Acórdão nº 01081/07.1BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelMaria do C
Data da Resolução22 de Junho de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO:O MUNICÍPIO DE MIRA, no âmbito da presente acção administrativa comum com base em enriquecimento sem causa, intentada por MJ. …, MG. …, CG. … e JG. …, na qualidade de herdeiros de CR. …, em que reclamam o pagamento da quantia de 48.420,91€ interpôs recurso jurisdicional das seguintes decisões: (i) do despacho saneador proferido em 04/03/2010 [que decidiu as excepções da ilegitimidade passiva, da competência em razão da matéria dos TAF para conhecer do mérito, da não realização da tentativa de conciliação extra judicial prevista no nº 1 do artº 260º do DL nº 59/99 de 02/03 e da preterição das formalidades exigidas pelo DL nº 197/99 de 08/06]; (ii) da sentença proferida em 17/05/2011 que condenou o Município a pagar aos AA./ora recorridos a quantia de 37.232,82€ a título de enriquecimento sem causa, por obras efectuadas e não pagas.

*O recorrente apresentou, para o efeito, as seguintes CONCLUSÕES que aqui se reproduzem: «1. O presente recurso vem do douto despacho saneador e da douta decisão do TAF de Coimbra que julgou a acção (parcialmente) procedente, condenando o recorrente a pagar aos recorridos a quantia de 37.232,82€, acrescida de juros moratórios, contados à taxa legal, devidos desde a citação até integral pagamento, bem como nas custas processuais, não tendo sequer atendido no decaimento dos AA. no seu pedido inicial, para efeito de repartição de custas, o que, caso a decisão se viesse a manter, o que não se concede, sempre haveria que revogar a sentença em conformidade.

  1. O douto despacho saneador não fez um correcto enquadramento dos factos, tendo na realidade, feito uma análise simplista das questões colocadas e suscitadas nos autos a propósito das excepções invocadas pelo recorrente, o que, salvo o devido respeito, que é muito, levou a um menor acerto na decisão.

  2. De facto, ficou provado que o Município de Mira não celebrou com a A. qualquer contrato de empreitada. E, na verdade, alegou a A. no artigo 17º da P.I. que os serviços referidos no artigo 2º do mesmo articulado foram solicitados pelos ex-responsáveis da Câmara Municipal, não identificando quem, o que igualmente e em sede de julgamento não se veio a apurar.

  3. Deste modo, deveria desde logo no despacho saneador, julgar-se procedente a excepção de ilegitimidade passiva do R. Município de Mira e, ao não fazê-lo, violou as disposições conjugadas dos artigos 493º, nº 1 e 2 e 494º, al. e), ambos do CPC, por não ter absolvido o recorrente da instância.

  4. Além do mais, não se verificando nos presentes autos estarmos perante uma questão sobre interpretação, validade ou execução de contrato de empreitada de obras públicas, os Tribunais Administrativos são incompetentes em razão da matéria para decidir a presente questão.

  5. Pelo que, o douto despacho saneador deveria igualmente e pelas razões invocadas absolver o R. da instância, tendo violado as disposições conjugadas dos artigos 493º, nºs 1 e 2 e 494º, al. a), ambos do CPC.

  6. Ficou abundantemente provado, até pela posição das partes no processo que houve violação de lei, a que se refere o regime jurídico de aquisição de bens e serviços, a que se refere o DL nº197/99, de 8/06, que não foi pelo Município de Mira mas, por alguém, quem não se descortinou a sua autoria.

  7. A violação de lei configura uma situação de nulidade insanável, facto que constitui excepção peremptória e que haveria desde logo de determinar a absolvição do Município de Mira do pedido. O despacho saneador ao não fazê-lo violou o disposto no DL nº 197/99, de 8/06 e artigo 493º, nº 3 do CPC.

  8. Por fim e nesta sede, invocou o R. a inadmissibilidade da presente acção, uma vez que tendo sido requerido pela A. a tentativa de conciliação extrajudicial nos termos do DL nº59/99, de 2/03, acerca da questão controvertida nos presentes autos, e tendo o R. apresentado resposta escrita, a mesma não se chegou a realizar. Estabelece o artigo 260º, nº 1 do mesmo DL que as “Acções a que se refere o artigo 254º, deverão ser precedidas de tentativa de conciliação extrajudicial…”. Apenas e no caso de se frustrar a possibilidade da realização da tentativa de conciliação ou na falta de acordo na mesma, é que dando-se cumprimento ao estabelecido no artigo 263º do mesmo DL, seria entregue à A. cópia do auto respectivo, a fim de a mesma poder interpor a respectiva acção.

  9. Assim, por falta do aludido pressuposto processual a presente acção é legalmente inadmissível. Tal facto constitui, igualmente, matéria de excepção dilatória que determinaria desde logo a absolvição do R. da instância. Violou assim, o douto despacho saneador o disposto no artigo 493º, nº 2 do CPC.

  10. Por outro lado, a douta decisão do Meritíssimo Tribunal a quo de que se recorre enferma de erro de julgamento da matéria de facto, e até mesmo de insuficiência da matéria de facto com vista à resolução de questões jurídicas implicadas na apreciação e decisão da causa, mas também erro de julgamento de direito com violação de normas legais.

  11. A A. alegou, por diversas vezes ao longo da sua P.I.: Que … por várias vezes o R. decidiu contratar, com o representado pela A., a realização de várias obras no concelho de Mira, que a seguir se discriminam: …- cfr. artº 2º da P.I.

    Que … baseada numa pretensa irregularidade formal na contratualização, a ré, dona da obra tem vindo a eximir-se ao pagamento de tais empreitadas”- cfr. artº 11º da P.I.

    Que … foram solicitados pelos ex-responsáveis da Câmara Municipal o que levou à expectativa da celebração do contrato administrativo e que, pior ainda, levaram a que o requerente o tivesse considerado como existente, já que executou os trabalhos correspondentes - cfr. artº 17º da P.I.

    Que … o valor das empreitadas identificadas em 2º, deste articulado, foi acordado entre empreiteiro e dono da obra, sendo considerado por ambos um valor equilibrado para os trabalhos prestados” - cfr. artº 24º da P.I.

    Que … o empreiteiro sempre confiou no pontual pagamento das empreitadas…”- cfr. artº 25º da P.I.

  12. Ora, o eixo central da modelação da figura do enriquecimento sem causa é a inexistência de causa para o enriquecimento. Isto é, não pode haver causa justificativa que legitime o enriquecimento de acordo com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema (P. Lima e A. Varela, in C.C. Anotado, 2ª ed., pág.401).

  13. Ora, haverá causa que justifique o enriquecimento sempre que entre o empobrecido e o enriquecido tenha havido uma relação jurídica contratual que o segundo não chegou total ou parcialmente a cumprir (é o que resulta de todo o acervo probatório vertido na sentença recorrida, em conformidade com a alegação da A. na sua P.I.). Em tal hipótese, a vantagem ilegítima obtida pelo devedor deriva directamente do contrato incumprido. É essa, pois, a causa para o seu enriquecimento.

  14. Não há enriquecimento se houver causa e tal é o que acontece no caso sub judice, atenta a alegação da A. e o que ficou provado na douta sentença recorrida –cfr. pontos 5 a 12 dos factos provados.

  15. Donde, não poderia o Tribunal deixar de ter em conta, como o fez, não só a causa de pedir, como os próprios elementos caracterizadores do instituto do enriquecimento sem causa.

  16. Na situação em apreço e tendo sempre por base a alegação da A. e a matéria que a decisão recorrida deu como provada, havia causa para o enriquecimento...

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