Acórdão nº 0928/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Novembro de 2012

Data15 Novembro 2012
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, invocando oposição de julgados, recorre para este Tribunal Pleno do acórdão, de 12.4.2012, da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul que, revogando sentença do Tribunal Administrativo do Circulo de Almada, declarou a nulidade do despacho, de 25.11.2004, daquele Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que indeferiu o recurso hierárquico do acto do Director Geral dos Impostos, pelo qual foi aplicada à ora recorrida A……, funcionária da Direcção Geral dos Impostos, melhor identificada nos autos, «a pena disciplinar de suspensão de 150 dias, por nulidade consequente, da acusação nula, por violação dos artigos 42º, nº 1 e 59º, nº 4, do ED».

Segundo a entidade recorrente, a invocada oposição verifica-se entre o acórdão recorrido, de 12.4.2012, e o acórdão a mesma Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23.4.2009, proferido no processo nº 02909/07.

Apresentou alegação (fls.384, ss., dos autos), com as seguintes conclusões:

  1. Existe contradição, sobre a mesma questão fundamental de direito, entre o Acórdão Impugnado e o Acórdão da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23-04-2009 (Pº 02909/07), que se indica como Acórdão Fundamento.

  2. A “mesma questão fundamental de direito” a que alude o art. 152º nº1 do CPTA é, no caso sub judice, a da validade da acusação – que remete para folhas do respectivo processo disciplinar, para efeitos de indicação dos “meios de prova” que a suportam –, deduzida em processo disciplinar, atento o disposto no art. 59º nº 4 do EDFAACRL, aprovado pelo Decreto-lei nº24/84, de 16 de Janeiro.

  3. O douto Acórdão Impugnado, em face da acusação reformulada que, em dois artigos, remete para folhas dos autos de processo disciplinar - para efeitos de indicação dos “meios de prova” que a suportam - acordou de forma contraditória com o Acórdão Fundamento.

  4. Considerou o douto Acórdão Impugnado que essa remissão para folhas dos autos importa que “Em suma, a acusação é nula, por não estar cumprido o exigido nos artigos 42º, nº 1 e 59º nº 4 do ED” e, consequentemente, acordou “conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida”, ao passo que o Acórdão Fundamento, face a uma situação idêntica – acusação em que, em vários artigos, remetia para folhas dos autos de processo disciplinar, para efeitos de indicação dos “meios de prova” que a suportam (vide cópia do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 20/12/2006, que acompanha o Acórdão Fundamento) — considerou que “aquela acusação (...) contém todos os elementos que deve conter por força do artigo 42º do ED”, mesmo com as referidas remissões, e, consequentemente, acordou “negar provimento ao recurso jurisdicional interposto e confirmar o Acórdão recorrido, revogando a decisão recorrida”.

  5. Quer o Acórdão Impugnado, quer o Acórdão Fundamento, debruçaram-se sobre a referida “questão fundamental de direito”, tendo aquele se pronunciado em sentido contraditório com o do Acórdão Fundamento, sem que entre essas decisões se tenha verificado qualquer alteração legislativa, logo, ambos os Acórdãos foram proferidos com base na mesma legislação.

  6. Verifica-se identidade ao nível da situação de facto subjacente a cada um desses Acórdãos, na medida em que, quer a acusação reformulada referida no Acórdão Impugnado (art.s 4º e 5º), quer a acusação referida no Acórdão Fundamento (art.s 15º, 16º e 20º), contêm artigos que remetem para folhas dos respectivos autos de processo disciplinar – para efeitos de indicação dos “meios de prova” que suportam a acusação.

  7. Atentando, especialmente, na contradição existente entre o douto Acórdão Impugnado e o Acórdão Fundamento, quanto à “mesma questão fundamental de direito” aquele considerou que “Ora, a mera remissão para os elementos constantes do procedimento não basta para que se deva ter por cumprido o exigido nos artigos 42º, nº1 e 59º, nº 4, do ED.”- pág. 8 do referido Acórdão - e que “A simples remissão para os elementos constantes do procedimento administrativo não basta para que, num processo disciplinar, onde as garantias de defesa ganham uma intensidade máxima, se tenha por cumprido o pleno direito de defesa do arguido.”- pág. 14 do referido Acórdão -, concluindo que “Em suma, a acusação é nula, por não estar cumprido o exigido nos artigos 42º, nº 1 e 59º nº4 do ED”- mesma página.

  8. A final, o douto Acórdão Impugnado acordou em “conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida”, em sentido contraditório com a decisão do Acórdão Fundamento.

  9. No Acórdão Fundamento, considera-se que “Nos artigos 18º a 29º da acusação (...) ficou bem explicitada em que consistiu a conduta infraccional da então arguida, sendo reflectora da ofensa dos deveres expressamente ali referidos. Os factos encontram-se bem discriminados, ao contrário do que alega a Recorrente.”- pág. 19 do Acórdão fundamento - que “De igual modo, ao contrário do que sustenta a ora Recorrente, não ocorre qualquer ofensa do princípio do contraditório.

    Com efeito, a acusação menciona expressamente os meios de prova em que assenta a convicção da entidade detentora do poder disciplinar, através da remissão para as folhas do processo em que essa prova está indiciariamente feita. A nota de culpa é clara, suficiente, precisa e congruente. A então arguida, ora Recorrente pode exercer o princípio do contraditório, uma vez que lhe foi garantida a possibilidade de defender a sua posição e de contrariar a acusação (...). A acusação não contém juízos de valor nem considerações conclusivas. Do mesmo modo, à então arguida, não foi coarctado o exercício do contraditório. (...) Concluímos do exposto que o processo disciplinar não padece de qualquer nulidade insuprível (...)” – págs. 20 e 21 do Acórdão fundamento, sendo o sublinhado da nossa autoria.

  10. A final, o Acórdão Fundamento decidiu “negar provimento ao recurso jurisdicional interposto e confirmar o Acórdão recorrido, revogando a decisão recorrida”.

  11. É neste sentido - do Acórdão Fundamento - que, no entender da Entidade Recorrente, deve ser proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito do presente recurso, por ser o entendimento que melhor traduz a mens legislatoris do nº4 do art. 59º do EDFAACRL.

  12. A letra da lei do nº 4 do artigo 59º do EDFAACRL não alude “aos meios de prova”, ou “aos elementos de prova”, mas apenas que a acusação “deverá conter a indicação” dos “factos integrantes da mesma, bem como das circunstâncias de tempo (…)”, sendo que a letra da lei traduz, de forma fiel, o espírito do legislador.

  13. Como sucede em processo penal - que é o processo matriz de todos os direitos sancionatórios, de que o processo disciplinar é uma espécie -, aplicável subsidiariamente ao procedimento disciplinar, basta que a acusação de um processo disciplinar - à semelhança do que sucede com uma acusação em processo crime - faça mera referência, às folhas do respectivo processo, em que cada artigo se encontra suportado, ou considerado comprovado para o Instrutor, para que a acusação seja válida, à luz do art. nº 4 do artigo 59º do EDFAACRL.

  14. Se tivesse sido intenção do legislador que a acusação tivesse, necessariamente, de transcrever o conteúdo de cada folha para que remete - como “meio de prova”, ou “elemento de prova” da acusação - tê-lo-ia expressamente afirmado, no nº 4 do art. 59º do ED, o que não fez.

  15. Aliás, a adoptar-se tal técnica - transcrição do conteúdo de cada folha para que se remete -, ao arrepio da acusação deduzida em processo penal e da prática em processo administrativo - em que é pacificamente aceite a fundamentação de um acto administrativo por remissão para outro documento, ou fundamentação “per relationem”-, a acusação teria, certamente, uma dimensão superior e, como tal, seria mais complexa, por implicar um maior esforço na compreensão dos factos e das “circunstâncias” referidas no nº4 do art. 59º do EDFAACRL.

  16. Se a acusação transcrevesse cada folha do processo disciplinar para que remete - como seja um auto de declaração, um auto de acareação, ou excertos destes, ou qualquer outro elemento, designadamente documentos - é inquestionável que o arguido teria de efectuar um esforço maior, para não dizer considerável, para destrinçar os factos, ou a conduta infraccional que lhe são efectivamente imputados, dos demais elementos - ou “elementos de prova”.

  17. A cada passo, ou em cada artigo da acusação, o arguido teria de distinguir, no meio de várias afirmações – de declarações de terceiros, do próprio, ou de excertos de documentos – quais os factos que lhe são, efectivamente imputados, pelo Instrutor.

  18. Ora, é inquestionável que essa técnica abriria a porta ao subjectivismo, ou seja a interpretações não objectivas, ou não exactas, do libelo acusatório, o que o legislador quis evitar a todo o custo, maxime no nº 4 do art. 59º, cominando com nulidade insuprível do processo disciplinar a “falta de audiência do arguido em artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas (…)”- nº 1 do art. 42º do ED.

  19. A Doutrina e a Jurisprudência têm vindo a considerar que se verifica a acima referida nulidade insuprível quando a acusação, ou nota de culpa, não é clara, ou não é suficiente, ou não é precisa, ou é incongruente, ou apresenta mais do que uma dessas características.

  20. Assim, o Acórdão Fundamento efectuou uma interpretação correcta do nº 4 do art. 59º do EFAACRL, ao ter considerado que “Com efeito, a acusação menciona expressamente os meios de prova em que assenta a convicção da entidade detentora do poder disciplinar, através da remissão para as folhas do processo em que essa prova está indiciariamente feita”, o que não obstou a que tenha considerado que “A nota de culpa é clara, suficiente, precisa e congruente.” U) Da consulta efectuada ao site do ITIJ, não se logrou detectar qualquer outro Acórdão desse Venerando...

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