Acórdão nº 01497/06.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelMaria do C
Data da Resolução22 de Junho de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO:AS. …, VM. … e MS. … (representada pelos primeiros), residentes na …º, Águas Santas, interpuseram recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto proferida em 05 de Janeiro de 2011 que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum, sob forma ordinária, por eles intentada contra a UNIDADE DE SAÚDE DE MATOSINHOS, E.P.E. – HOSPITAL PEDRO HISPANO, com vista à efectivação de responsabilidade civil extra contratual, em que peticionavam o pagamento das seguintes quantias, assim discriminadas: - 95.100,42€ à A/recorrente MS. …, a título de danos não patrimoniais, danos patrimoniais e danos patrimoniais futuros; -13.293,02€ à A/recorrente AS. … a título de danos não patrimoniais, danos patrimoniais e danos patrimoniais futuros; -5.000€ ao A/recorrente VM. …, a título de danos não patrimoniais.

*Formulam, para o efeito, as seguintes CONCLUSÕES, que aqui se reproduzem: «1. Perante toda a factualidade dada como assente e após, dada como provada, o Tribunal “a quo” deveria ter considerado como ter havido, por parte dos serviços da Ré, um comportamento ilícito e culposo com conexão dos mesmos com os danos existentes, nomeadamente a paralisia permanente e irreversível do plexo braquial esquerdo de que padece a recorrente MS. ….

  1. O Tribunal “a quo” considerou não ter havido por parte dos serviços da Ré, no que diz respeito aos acontecimentos verificados no momento do parto da MS. …, qualquer comportamento ilícito e culposo e conexão desses mesmos acontecimentos com os danos existentes, ou seja, a referida paralisia do plexo braquial esquerdo de que sofre a recorrente MS. ….

  2. Assim foi decidido por considerar-se que a distocia de ombros caracteriza-se por uma complicação pouco frequente que ocorre em cerca de 1 entre 1000 apresentações cefálicas em que o ombro do feto está encaixado no osso púbico e fica preso no canal de parto. É pois um acontecimento raro e imprevisível e a sua ocorrência implica que o profissional que se encontra a dar assistência ao parto, neste caso uma enfermeira parteira, tenha de agir rapidamente, efectuando as manobras necessárias, nomeadamente rodar a cabeça do feto para que os ombros se soltem, num curto espaço de tempo e de forma precisa, atenta a falta de oxigenação do bebé. E uma vez que a parteira não possui qualquer visão do que se passa no canal de parto, tem de agir alicerçando-se nos conhecimentos científicos e preparação técnica que possui, naquilo que supõe que esteja a suceder no canal de parto, atento o desenrolar dos acontecimentos e ainda, eventualmente na sua experiência.

  3. Segundo ainda o Tribunal “a quo”, afirmar-se que a lesão do plexo de que sofre a MS. … não resultou necessariamente de manobras mal executadas durante o parto não é suficiente nem significa que a existência de lesão implique aquela deficiente execução das mesmas. A ocorrência de lesão do plexo braquial não implica necessariamente que tenham sido violadas as “leges artis”, designadamente que a manobra desobstrutiva tenha sido mal executada. Simplesmente, essa lesão poderá, em alguns casos, felizmente raros, ser uma consequência da manobra executada, mesmo que de forma perfeita e exemplar.

  4. Embora ficasse provado em RRRR) que a paralisia é atribuída como resultado do puxão forçado da cabeça e do pescoço durante a libertação dos ombros nos partos eutócitos, o Tribunal “a quo” considerou que, essa lesão poderá ser uma consequência da manobra executada, para desencravar o ombro de forma precisa, atenta a falta de oxigenação do bebé. E considerou que essa lesão poderá, embora raramente, acontecer mesmo que a referida manobra seja executada de forma perfeita e exemplar, quase como uma consequência necessária.

  5. Não é possível aceitar estas considerações sem uma sensação de repulsa. Não é possível aceitar uma solução só porque pode ser “UMA” das possibilidades, sem sequer pôr em causa simplesmente que o referido puxão “forçado” contribuiu só por isso para a ocorrência da lesão verificada.

  6. É que, como também considerou provado o Tribunal “a quo” em RRRR) este tipo de lesão de paralisia é atribuída como resultado do puxão forçado da cabeça e do pescoço durante a libertação dos ombros nos partos eutócitos. Ou seja, o lesado encontra-se “condenado” logo por si – prevê-se a possibilidade da lesão se verificar – mas mais vale isso do que prolongar o parto com consequências nefastas para o bebé. Se acontecer, o lesado tem que se conformar com isso, sem qualquer consequência para o profissional que executou o acto.

  7. Em momento algum os recorrentes consideram que foi posta em causa a vida da recorrente MS. …. Apenas que a paralisia aconteceu em resultado das manobras menos diligentes executadas pela enfermeira parteira no momento em que foi diagnosticada a distocia de ombros.

  8. Os recorrentes não aceitam nem compreendem como é que o Tribunal “a quo” embora reconheça a verificação da lesão, dada desde logo como assente, considere, sem mais, que ela pode suceder, embora raramente, mesmo que as manobras de desencravamento dos ombros do bebé na altura do parto seja executada de forma perfeita e exemplar.

  9. O Tribunal “a quo” nem sequer chega a colocar em questão a situação contrária, ou seja, que a lesão possa ter surgido como consequência de uma manobra menos diligente da enfermeira parteira. Aliás, na própria fundamentação da factualidade provada, faz-se referência às declarações prestadas pela referida enfermeira parteira MH. …, que embora não se lembrasse dos factos ocorridos naquele parto em concreto (um parto com consequências raras e imprevisíveis de paralisia do plexo braquial esquerdo), foi peremptória em referir que tudo fez conforme os procedimentos normais no Serviço onde trabalhava. Foi considerado credível o seu depoimento. Mas a verdade é que foram esses mesmos procedimentos, ditos “credíveis” face às razões da ciência (na opinião do Tribunal “a quo”), que inadvertidamente deixaram dentro da cavidade uterina da recorrente AS. … vestígios do parto que lhe provocaram dores e hemorragias, tendo esta última de ser submetida a raspagem para remoção dos mesmos, tendo aí sim, considerado o Tribunal “a quo” que houve violação de normas técnicas por parte dos profissionais da Ré que assistiram a recorrente Ana. Quais profissionais? A mesma enfermeira parteira.

  10. Houve também violação de normas técnicas, é certo que negligentemente, no momento do parto, tendo havido puxão forçado da cabeça e do pescoço do bebé durante a libertação dos ombros o que provocou a lesão de que padece a recorrente MS. ….

  11. Mas o Tribunal “a quo” entende que não. Em primeiro lugar, pelas declarações da própria enfermeira MH. … que não se lembra dos factos ocorridos neste parto em particular, mas é peremptória a dizer que seguiu todas as normas, mesmo ficando provado que a própria, inadvertidamente, deixou vestígios de parto na cavidade uterina da recorrente AS. ….

  12. Em segundo lugar, na resposta dadas pelos peritos que também consideraram ter sido seguida a “leges artis”, tendo sido efectuadas todas as manobras necessárias, embora por várias vezes são os próprios peritos que referem não ser possível pela leitura do processo saber quais foram essas manobras e a sua sequência temporal.

  13. E em terceiro lugar, simplesmente porque no entender do mesmo Tribunal, apesar de toda a factualidade assente e dada como provada, afinal, não se fez prova de qualquer acto ilícito por parte dos Serviços da Ré em conexão com a lesão da recorrente MS. ….

  14. Os recorrentes, salvo melhor opinião, consideram que face a toda a factualidade assente e provada, o Tribunal “a quo” deveria ter considerado como provado ter havido conduta negligente por parte dos serviços da Ré, tendo como consequência uma paralisia do plexo braquial permanente da recorrente MS. …, devendo por isso a Ré ser condenada no pedido como sucedeu em relação aos vestígios de parto inadvertidamente deixados pelos profissionais da Ré na cavidade uterina da mãe AS. ….

  15. Não o fazendo o Tribunal “a quo” pecou, devendo a sentença ser revogada nos termos e nas condições expostas, substituindo-a por outra que julgue a acção procedente por provada, condenado a Ré em todo o pedido».

    *A recorrida Unidade de Saúde de Matosinhos, E.P.E. – Hospital Pedro Hispano, contra-alegou e deduziu recurso subordinado, formulando para o efeito as seguintes CONCLUSÕES: «1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls… dos autos, através da qual a presente acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, a Ré foi condenada no pagamento à A. AS. … da quantia de 2.000 €, a título de danos não patrimoniais, absolvendo-se a Ré dos demais pedidos formulados pelos AA.

  16. Salvo melhor opinião, e no que respeita à absolvição da Ré, decidiu bem o tribunal recorrido, pelo que, o presente recurso não tem qualquer fundamento, devendo, em conformidade, ser indeferido.

  17. Para a apreciação dos factos em discussão dos presentes autos, a Lei não prevê qualquer regra especial de inversão do ónus da prova, tendo plena aplicação aos autos a regra geral definida no nº 1, do artº 342º do CC.

  18. Deste modo, cabia aos AA, ora recorrentes, a prova dos factos que alegaram nos presentes autos – o que não lograram fazer.

  19. Sobre a matéria descrita nas alegações de recurso apresentadas pelos recorrentes, foi produzida prova abundante, prova essa que foi devida e integralmente analisada a avaliada pelo Tribunal, e que impunha a absolvição da recorrida.

  20. Dúvidas não existem sobre as lesões verificadas na recorrente MS. …. Contudo, o tribunal recorrido – e bem – também concluiu que as mesmas não se devem a qualquer acto ilícito e culposo praticado pelos funcionários da recorrida.

  21. Não existe aqui qualquer contradição: as lesões verificadas na recorrente MS. … ocorrem na sequência do parto efectuado nas instalações da recorrida, auxiliado pela enfermeira parteira, mas essa...

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