Acórdão nº 00462/06.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Julho de 2012
Magistrado Responsável | Jos |
Data da Resolução | 05 de Julho de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos [IPTM] - com sede na rua General Gomes Araújo, Ed. Vasco da Gama, Lisboa - interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] do Porto - 05.11.2010 – que no âmbito de acção administrativa comum, tramitada sob a forma ordinária, que contra ele intentaram a NL. … [NL. … - Consultadoria Náutica Lda.] e a NZ. … [NZ. … - Consultadoria Náutica Lda.], o condenou no seguinte: I) A abster-se de recusar a admissão a exame de cidadãos comunitários com fundamento na inexistência de comprovativo de residência em território nacional e a, em caso de sucesso nesse exame, autorizar os candidatos a navegar as embarcações correspondentes ao exame a que foram submetidos; II) A pagar às autoras a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, correspondente aos danos patrimoniais a que se refere o ponto c) da presente decisão, advindos da actuação ilícita do réu de recusa de admissão a exame para a obtenção de carta de navegador de recreio de cidadãos comunitários não residentes em território nacional e consequente não emissão do título respectivo; III) A pagar a cada uma das autoras a quantia de 7.500,00€ [sete mil e quinhentos euros] a título de danos não patrimoniais; IV) A pagar à autora NZ. … a quantia de 21.753,48€ [vinte um mil setecentos e cinquenta e três euros e quarenta e oito cêntimos], a título de danos patrimoniais resultantes do incumprimento pelo réu da decisão proferida em sede cautelar; V) Absolver o réu do demais pedido.
Conclui assim as suas alegações: 1- O nº1 do artigo 29º do DL 124/2004, de 25.05, impõe ao IPTM, IP, que só poderá emitir cartas de navegador de recreio a quem possua residência em Portugal; 2- Por via dessa regra, o aqui recorrente, passou a não admitir a exame de navegador de recreio os formandos que não demonstrassem residir em Portugal; 3- Tal norma, constante do nº1 do artigo 29º do DL nº124/2004, de 25.05, não viola o direito comunitário, seja o artigo 49º do TCE [hoje o artigo 56º do TFUE] seja qualquer outro, por violação do princípio de livre prestação de serviços seja qualquer outro; 4- Trata-se de exames de Estado, cuja realização, controlo e fiscalização pertence exclusivamente aos organismos do Estado, estando por isso, subtraídos à iniciativa privada e integrados no exercício de autoridade pública; 5- Não se lhe aplicando a regulamentação comunitária sobre liberdade de prestação de serviços, por força dos artigos 48º e 55º do TCE [actualmente artigos 51º e 62º do TFUE]; 6- Trata-se manifestamente de matéria de interesse e ordem pública, face à necessidade de preservar a segurança marítima e salvaguarda da vida do mar, exigindo um controlo efectivo aos detentores de habilitação para comandar as embarcações de recreio; 7- Tais limitações de exigência de residência constam, igualmente, na regulamentação comunitária e na legislação nacional no que respeita à condução automóvel [Directiva 91/439/CEE e DL nº44/2005, de 23.02]; 8- As autoras, ora recorridas mantêm intacta a liberdade de prestação de serviços de formação náutica, sendo que o seu escopo social é, dentre muitas outras, a formação náutica e não a realização de exames para a obtenção de cartas de navegadores de recreio, sendo estes uma competência exclusiva do Estado; 9- A sentença sob recurso faz errada interpretação e aplicação da lei ao declarar violadora do Direito Comunitário [artigo 49º do TCE ou qualquer outro] a norma constante do nº1 do artigo 29º do DL nº124/2004, pelo que deve ser revogada; 10- Não devendo o ora recorrente ser condenado a abster-se de recusar a admissão de cidadãos comunitários com fundamento na inexistência de documento comprovativo de residência em Portugal; 11- Em todo o caso, nunca poderia ser assacada ao réu aqui recorrente, qualquer conduta ilícita, geradora de responsabilidade civil extracontratual por danos; 12- É que o facto gerador de qualquer eventual e hipotética conduta ilícita diz respeito ao exercício da função legislativa, isto é, verificar-se-ia uma desconformidade da lei com o direito internacional [no caso, com o Direito Comunitário]; 13- Ora, é pacificamente aceite, na doutrina e na jurisprudência, que a Administração está impedida de desaplicar uma lei com fundamento na sua inconstitucionalidade ou na sua ilegalidade, a menos que tal seja declarado pelo poder judicial; 14- Porém, a actividade do réu, aqui recorrente, circunscreve-se ao âmbito administrativo, carecendo de qualquer competência legislativa; 15- Ademais, embora integrado na administração indirecta do Estado, o réu é uma pessoa colectiva distinta daquele, dotado de personalidade jurídica própria; 16- Assim, a eventual responsabilidade civil extracontratual derivada de facto ilícito proveniente de acto legislativo é completamente estranha ao réu, carecendo de ilegitimidade passiva para o efeito, não existindo por parte dele, do réu, qualquer grau de culpa [mesmo leve ou negligente] nem nexo de causalidade entre o facto e o dano, requisitos essenciais para eventual condenação no caso em apreço; 17- De facto, no âmbito dos limites da sua actividade administrativa, o réu estava obrigado a tomar a atitude que efectivamente tomou, não podendo desaplicar uma norma vigente na ordem jurídica nacional; 18- Na sentença sob recurso fez-se errada interpretação e aplicação da lei [nomeadamente do DL nº48051, de 21.11.1967, bem como das normas aplicáveis do Código Civil - artigo 487º - e ainda do DL nº257/2002, de 22.11], que deve ser revogada e substituída por decisão que absolva o réu, aqui recorrente do pedido de indemnização a título de danos patrimoniais por conduta ilícita; 19- Tal como por danos não patrimoniais a idêntico titulo, pelas mesmas razões, mas ainda porque os alegados danos não patrimoniais identificados não passam de meros incómodos e contrariedades, insusceptíveis da tutela jurídica, nos termos do artigo 496º do Código Civil; 20- Ainda, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da lei no que respeita à condenação do réu no pagamento de 21.753,48€, por danos causados à autora NZ. … resultantes do alegado incumprimento pelo réu da decisão proferida em sede cautelar; 21- É que para além de a autora NZ. … não ter chegado a deduzir pedido de condenação a tal título, na altura e pela forma prescrita na lei, o que impede o Tribunal a decidir para além do pedido [artigo 661º, nº1, do CPC]; 22- A sentença proferida no processo cautelar não chegou a ser notificada à entidade requerida, como prescreve e exige o disposto no artigo 122º do CPTA, não bastando para o efeito a notificação ao respectivo mandatário, dado tratar-se de facto pessoal [como de resto também previsto no nº2 do artigo 253º do CPC]; 23- Mesmo que assim não fosse, também não seria caso para proferir a condenação a esse título, uma vez que se verifica erro de julgamento quanto à matéria de facto no que respeita à resposta dada aos quesitos [pontos] 35º e 36º, os quais devem ser considerados como não provados, atento o depoimento das testemunhas que fundamentaram aquela decisão [CS. … e JL. …], bem como o conteúdo do documento nº27, junto com a petição inicial, os quais se mostram desadequados às respostas dadas pelo Tribunal; 24- Pelo que, também neste caso, a sentença recorrida deve ser revogada e o réu absolvido do pedido, assim se fazendo completa e inteira Justiça.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, bem como a sua absolvição do pedido.
A NL. … e a NZ. … contra-alegaram, concluindo assim: 1- Face ao exposto, a douta decisão recorrida não padece de nenhum dos vícios que lhe são apontados, antes revelando adequada ponderação de todos os elementos que foram carreados para os autos; 2- Com efeito, a sentença fez exacta interpretação do condicionalismo de facto subjacente e adequada interpretação e aplicação do direito, pelo que deve ser mantida na íntegra; 3- É inquestionável que a aplicação da norma do nº1 do artigo 29º do DL nº124/2004 a cidadãos comunitários por parte do IPTM é ilegal; 4- Os poderes de autoridade do IPTM, no que respeita à responsabilidade extra-contratual, no âmbito da execução das suas actividades, são inequívocos e resultam, expressamente, do disposto na alínea e) do artigo 5º do DL 257/2002, de 22.11.
Terminam pedindo a confirmação da sentença recorrida.
O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º nº1 do CPTA].
Por despacho proferido já no âmbito deste recurso jurisdicional, integrado a folha 935 dos autos, foram ouvidas as partes processuais acerca da utilidade de ser deduzido pedido de reenvio prejudicial junto do Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE], nos termos do artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia [TFUE – a que corresponde o anterior artigo 234º do TCE], sendo certo que nenhuma delas se opôs a tal, embora nada adiantando sobre o teor concreto do conteúdo a dar ao mesmo.
Colhidos os vistos legais, e submetidos os autos à conferência, importa apreciar e decidir.
O que se passará a fazer.
De Facto São os seguintes os factos considerados provados na sentença recorrida: A) Os sócios das autoras detinham uma sociedade denominada F. …. No ano 2000 foi constituída, por um dos sócios, a autora NL. … e, no ano de 2003, pelo outro sócio, a autora NZ. … - resposta ao ponto 13º da Base Instrutória; B) As autoras são Escolas de Formação Náutica, que têm por objecto social, entre outras atribuições, a consultadoria, formação, manutenção e instalação de infra-estruturas náuticas – ponto A) da Matéria de Facto Assente; C) Desde 1997 que os sócios das autoras têm prestado a formação obrigatória para o exame de cartas de navegador de recreio a cidadãos portugueses e igualmente a cidadãos comunitários - espanhóis e franceses – resposta ao ponto 1º da Base Instrutória; D) A carta de navegador de recreio, emitida...
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