Acórdão nº 0417/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução05 de Julho de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A……, LDA., com os demais sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso da sentença do TAF de Almada prolatada na impugnação judicial deduzida contra actos de autoliquidação de IVA relativos aos 1º, 2º e 3º trimestres do exercício de 2002, mantendo, assim, a decisão de procedência da excepção da caducidade do direito de acção por violação do prazo consignado no artigo 131º. do CPPT, absolvendo, por força disso, a Fazenda Pública «da instância».

1.1.

Terminou as alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo: I.

O presente recurso vem interposto do Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que julgou verificada a caducidade do direito de acção, por violação dos prazos consignados no artigo 131º do CPPT, no caso de uma Impugnação Judicial que versa sobre autoliquidações de IVA relativas ao 1º, 2º e 3º trimestres do exercício de 2002 (cfr. nºs. 1 a 4 da matéria de facto provada (…) e apresenta as seguintes causas de pedir: 1- A ilegalidade das autoliquidações de IVA efectuadas em 16/9/2005 e respeitantes a IVA do 1º e 2º Trimestres de 2002, devido a alegada caducidade do direito de liquidação; 2- A ilegalidade da liquidação de juros de mora devido a alegado erro nos pressupostos para a sua estruturação.

II.

Salvo o devido respeito, a ora Recorrente não se conforma com tal interpretação da lei processual, que reputa de ilegal, pela seguinte ordem de razões que se enumeram: − O facto de se tratar de dívida tributária (IVA) objecto de autoliquidação não importa automática e exclusivamente a aplicação do figurino processual do artigo 131.º do CPPT, no que respeita à engrenagem adjectiva da sua reapreciação administrativa e contenciosa (reclamação graciosa e/ou impugnação judicial); − No âmbito da autoliquidação de uma obrigação tributária, o artigo 131º. do CPPT tem restrita a sua aplicação aos casos de erro (de facto e/ou de direito) na autoliquidação; o que não será o caso, conforme se demonstrará infra; − A causa de pedir e o pedido que sempre acompanharam e motivaram, quer a Reclamação Graciosa, quer posteriormente a Impugnação Judicial, os quais foram expressamente reconhecidos no artigo 4º supra, não se reconduzem aos casos de erro na autoliquidação; e conforme se explicará melhor, tão pouco todos os pedidos respeitam a reapreciação da autoliquidação (caso da liquidação administrativa/oficiosa dos juros); − Dispondo o contencioso tributário de um amplo leque de meios processuais de reapreciação/revisão dos actos tributários, até atendendo ao princípio da tipicidade e adequação do meio processual (cfr. artigo 2º., n.º 2 do CPC), a (im)propriedade de cada um deles aferir-se-á sempre pelo concreto pedido e causa de pedir dirigidos pelo sujeito passivo à Administração Tributária/ Tribunal; − No seio daquele contencioso, a reclamação graciosa e a impugnação judicial experimentam igualmente acomodação adjectiva (consoante os respectivos fundamentos ali acolhidos) nos artigos 68º. 70º., 99º e 102.º do CPPT, que a ora Recorrente sempre invocou; − Ao caso dos autos, tal como sempre entendeu e continua a pugnar a Recorrente, deve ser aplicado o regime geral estatuído nos artigos 68º, 70º, 99º e 102º do CPPT, até porque um dos pedidos concerne a liquidação oficiosa promovida pela Administração Tributária (que não é manifestamente uma autoliquidação); − Promovendo os princípios da economia e simplificação processual a possibilidade de cumular pedidos (cfr. artigo 104º do CPPT) - in casu - cumular um pedido de ilegalidade do acto de autoliquidação com um pedido de declaração de ilegalidade da liquidação oficiosa de juros - desde que não rejeitada tal identidade, mal se compreende depois que o regime processual se deva trilhar exclusivamente e in totum pelo figurino privativo do artigo 131º. do CPPT.

III. O objecto do presente Recurso está assim balizado: No âmbito de uma dívida tributária autoliquidada, caso o sujeito passivo pretenda ver apreciada a questão da legalidade do seu acto tributário (com fundamento exclusivo em caducidade do direito de liquidação) e, bem assim, a legalidade da liquidação oficiosa de juros (com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito/facto - natureza compensatória vs moratória) deve ser aplicado (exclusivamente) o regime do artigo 131.º do CPPT que respeita aos casos de “erro na autoliquidação”, ou pelo contrário, deve ser aplicado, atentos os fundamentos invocados e causa de pedir, o regime geral com assento nos artigos 68º n.º 2, 70.º 99º e 102.º do CPPT? IV. Deve hoje considerar-se definitivamente sanada, por ultrapassada, qualquer relutância na admissão de um terceiro grau de jurisdição aplicável ao contencioso tributário por força do regime subsidiário repousado nas disposições de direito processual administrativo, sede própria onde é contemplado, conforme vem sufragando este Venerando Tribunal, “o recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA é admissível no âmbito do contencioso tributário” - Acórdão de 14.12.2011, Processo n.º 01075/11, cfr. igualmente os arestos de 30.05.2007, Processo n.º 0285/07; 28.10.2009, Processo n.º 0737/09; 16.06.2010, Processo n.º 0296/10 e 16.11.2011, Processo n.º 0740/11.

V.

Com o presente recurso, a Recorrente visa provocar uma legítima e definitiva (pacificadora) interpretação jurisprudencial do objecto e delimitação de aplicação do artigo 131º do CPPT, designadamente, pela definição das fronteiras estabelecidas entre si (regime particular) e o regime geral consignado nos citados artigos.

VI.

É quase dispensável, por evidente, aludir ao carácter embrenhado e reticular do contencioso tributário, dado que a complexidade e onerosa articulação interna entre os seus vários meios processuais, vias de reacção legalmente admissíveis e respectivos prazos de arguição, sempre constituiu um facto sobejamente conhecido.

VII. E tão conhecido quanto especialmente grave, dado que a Lei Fundamental não autoriza, por impraticável, a estatuição de uma labiríntica engrenagem processual para o exercício dos mais elementares direitos do sujeito passivo, tanto mais que o contencioso tributário, ao contrário de outros, não carece sempre da representação por mandatário judicial (cfr. artigo 6. do CPPT).

VIII. É firme entendimento da Recorrente que a articulação entre o regime geral da Reclamação Graciosa e Impugnação Judicial (cfr. artigos 68º, 70º, 99º e 102º, todos do CPPT) e o regime particular estatuído no artigo 131º do CPPT carece de uma pronúncia pacificadora e explícita, maxime, quando os fundamentos, pedidos e causas de pedir sustentadas pelo sujeito passivo/impugnante não se projectam (pelo menos directamente) nos pressupostos reclamados pelo regime especial; isto mesmo, quando estamos perante um caso de autoliquidação...

IX. Conforme sanciona a mais autorizada Doutrina, o próprio artigo 131º do CPPT dá flanco às mais pertinentes críticas quanto à sua coerência interna e articulação com o regime geral.

“Na verdade, apesar da incongruência que existe no estabelecimento de prazos distintos de impugnação judicial e de reclamação graciosa, a interpretar-se o nº. 3 do art. 131º como manifestação de uma opção legislativa no sentido da aplicação do «regime normal» de impugnação nos casos em (sic) que estiver em causa apenas matéria de direito e o contribuinte tenha seguido orientações genéricas da administração tributária, seria corolário dessa opção pelo afastamento do regime especial de impugnação de actos de liquidação que a reclamação graciosa também se fizesse nos termos normais previstos nos arts. 692º e seguintes do CPPT. No entanto, esta interpretação lógica no sentido de que, quando estiver em causa apenas matéria de direito e o contribuinte tenha seguido orientações genéricas da administração tributária, os prazos de impugnação judicial e de reclamação graciosa seriam os normais, previstos nos arts. 70º. e 102º, é inconciliável com a indicação feita na parte inicial do n.º 3 do art. 131.º de que o que a/se estabelece é «sem prejuízo do disposto nos números anteriores», o que se traduz na possibilidade de reclamação graciosa no prazo de dois anos”.

E prossegue o Ilustre A., “aliás, não se justificaria adoptar um prazo curto para a reclamação graciosa com base em fundamentos de direito e um prazo mais longo para a reclamação graciosa que inclui no seu objecto matéria de facto, cumulada ou não com matéria de direito, pois, o contribuinte facilmente poderia beneficiar deste prazo mais longo, mesmo que a sua discordância real assentasse apenas em matéria de direito, bastando para isso «inventar» discordância com qualquer matéria de facto para juntar ao seu fundamento de direito, o que, naturalmente, não representaria dificuldade apreciável… (...) Por outro lado, se não há razões de segurança jurídica que, nestes casos de autoliquidação em que está em causa matéria de direito e se seguiram orientações genéricas da administração tributária, exijam uma restrição a 90 dias do prazo de impugnação judicial, a imposição desnecessária da perda do direito de impugnação contenciosa directa será incompaginável com os princípios constitucionais da necessidade e proporcionalidade (art. 18º, n.º 2, da CRP). Por isso, é duvidosa a constitucionalidade da fixação de prazo feita no nº 3, e a considerar-se que é inconstitucional deverá admitir-se a possibilidade de deduzir impugnação judicial até ao prazo de dois anos.

Ainda por outro lado, não se pode encontrar qualquer justificação razoável para que, decorrido o prazo de 90 dias, se vá impor ao contribuinte a apresentação de uma reclamação graciosa para recuperar a possibilidade de impugnação judicial quando a previsão da possibilidade de impugnação contenciosa directa prevista no n.º 3 só se pode justificar porque, nesses casos, na perspectiva legislativa, ela...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT