Acórdão nº 0622/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução15 de Novembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) interpôs o presente recurso do acórdão da Subsecção que, julgando procedente a acção administrativa especial deduzida pelo Dr. A……, …… identificado nos autos, anulou o acto do recorrente, de 11/5/2011, que aplicara ao autor a pena disciplinar de multa, graduada em 60 dias.

O recorrente terminou a sua alegação de recurso oferecendo as conclusões seguintes:

  1. Os requerimentos entrados na secretaria do CSTAF, entre Abril e Maio de 2010, constituíam uma alegação genérica, de morosidade na tramitação dos processos n.°s 83/05.7BE….., 70/06.8BE…., 299/07.IBE….. e 299/05.6BE….., a correrem trâmites no TAF de …., solicitando a intervenção do CSTAF.

  2. Dada essa invocação/apreciação genérica, e para comprovação da efectiva existência dos atrasos invocados, foi solicitada, informação acerca da respectiva situação/tramitação processual ao Presidente do Tribunal.

  3. A qual foi objecto de análise nas Informações n°s. 73/2010, 74/2010, 75/2010, todas de 14 de Junho, e 80/2010, de 24 de Junho, que se dão aqui por integralmente reproduzidas, com alguns dados relativos à tramitação dos processos referidos e à estatística mensal no TAF de ……., relativa ao A..

  4. Tais elementos não constavam dos requerimentos apresentados, sendo que só com os dados provindos do TAF de ……. foi possível confirmar a existência de paragens e atrasos naqueles processos, bem como tomar conhecimento dos valores de produtividade do A. nos anos de 2009 e de Janeiro a Abril de 2010.

  5. Foi na sessão de 7 de Julho de 2010 que o CSTAF foi confrontado com factos como as datas da prática dos actos processuais nos processos identificados, bem como os intervalos de tempo entre eles; os números de produtividade do A.; os dados relativos à sua assiduidade.

  6. Só então foram levados ao conhecimento do órgão colegial. detentor do poder disciplinar sobre os magistrados, os factos reais — e não meras alegações não comprovadas — justificativos da criação de uma suspeita de relevância disciplinar dos mesmos (cfr. Acórdão do STA, de 19.03.2009, Proc. n.° 0867/06).

  7. A suspeita consiste na dúvida razoável ou justificada da relevância disciplinar de certos factos, ou seja, já tem de se ter apurado como verdadeiro um mínimo de substrato material que possa ser enquadrado como infracção disciplinar.

  8. A dúvida (= suspeita) tem de recair sobre a existência ou não de infracção disciplinar, ou melhor dizendo, sobre a relevância disciplinar daqueles factos, mas não sobre a efectiva ocorrência ou veracidade dos factos.

  9. Daí que os factos invocados nos requerimentos apresentados por partes processuais – e portanto não imparciais – não podiam ser dados automaticamente como verdadeiros, impondo-se a confirmação da sua correspondência à realidade.

  10. E só com base nessa realidade factual apurada, por via das referidas Informacões – de que existiam grandes hiatos temporais de paragem nos processos identificados, e demoras na prática de actos processuais – poderia ser construída ou alicerçada a suspeita de tal realidade ser resultado da violação de deveres profissionais por parte do magistrado titular desses processos.

  11. “Considera-se infracção disciplinar o comportamento do trabalhador, por acção ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce” (n.° 1 do artigo 3.° do ED).

  12. A suspeita tem pois de recair sobre a existência de um comportamento ilícito e culposo (cfr. Acórdão do STA, de 21.03.2006, Proc. n.° 0708/03).

  13. Mas, com o conhecimento do teor das Informações pelo CSTAF, nada mais se formou, ou podia formar, do que uma suspeita.

  14. Não havia uma certeza do cariz disciplinar dos factos, nem sequer convicção.

  15. Com efeito, tais factos poderiam ter uma explicação distinta que não a correspondente à violação de deveres funcionais.

  16. Impunha-se conhecer a realidade relativa ao TAF de …… e seu funcionamento, quer em termos de condições físicas, quer de meios humanos, bem como as condições pessoais do Autor.

  17. Daí a necessidade de instaurar processo de inquérito, como aconteceu na referida sessão de 7 de Julho, com a realização, entre outras, das diligências descritas no presente articulado (artigos 38.° a 44°).

  18. Os trabalhos instrutórios tiveram início em 16 de Julho e terminaram no dia 6 de Setembro, tendo o processo de inquérito decorrido durante o período de Verão, em férias judiciais, sem interrupções, de forma diligente.

  19. E só com as diligências desenvolvidas no âmbito desse inquérito foi possível ter exacta percepção da infracção em causa.

  20. Só então foi possível constatar a dimensão e gravidade da morosidade processual no serviço prestado pelo A., que ia bem para além dos processos judiciais identificados nos requerimentos de Abril e Maio de 2010, bem como os seus baixos níveis de produtividade.

  21. As Informações continham apenas alguns dados sobre a tramitação dos processos específicos sobre os quais foi alegada morosidade, dados sobre assiduidade do A. e dados estatísticos relativos ao serviço do A. em 2009 e de Janeiro a Abril de 2010, sem elementos comparativos (níveis de produtividade e celeridade dos colegas do TAF de …….) e sem dados relativos às condições, funcionamento e volume de serviço do Tribunal .

  22. Assim, só depois de feita uma análise global dos factores referidos, apurados em sede de inquérito, em especial das pendências e volume de serviço de cada magistrado do Tribunal, e dos atrasos de serviço, bem como da exacta tramitação dos processos relativamente aos quais foi alegada morosidade, foi possível concluir que: W) O serviço do A., na sua globalidade, apresentava baixos níveis de produtividade.

  23. Essa reduzida produtividade manteve-se ao longo do tempo, ou seja, tratava-se de um comportamento de cariz continuado.

  24. Pautado ainda por excessiva morosidade processual em termos gerais, e não só nos processos identificados nos requerimentos de Abril e Maio de 2010.

  25. E de um comportamento sem paralelo no tribunal, feita que foi uma análise comparativa com os níveis de produtividade e celeridade dos colegas do Tribunal.

    A

  26. Comportamento esse, até onde foi possível averiguar, sem causas justificativas.

    BB) Só com o inquérito foi possível conhecer a amplitude e intensidade do comportamento do A., e assim caracterizar devidamente a infracção disciplinar.

    CC) O inquérito foi necessário, pois trouxe à luz novos elementos que permitiram converter a suspeita em convicção da existência de uma infracção disciplinar, e daí a conversão do inquérito em procedimento disciplinar, para se atingir (ou não) uma certeza quanto à responsabilidade disciplinar do A..

    DD) Até então, mais não havia do que um conhecimento meramente naturalístico dos factos, desprovido de carga valorativa da ilicitude disciplinar.

    EE) Para contagem do prazo de prescrição, não basta o “conhecimento material dos factos que, abstractamente, possam ser subsumíveis num ilícito disciplinar mas sim um conhecimento que já comporte uma valoração de ilicitude disciplinar.” (Acórdão do STA, de 14.02.2008, Proc. n.° 0440/07).

    FF) Tal conhecimento ainda não existia com as Informações prestadas, surgindo apenas com a análise dos resultados do inquérito, o que ditou o procedimento disciplinar, com a imediata dedução de acusação, constituindo o processo de inquérito a parte instrutória do processo disciplinar.

    GG) Sendo que outro poderia ter sido o resultado, concluindo-se pelo arquivamento, sem ter de sujeitar o A. aos custos e desgaste de um processo disciplinar.

    HH) O inquérito pode ser suficiente para afastar a suspeita e, sem maiores esforços probatórios por parte do visado, pôr um ponto final no processo.

    II) Evitando-se assim um processo disciplinar injustificado ou imerecido, penalizador para quem é por ele visado.

    JJ) Já, pelo contrário, se se confirmarem as suspeitas, as diligências efectuadas podem ser aproveitadas e, como aconteceu no caso em apreço, ser o inquérito convertido em parte do processo disciplinar, pelo que o tempo despendido no inquérito integra-se no processo disciplinar sem que haja duplicação de diligências, em nome de uma maior eficiência e celeridade.

    KK) Com a dedução imediata de uma acusação séria e sustentada, em 7 de Outubro de 2010.

    LL) Invocando dados concretos e pormenorizados quanto à tramitação processual de cada um daqueles processos específicos, identificados inicialmente; dados relativos aos atrasos e sua duração; bem como dados de produtividade e pendências relativos ao A. e aos colegas, desde 2004, para uma análise comparativa.

    MM) Uma breve comparação entre o teor das Informações e o teor da acusação — suportada, como foi, nas diligências feitas em sede de inquérito – permite concluir que, sem o inquérito, não teria sido possível apurar os factos necessários para formar a convicção de existência de infracção disciplinar e deduzir uma acusação fundamentada em termos de circunstâncias de tempo, modo e lugar, e certeza (relativa) da gravidade e culpa do A. na prática dos factos.

    NN) Acusação essa que visou um comportamento continuado e grave de reduzida produtividade por parte do A. e de excessiva morosidade processual, no qual se incluíam os factos inicialmente invocados nos requerimentos de Abril e Maio de 2010 e nas Informações subsequentes, mas que ia bem para além deles.

    OO) Os factos invocados nos requerimentos e confirmados pelas Informações foram apenas uma parte integrante do conjunto dos factos constitutivos da infracção disciplinar de que o A. foi acusado, relevando muitos outros elementos apurados só em sede de inquérito, essenciais para a caracterização da infracção em termos de amplitude e intensidade.

    PP) Só com o inquérito foi possível conhecer a infracção na sua totalidade e em toda a sua dimensão.

    QQ) Sem que o A. tivesse logrado afastar a responsabilidade disciplinar.

    RR) O processo de inquérito foi o meio necessário para apurar infracções pelas quais o...

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