Acórdão nº 00195/09.8BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelCarlos Lu
Data da Resolução25 de Janeiro de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “MUNICÍPIO DE PENAFIEL” (doravante «MdP»), inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Penafiel, datada de 13.10.2010, que julgou parcialmente procedente a ação administrativa contra o mesmo deduzida pela atual MASSA INSOLVENTE de “MA. … - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.” e que o condenou a reconhecer a esta “… o direito a ser abonada com juros …” e, bem assim, ao seu pagamento “… por referência aos dias de atraso expressos nos artigos 9.º a 23.º do probatório e de acordo com os valores apostos nos mapas de fls. 144, 145, 148 e 150 dos autos (cf. artigo 213.º, n.º 1, do RJEOP), excluindo os montantes atinentes às faturas n.ºs 780, 793 e 802, cujo direito de juros julgámos prescrito …”, tal como “… dos juros sobre o montante que resultar do parágrafo precedente, atento o disposto no artigo 560.º, n.º 1, 2.ª parte, do CC, a contar desde a citação e até ao efetivo e integral pagamento …”.

Formula o R., aqui recorrente jurisdicional, nas respetivas alegações (cfr. fls. 216 e segs.

- paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. O Tribunal a quo na sentença, sub judice, decidiu julgar como provado que entre o Recorrido e a sociedade B. …, Factoring, SA, foi outorgada a cessão de créditos referente às faturas n.ºs 892, 928, 933, 970, 1008 e 1271.

  2. A transmissão referente aos juros de mora não se mostra expressamente consagrado no contrato de factoring.

  3. Na cessão de créditos, o credor transmite a terceiro, independentemente de consentimento do devedor, a totalidade ou parte do seu crédito (art. 577.º do Cód. Civil).

  4. O crédito transferido fica inalterado, apenas se verificando a substituição do credor originário por um novo.

  5. A ponderação deste quadro factual e o regime legal aplicável, concluímos, que pertence à Recorrida o ónus de alegação e prova que mantivera na sua esfera jurídica o direito a exigir do R. o pagamento dos juros reclamados nesta ação (art. 342.º, n.º 1, do CC).

    Porquanto: 6. De acordo com as regras de repartição de ónus da prova, ao Recorrente bastava, alegar que a Recorrida era parte ilegítima, na medida em que, transmitiu o seu direito de crédito ao factor.

  6. Por sua, vez a Recorrida, para afastar a aplicação do art. 582.º do Cód Civil, teria de alegar e demonstrar, a convenção ou acordo que excluísse a transmissão do direito de crédito de juros de mora peticionado na ação.

  7. Constituindo o crédito de juros um acessório do direito de crédito de capital, é forçoso, por isso, extrapolar que com a transmissão de créditos sobre o aqui R. verificada com o contrato de factoring em análise se transmitiu, também, o respeitante aos juros.

  8. Violou a sentença sub judice os arts. 342.º e ss. 582 .º do Cód. Civil …”.

    A A., aqui recorrida, devidamente notificada veio produzir contra-alegações (cfr. fls. 247 e segs.

    ) com a seguinte síntese conclusiva: “...

    1. Alegou a Autora na «p.i.» que algumas faturas foram objeto de cessão dos respetivos créditos a uma sociedade de factoring, que ao Factor apenas foram pagos pelo Réu os montantes expressos nas faturas, tendo o Factor debitado e cobrado à Autora os juros pela mora no pagamento.

    2. Veio o Réu arguir que tais faturas foram objeto de cessão de créditos através do contrato de factoring, pelo que se verificou a transmissão do crédito «em toda a sua plenitude» para o Factor, havendo nessa parte «ilegitimidade substancial» da Autora.

    3. Ora, a cessão dos créditos de representados em faturas no âmbito de um contrato de factoring não implica necessariamente que o direito a juros pela mora do devedor no pagamento das faturas esteja abrangido pela cessão ao Factor dos créditos representados nessas faturas, podendo convencionar-se que a cessão não abrange os juros pela mora do devedor (arts. 561.º e 582.º, n.º 1 do CC).

    4. Sucede que o Réu, que invocou a ilegitimidade da Autora e tinha o ónus da prova dessa ilegitimidade - art. 342.º do CC - limitou-se a arguir que, havendo cessão dos créditos representados naquelas faturas, a cessão abrange o crédito acessório de juros, como se não pudesse haver convenção a excluir os juros pela mora no pagamento da cessão do crédito representado na fatura. Portanto, o Réu não alegou nem provou que a cessão feita no âmbito do contrato de factoring abrangia, para além do montante representado nas faturas, os juros pela mora no seu pagamento, pressuposto da ilegitimidade por si invocada.

    5. Ora, nos termos do contrato de factoring, o aderente responde pela mora no pagamento de créditos cedidos ao Factor, suportando juros até esse pagamento ser efetuado: a mora do Réu no pagamento das faturas em causa dá lugar à liquidação pelo Factor de juros na conta-corrente e ao seu pagamento pela Autora.

    6. O que revela a existência de uma tácita convenção de não transmissão com a cessão dos créditos representados nas faturas da Autora submetidas ao factoring do eventual crédito futuro de juros por mora do devedor no pagamento das faturas, nada obstando a que essa convenção seja tácita, isto é, que se depreenda dos termos do contrato e do modo como as partes, designadamente o Factor, exercem os seus direitos contratuais - art. 217.º do CC.

    7. Com efeito, depreende-se das condições do contrato de factoring que o crédito cedido é o valor faturado, e que o direito a juros futuros devidos pelo devedor em virtude da mora no pagamento das faturas não se transmite ao Factor, perante o qual é o aderente quem responde pela mora no pagamento de créditos cedidos, suportando juros até o pagamento ser efetuado.

    8. Sendo a Autora quem suporta os juros que o Factor lhe debita em virtude da mora no pagamento das faturas pelo Réu, é ela, que sofreu o dano resultante da mora, quem tem legitimidade para reclamar ao devedor juros indemnizatórios de mora. Daí que transmita apenas o crédito representado na fatura e que o Factor cobre ao devedor nada mais do que esse crédito.

    9. Por outra parte, com a notificação da cessão dos créditos titulados por faturas, o Réu foi informado que o pagamento das faturas deve ser efetuado, sempre e só, à B. … FACTORING, SA,… cessionária dos créditos respetivos.

    10. Resultando dessa comunicação que o Réu ficou apenas obrigado a efetuar o pagamento da fatura objeto da cessão de créditos ao Factor: o que foi transmitido foi só o direito a receber o pagamento das faturas submetidas à convenção de factoring.

    11. É com esse sentido que foi convencionada entre a Autora e o referido Factor a cessão de créditos representados por faturas de que o Réu era devedor, e é com esse sentido que um declaratário normal, colocado na posição do Réu, interpretaria aquela cessão de créditos em regime de factoring.

    12. Coerentemente com essa interpretação, nem o Réu pagou ou se propôs pagar ao B. … FACTORING juros de mora pelo atraso no pagamento de faturas da Autora, nem o B… FACTORING reclamou do Réu o pagamento desses juros, aceitando o singelo pagamento pelo Réu dos valores constantes das faturas.

    13. Isto é, pelo modo como decorreu o seu relacionamento com o Factor e a Autora, em que houve mora no pagamento das faturas, o Réu conhecia bem a vontade real dos sujeitos do contrato de factoring, e que de acordo com essa vontade o direito a juros pela sua mora no pagamento de faturas não se transmitia para o B. … FACTORING.

    14. Além do mais, invocando essa ilegitimidade nesta ação, quando nem se propôs pagar juros de mora ao Factor, nem este lhos reclamou, nem rejeitou as notas de débito por juros de mora que lhe foram oportunamente remetidas pela Autora, o Réu excede manifestamente os limites da boa fé, pelo que, ainda que lhe assistisse o direito a invocar que esse crédito deixou de estar na titularidade da Autora, o seu exercício nesta ação é ilegítimo, constituindo abuso de direito, que expressamente volta a invocar-se - art. 334.º do CC.

    15. Enfim, a Autora pede um crédito acessório de outro crédito, esclarecendo que cedeu o crédito principal, mas que o crédito por juros de mora no pagamento das faturas não foi transmitido com o crédito principal, não tendo que ser expressa essa convenção de não transmissão do crédito de juros de mora com a transmissão do crédito representado na fatura, desde que se revele no contrato de factoring e na respetiva prática contratual.

    16. O Réu, por seu lado, limita-se a invocar que os créditos das faturas foram cedidos ao Factor, como se essa transmissão importasse necessariamente a transmissão do crédito acessório por juros de mora no pagamento das faturas.

    17. Deste modo, é insuficiente a arguição da exceção de ilegitimidade: a Autora não reclamava do Réu o crédito transmitido ao Factor, mas um acessório desse direito, invocando que não fora abrangido na transmissão.

    18. Cabia ao Réu, ao invocar a exceção de ilegitimidade, provar que o crédito respeitante a juros pela sua mora no pagamento - único crédito reclamado pela Autora em juízo - fora...

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