Acórdão nº 0871/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução20 de Novembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A……… (“A………”), com os sinais dos autos, veio interpor recurso de revista para este STA, ao abrigo do artº150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do TAC de Lisboa que indeferiu os pedidos cautelares formulados pela recorrente nos presentes autos.

Termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes CONCLUSÕES: A. O presente recurso tem efeito suspensivo nos termos do disposto nº1 do artº143º do CPTA.

B. O presente recurso deverá ser admitido na medida em que as questões levantadas pela Recorrente no âmbito do presente recurso de revista assumem não só especial relevância jurídica, mas também conduzirão indubitavelmente a uma melhor aplicação do direito – cf. Acórdãos do presente Alto Tribunal de 9.5.2012 ( proc.0387/12, 0390/12, 0391/12, 033/12 e 385/12).

C. As questões que a Recorrente pretende ver tratadas por este Tribunal implicam operações exegéticas de alguma dificuldade, motivadas desde logo pela interpretação e aplicação de algumas disposições pouco claras e ambíguas da recente Lei nº62/2011, de 12 de Dezembro, diploma que suscita dificuldades pelo carácter genérico da sua formulação e pela novidade que veio introduzir no nosso ordenamento jurídico.

D. Ainda que se considerasse que o presente recurso não assume uma especial relevância jurídica, sempre teria de ser admitido por ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito por estarmos perante um confronto entre os direitos de propriedade industrial e os limites de actuação das autoridades administrativas, adstritas ao cumprimento do princípio da legalidade, maxime constitucional, no exercício dos poderes que lhe são conferidos.

E. A entrada em vigor da Lei nº62/2011 envolve a aplicação de princípios e normas consagrados supranacionalmente, designadamente de âmbito comunitário, a que o Estado Português e, por maioria de razão, os seus tribunais, se encontram vinculados e devem obediência e por cujo cumprimento são legalmente responsáveis. Por essa razão, merecem ser apreciadas por este Supremo Tribunal.

F. Além disso e na medida em que estamos em face de uma decisão que a lei qualifica como recorrível, ao admitir que dela se interponha um recurso ordinário para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artº150º do CPTA e nos termos do artº668º do CPC, o presente recurso deve ser admitido para apreciação da nulidade de que padece o Acórdão recorrido.

G. A Lei nº62/2011 não tem qualquer relevância para a análise da verificação do requisito do fumus boni iuris ou do fumus non malus iuris, requisitos para a concessão da presente providência, pelo que não deveria ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.

H. As disposições constantes do artigo 25º, nº2 (e, apesar de não referido pelo douto Acórdão os artigos 19º, nº8, do artº179º, nº2 e do artigo 23º-A, nº1 e 2) do Estatuto do Medicamento – na redacção conferida pelo artigo 4º da Lei nº62/2011 -, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, são insusceptíveis de obstarem à procedência da acção principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos actos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.

I. Tendo o tribunal a quo entendido que as normas constantes do artigo 25º, nº2, do artigo 179º, nº2 e do artº23º-A, nº1 e 2 do Estatuto do Medicamento – na redacção conferida pelo artigo 4º da Lei nº62/2011 – bem como o artigo 8º, nº1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, contêm uma proibição absoluta de que o MEE/DGAE tomem conhecimento, no quadro do procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente por parte do medicamento objecto desse procedimento, ou os obriguem a deferir os respectivos requerimentos de concessão de AIMs e de aprovação de PVPs para tais medicamentos, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17º, 18º, 62º, nº1 e 266º da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.

J. A norma do artigo 9.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objectivo de lhes atribuir efeito retroactivo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré-existentes, como é o caso do acto de concessão de AIM e de PVP aqui em crise.

K. Tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição, que, no seu artigo 18.º, n.º 3, proíbe a atribuição de efeito retroactivo a normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.

L. As considerações acima expostas, aplicam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8º da Lei nº 62/2011, ao pedido de suspensão do acto de atribuição do PVP pela DGAE.

M. Uma vez que o tribunal a quo aplicou as referidas normas no caso vertente com base no artigo 9º,nº1 da Lei nº62/2011, tal interpretação ( e aplicação) é inconstitucional por introduzir uma restrição retroactiva de um direito fundamental, violando-se o artº18º, nº3 da Constituição, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.

N. A alteração legislativa implementada pela Lei nº62/2011 não alterou os termos da avaliação do pedido da Autora, ora Recorrente, na acção principal da qual estes autos são dependentes.

O. Com efeito, os pedidos formulados na acção principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de a aprovação de a AIM, bem como a atribuição de PVP, terem por objecto mediato uma actividade – a comercialização dos Genéricos pelas Contra-interessadas – violadora dos direitos de patente da Requerente, ora Recorrente, que constituem um direito fundamental de natureza análoga à dos “ direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável conforme resulta do artigo 17º da Constituição, considerada pela lei como um crime.

P. Nessa acção não se defende que a aprovação de PVP em causa seja, per se, violadores dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.

Q. Com efeito, invocou a Recorrente na acção principal a nulidade dos actos de concessão de AIM destes autos com base nos dispositivos dos artº133º, nº2, alíneas c) e d) do artigo 135º, ambos do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), por tais actos serem violadores do conteúdo essencial do seu direito fundamental emergente da patente e certificado complementar de protecção dos autos e porque a actividade por eles licenciada é uma actividade criminosa, punida como tal pelo artigo 321º do Código de Propriedade Industrial.

R. Mais invocou que o mesmo acto era inválido, nos termos do art.º 135.º do Código de Procedimento Administrativo, por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um acto administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente o artigo 18.º da Constituição que tem aplicação directa.

S. A Lei n.º 62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133º e 135º do CPA.

T. Uma vez que a declaração de invalidade dos actos de AIM pedida na acção principal é formulada à luz dos referidos artigos 133º e 135º do CPA, da Lei nº62/2011 não pode decorrer que a acção principal deva ser julgada improcedente.

U. O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da inconstitucionalidade do acto administrativo de concessão de AIM e do PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo Infarmed ou pela DGAE, respectivamente.

V. A nova norma do artigo 213ºA do estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo, imposta.

W. Com vista a uma “melhor aplicação do direito”, deve este Venerando Tribunal considerar verificada a existência de fumus boni juris, por aplicação de normativos que não os que constam da Lei n.º 62/2011, uma vez que não têm qualquer relevância no litígio que nos ocupa.

X. Tendo o presente processo sido objecto de recurso, a 30.06.2011, o Tribunal Central Administrativo concedeu provimento parcial ao recurso e ordenou a baixa dos autos à primeira instância por considerar ser “indispensável para a apreciação do requisito do periculum in mora a produção da prova testemunhal.” Y. No entanto, de acordo com a decisão do Tribunal de primeira instância – ignorando e desrespeitando totalmente o Acórdão de 30.06.2011, incorrendo em erro de julgamento – a providência cautelar requerida foi julgada totalmente improcedente.

Z. Conforme resulta do capítulo II das alegações de recurso e, em termos sintéticos, das conclusões D, a matéria de facto foi, efectivamente, impugnada.

AA. Mais, a decisão do tribunal recorrido padece de erro (manifesto) de julgamento, na medida em que se indicaram os concretos pontos de facto que foram considerados incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT