Acórdão nº 383/08 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Julho de 2008

Data22 Julho 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 383/2008

Processo nº 1046/07

  1. Secção

Relatora: Maria João Antunes

Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente a A. e são recorridos B. e outros, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 18 de Setembro de 2007.

    2. Por sentença do Tribunal Judicial do Montijo foi declarada a insolvência de B., C. e D., tendo sido fixado o prazo de trinta dias para a reclamação de créditos. Findo este prazo, o administrador da insolvência juntou a lista dos credores reconhecidos e não reconhecidos nos termos do artigo 129º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE). Foi então proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, nos termos do nº 3 do artigo 130º do CIRE, pela qual foi homologada a lista de credores reconhecidos.

    3. A recorrente interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa. Por acórdão de 30 de Novembro de 2006 o recurso foi julgado improcedente. A recorrente interpôs então recurso de revista desta decisão, sustentando o seguinte:

      DA INCONSTITUCIONALIDADE:

      Dispõe o artigo 130, n° 1 do CIRE:

      Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n° 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos”

      Ora, tal norma, quando interpretada no sentido de que se esgota naquele prazo a possibilidade de qualquer interessado “atacar” o reconhecimento de eventual crédito reclamado em sede de processo de insolvência, além de redutor, enferma de evidente inconstitucionalidade, por ofensa aos princípios da proporcionalidade, da protecção jurídica e das garantias processuais, do acesso ao direito e aos tribunais e ainda ao princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas, insítos na Constituição da República Portuguesa

      Se o actual CIRE, da forma como se mostra processualmente estruturado, tem como finalidade a rápida tramitação processual, também não poderá, por este motivo, funcionar como que tampão redutor que restringe o acesso das partes ao próprio processo de insolvência.

      Vem isto a propósito, do facto dos credores que pretendam impugnar outros créditos reclamados em sede de processo de insolvência, estarem restritos ao prazo de 10 dias contados após a entrega, efectuada pelo Administrador da Insolvência, na secretaria do tribunal, das listagens dos credores por ele reconhecidos e não reconhecidos.

      Sendo certo que, conforme dispõe o artigo 129° n° 1 do CIRE, o Administrador da Insolvência dispõe de 15 dias, a contar do termo do prazo para as reclamações, para efectuar a referida entrega.

      Como se não bastasse tal profusão de prazos, o Administrador da Insolvência não está obrigado a notificar os credores das referidas listagens.

      Desta forma qualquer credor que pretenda impugnar qualquer crédito reclamado, ao abrigo do disposto no artigo 130°, n° 1 do CTRE, tem que não só obter da própria secretaria do tribunal, cópia das listagens dos créditos reconhecidos e não reconhecidos e para a eventualidade de os pretender impugnar tentar obter cópia, junto do Administrador da Insolvência do teor das mencionadas reclamações.

      Para isto tudo dispõe de 10 dias.

      Como já afirmámos, apoiamos a celeridade processual no âmbito do processo de insolvência. Todavia, tal celeridade não pode colocar em crise direitos fundamentais que possam impedir um justo acesso ao direito e á justiça.

      É óbvio que, na perspectiva da ora recorrente, a norma constante do artigo 130º, n°1 do CIRE é redutora do acesso ao direito.

      Até porque nada garante ao comum cidadão que possa ter conhecimento atempado das listagens entregues pelo Administrador da Insolvência.

      E mesmo que as tenha que garantia tem que consegue obter as cópias da p.i. das reclamações de crédito que pretende impugnar?

      E se as não consegue obter, como conseguirá impugnar os créditos nelas reclamados?

      Para que, com elevado grau de fiabilidade, qualquer cidadão que pretenda impugnar qualquer eventual crédito reclamado em sede de CIRE, o possa fazer, o mais provável é que tenha que se deslocar diariamente ao tribunal para sindicar com rigor do depósito das listagens de credores reconhecidos e não reconhecidos efectuado pelo Administrador da Insolvência, uma vez que disso NÃO É NOTIFICADO.

      A norma jurídica constante do artigo 130°, n° 1 do CIRE é, como já vimos, redutora e ofensiva dos mais elementares princípios do livre acesso ao direito e á justiça, consagrados no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa

      Ao restringir a 10 dias, o prazo para impugnar créditos em sede de processo de insolvência, quando para isso não se é notificado, a norma supra mencionada ofende o princípio constitucional da proporcionalidade, atenta a justa adequação da medida coactiva que visa alcançar determinado fim jurídico, “in casu” o da impugnação de créditos.

      Ou seja, a norma é desproporcional tendo em conta o fim a que se destina.

      Reduzir a um único prazo de 10 dias, como último e único prazo limite, não obstante as limitações processuais atrás mencionadas, é desproporcional em relação ao efeito jurídico pretendido.

      Sendo, também, por estes motivos, violadora do princípio da protecção jurídica e das garantias processuais.

      A norma transcrita no artigo 130°, n° 1 do CIRE não traduz o princípio do estado de direito que exige um procedimento justo e adequado de acesso à justiça e de realização do direito.

      Sendo inconstitucional a norma referida no artigo 130°, n° 1 do CIRE, no sentido de que se esgota naquele prazo a possibilidade de qualquer interessado “atacar” o reconhecimento de eventual crédito reclamado em sede de processo de insolvência, não pode a mesma ser invocada e aplicada em qualquer procedimento judicial.

      CONCLUSÕES

      (…)

      25° A norma contida no artigo 130°, n° 1 do CIRE, interpretada e aplicada no sentido de que de que se esgota no prazo de 10 dias, a possibilidade de qualquer interessado “atacar” o reconhecimento de eventual crédito reclamado em sede de processo de insolvência é materialmente inconstitucional por violadora dos princípios da proporcionalidade, da protecção jurídica e das garantias processuais, do acesso ao direito e aos tribunais e ainda ao princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas, insítos na Constituição da República Portuguesa

      26° Ao restringir, a 10 dias, o prazo para impugnar créditos em sede de processo de insolvência, quando para isso não se é notificado, a norma supra mencionada ofende o princípio constitucional da proporcionalidade, atenta a justa adequação da medida coactiva que visa alcançar o determinado fim, “in casu” o da impugnação de créditos

      27° Além de violadora do princípio da protecção jurídica e das garantias processuais, a norma transcrita no artigo 130°, n° 1 do CIRE não traduz o princípio do estado de direito que exige um procedimento justo e adequado de acesso à justiça e de realização do direito

      28° Sendo inconstitucional tal norma não pode ser invocada e aplicada em qualquer procedimento judicial

      .

    4. O Supremo Tribunal de Justiça acordou em negar a revista pelo acórdão agora recorrido, do qual importa reter o seguinte:

      Finalmente, a questão da inconstitucionalidade do art. 130º, nº1, do CIRE – impugnação da lista de credores reconhecidos.

      Tal normativo consigna:

      “Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no nº l do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos”. (o art. 129º refere-se aos procedimentos que competem ao administrador no que respeita à apresentação na secretaria de listas de todos os credores por si reconhecidos e não reconhecidos).

      Como resulta das conclusões adrede formuladas, o recorrente sustenta que a norma contida no artigo 130°, nº1 do CIRE, interpretada e aplicada no sentido de que se esgota no prazo de 10 dias, a possibilidade de qualquer interessado “atacar” o reconhecimento de eventual crédito reclamado em sede de processo de insolvência é materialmente inconstitucional, por violadora dos princípios da proporcionalidade, da protecção jurídica e das garantias processuais, do acesso ao direito e aos tribunais e ainda ao princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas, ínsitos na Constituição da República Portuguesa.

      Ao restringir, a 10 dias, o prazo para impugnar créditos em sede de processo de insolvência, quando para isso não se é notificado, a norma supra mencionada ofende o princípio constitucional da proporcionalidade, atenta a justa adequação da medida coactiva que visa alcançar o determinado fim, “in casu” o da impugnação de créditos.

      Além de violadora do princípio da protecção jurídica e das garantias processuais, a norma transcrita no artigo 130º, nº1, do CIRE não traduz o princípio do estado de direito que exige um procedimento justo e adequado de acesso à justiça e de realização do direito.

      Importa atentar na natureza urgente do processo de insolvência que, sem margem para dúvidas, se estende agora a todos os seus incidentes, apensos e recursos – art. 9º, nº1, do CIRE.

      O prazo de impugnação dos créditos é de 10 dias, não havendo notificação das listas apresentadas pelo administrador que ficam patentes na secretaria.

      Pode questionar-se a opção do legislador ao adoptar este regime mas entre a economia de tempo que advém de assim se ter estatuído e a tradicional notificação de todos os trâmites processuais, o legislador, dado o carácter urgente do processo, fixou em...

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