação, verifica-se que não existe qualquer necessidade que cumpra tal definição. Não se justifica o uso do processo de venda do imóvel, nem o seu uso se apresenta como razoável ou fundado considerando os argumentos expostos nas conclusões 8 a 12 acima.

  24. Assim, inexiste interesse em agir no processo de venda de um imóvel em que o Executante de tal venda — a Autoridade Tributária — possui apenas a quarta hipoteca sobre o imóvel, existindo três hipotecas preferenciais que consumirão qualquer receita obtida com a venda do referido imóvel.

  25. Pelo que o presente recurso deve ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a decisão recorrida, sendo declarado anulado o despacho recorrido, bem como o procedimento de venda do imóvel no âmbito do qual foi emitido.

    Nestes termos e nos mais de Direito, deverão V. Exas. julgar procedente o presente recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, declarando anulado o despacho recorrido, bem como o procedimento de venda do imóvel no âmbito do qual foi emitido.

  26. Não houve contra-alegações.

  27. Admitido o recurso para este STA, o Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido do provimento do recurso, conforme o seguinte parecer: “(…) A nosso ver o recurso merece provimento.

    A questão controvertida consiste em saber se a acto sindicado praticado pela AT é um acto decisório lesivo, susceptível de impugnação contenciosa.

    Estabelecendo o direito do acesso à justiça tributária os artigos 9.°/2 e 95.°/1 da LGT estabelecem o direito dos interessados impugnarem os actos lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

    A título exemplificativa o normativo do artigo 95.°/2 da LGT enuncia alguns tipos de actos que podem ser lesivos.

    Entre eles, na alínea j), indica os actos praticados na execução fiscal.

    Para além dos referidos actos serão impugnáveis contenciosamente “…todos os actos que sejam susceptíveis de afectar negativamente a esfera jurídica dos particulares, quer retirando-lhes direitos ou obrigações, quer recusando-lhe o reconhecimento dos direitos ou a satisfação de pretensões.

    Devem considerar-se lesivos os actos administrativos...

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