Acórdão nº 0649/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução28 de Novembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.1 A……. (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrido) apresentou impugnação judicial na sequência do indeferimento da reclamação graciosa que deduziu contra a liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2004, que lhe foi efectuada na sequência da correcção da matéria tributável por a Administração tributária (AT) ter considerado que o Contribuinte excluiu indevidamente do englobamento 50% dos rendimentos que lhe advieram da redacção de crónicas publicadas em jornais, que considerou enquadrarem-se na previsão do art. 56.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção em vigor à data (Actualmente, e após a republicação do EBP pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, corresponde-lhe o art. 58.º.

).

Pediu ao Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa a anulação daquele acto por considerar que os seus referidos escritos são subsumíveis ao conceito de obra literária constante naquele preceito legal e, como tal, beneficiam do desagravamento (não sujeição parcial) de IRS nele previsto.

1.2 A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação judicial procedente. Para tanto, em resumo, considerou que aquelas crónicas integram o conceito de obra literária, pelo que os rendimentos auferidos pelo Contribuinte com a redacção das mesmas se enquadram na previsão do art. 56.º do EBP.

1.3 A Fazenda Pública recorre da sentença para o Supremo Tribunal Administrativo e o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «4. Conclusões 4.1 – O presente recurso, visa reagir contra a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, julgando procedente a impugnação deduzida, e em consequência, condenando a Fazenda Publica no pedido.

4.2 – Após determinar que a questão a decidir seria a de apurar se os rendimentos auferidos ano de 2004, pela redacção de crónicas nos jornais “……..” e “…….”, são susceptíveis de enquadramentos no artigo 58.º, n.º 1 do EBF (à data artigo 56.º).

4.3 – Compulsando os autos, constata-se, contrariamente, ao entendimento do Tribunal “a quo”, que a posição da AT teve por base fundamentos definidos no ordenamento legal, nomeadamente no Código dos Direitos de Autor e de Direitos Conexos e no Estatuto dos Benefícios Fiscais (sublinhando o seu enquadramento histórico), por onde se constata que as crónicas jornalísticas, na senda do defendido no douto Parecer do Ministério Publico, não se enquadram na definição de “obra literária”, demonstrando-se assim que os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo, no âmbito da prestação de serviços jornalísticos como colaborador de diversos jornais, não podem beneficiar do desagravamento fiscal previsto no artigo 58.º do EBF.

4.4 – Do exposto, resulta que não andou bem o Tribunal neste âmbito, ao proferir a sua decisão baseada no erro de interpretação do conceito de “carácter literário”, violando o direito aplicável, no caso errada interpretação do art. 58.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais».

1.5 O Impugnante não contra alegou.

1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação (Por razões de ordem prática, as notas de rodapé serão transcritas no próprio texto entre parêntesis rectos.

): «A questão controvertida consiste em saber se as crónicas jornalísticas que estiveram na génese dos rendimentos sujeitos a tributação têm ou não carácter literário para os efeitos do estatuído no artigo 58.º do EBF.

Nos termos do estatuído no artigo 42.º da CRP é livre a criação intelectual sendo que essa liberdade compreende o direito à produção da obra literária, incluindo a protecção legal dos direitos de autor.

Nos termos do disposto no artigo 1.º do CDADC consideram-se obras as criações intelectuais no domínio literário, por qualquer modo exteriorizadas, que como tais são protegidas nos termos do CDADC, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores, sendo certo que, para efeitos do código, a obra é independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração.

De acordo com o disposto no artigo 2.º do mesmo código as criações intelectuais do domínio literário compreendem, nomeadamente, livros, folhetos, revistas e outros escritos.

São excluídos de protecção, nos termos do artigo 7.º do CDADC, as notícias do dia e os relatos de acontecimentos diversos com carácter de simples informações de qualquer modo divulgados.

Por força do estatuído no artigo 174.º do CDDC o direito de autor sobre trabalho jornalístico produzido em cumprimento de um contrato de trabalho que comporte identificação de autoria, por assinatura ou outro meio, pertence ao autor.

“Na literatura e no jornalismo, uma crónica (português europeu) ou crônica (português brasileiro) é uma narração curta, produzida essencialmente para ser veiculada na imprensa, seja nas páginas de uma revista, seja nas páginas de um jornal. Possui assim uma finalidade utilitária e predeterminada; agradar aos leitores dentro de um espaço sempre igual e com a mesma localização, criando-se assim, no transcurso dos dias ou das semanas, uma familiaridade entre o escritor e aqueles que o lêem.

A palavra crónica deriva do Latim chronica que significava, no início do cristianismo, o relato de acontecimentos em sua ordem temporal (cronológica). Era, portanto, um registro cronológico de eventos.

No século XIX, como desenvolvimento da imprensa, a crónica passou a fazer parte dos jornais. Ela apareceu pela primeira vez em 1799 no Journal des Débats, publicado em Paris.

A crónica é, primordialmente, um texto escrito para ser publicado no jornal. Assim o facto de ser publicada no jornal já lhe determina vida curta, pois à crónica de hoje seguem-se outras nas próximas edições.

Há semelhanças entre a crónica e o texto exclusivamente informativo. Assim como o repórter, o cronista se inspira nos acontecimentos diários, que constituem a base da crónica. Entretanto, há elementos que distinguem um texto do outro. Após acercar-se desses acontecimentos diários, o cronista dá-lhes um toque próprio, incluindo em seu texto elementos como ficção, fantasia e criticismo elementos que o texto essencialmente informativo não contém.

Com base nisso, pode-se dizer que a crónica situa-se entre o jornalismo e a literatura, e o cronista pode ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia-a-dia.

A crónica, na maioria dos casos, é um texto curto e narrado em primeira pessoa, ou seja, o próprio escritor está «dialogando» com o leitor. Isso faz com que a crónica apresente uma visão totalmente pessoal de um determinado assunto: a visão do cronista. Ao desenvolver seu estilo e ao seleccionar as palavras que utiliza em seu texto, o cronista está transmitindo ao leitor a sua visão de mundo. Ele está, na verdade, expondo a sua forma pessoal de compreender os acontecimentos que o cercam” 1.

[1http://wikipedia.org/wikiCr%C3%B4nica (literatura e jornalismo)].

Na definição de António José Saraiva e Óscar Lopes 2 [2 História da Literatura Portuguesa, pág. 7] “Uma obra pode considerar-se literária na medida em que, além do pensamento lógico, discursivo, abstractamente conceptual, adequado a problemas científicos, filosóficos e, em geral, doutrinários, estimular também os impulsos mais afectivos...

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