Acórdão nº 0169/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução05 de Junho de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A……, já devidamente identificada nos autos, recorre, ao abrigo disposto no art. 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido a fls. 617-645, invocando oposição com o julgado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Novembro de 1992, cuja certidão consta a fls. 778-795 dos autos.

1.1. Apresenta alegação com as seguintes conclusões: A) Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, que negou o fundamento ao Recurso de Apelação interposto pela ora Recorrente, mantendo a sentença recorrida, embora com fundamentos diversos, e, em consequência, absolveu o ora Recorrido do pedido, negando a atribuição de indemnização (apesar de reconhecido o direito a essa mesma indemnização) à ora Recorrente.

  1. O presente recurso é interposto ao abrigo do artigo 152° do CPTA, assume a natureza de recurso de uniformização de jurisprudência e tem por fundamento a contradição entre duas decisões judiciais sobre uma mesma questão de direito: saber se a cessação do mandato de gestores de um órgão de administração determinada sob a forma de Decreto-lei, que aprovou os novos Estatutos de uma pessoa colectiva detida única ou maioritariamente pelo Estado, na sequência da transformação da sua natureza iurídica, também ela operada através de DecretoLei, é imputável ao Estado-Legislador ou ao Estado-Accionista da pessoa colectiva transformada.

  2. Trata-se, no fundo, de saber se a cessação de mandatos dos gestores de um órgão administrativo de uma pessoal colectiva, cujo único accionista é o Estado, determinada ope legis (por Decreto-Lei) pelo mesmo Estado (aqui já nas vestes de legislador) e, em consequência, da transformação da natureza jurídica da referida pessoa colectiva, é imputável ao Estado-Legislador ou ao Estado-Accionista e, por conseguinte, à pessoa colectiva de quem o Estado é o único accionista.

  3. O caso concreto, à imagem de tantos outros semelhantes, enquadra-se na cessação de mandatos de gestores determinada por decreto-lei, decorrente da transformação da natureza jurídica de pessoas colectivas detidas única ou maioritariamente pelo Estado, independentemente de ter ou não decorrido o tempo da sua nomeação e independentemente da actuação desses mesmos gestores, ou seja, independentemente da verificação de causa de cessação de mandato que lhes seja imputável.

  4. A referida cessação ocorrida antes do decurso do prazo para o qual o mandato foi constituído e sem causa imputável ao respectivo gestor (ainda que legalmente determinada) consubstancia um facto gerador de danos na esfera iurídica das pessoas singulares que tem, como consequência, o nascimento da obrigação de indemnizar.

  5. Destarte, resulta claro que a questão objecto do presente recurso se enquadra no âmbito do instituto da responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito público, por actos de gestão pública e privada, sendo certo que a contradição entre acórdãos se reconduz a saber se essa obrigação de indemnização recai sobre (i) o Estado-Legislador (ou seja, se é originada no âmbito do exercício da função legislativa) ou sobre (ii) o Estado-Accionista e, por conseguinte, sobre a pessoa colectiva do qual o Estado é Accionista Único e/ou maioritário (ou seja, se é originada no âmbito do exercício da função administrativa).

  6. Este enquadramento é de suma importância pelo seguinte motivo: até ao dia 1 de Janeiro de 2004, com a entrada em vigor do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro (doravante ETAF), as questões relativas à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, por actos de gestão privada, eram da competência da jurisdição comum, sendo que a partir daquela data passou a ser da competência dos tribunais administrativos e fiscais, independentemente de tal responsabilidade decorrer de actos de gestão pública ou de actos de gestão privada - cfr. Acórdão do Tribunal de Conflitos de 26.10.2006 e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.09.2008 (este último tratando de uma questão exactamente igual à dos presentes autos, variando apenas a identidade - não a qualidade - do Autor/Recorrente), ambos disponíveis em www. dgsipt.

  7. E dúvidas não restam de que a situação dos presentes autos se enquadra no instituto da responsabilidade extracontratual do Estado por actos de gestão privada - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.09.2008.

  8. Trata-se, assim, de uma transferência de competências, de uma questão formal e adjectiva que implicam as seguintes consequências: a presente factualidade com aplicação do presente regime jurídico e que tem por objecto a resolução da presente questão fundamental de direito, até 1 de Janeiro de 2004, era dirimida pela jurisdição comum e depois desta data era dirimida pela competência dos tribunais administrativos.

  9. Divergindo, assim, a jurisdição competente para a resolução da questão em apreço nos presentes autos, consoante a data dos factos fosse anterior ou posterior a 1 de Janeiro de 2004.

  10. É justamente este o caso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.1992, que trata da mesma questão material e fundamental de direito dos presentes autos: a interrupção do mandato de um gestor público, antes do fim do prazo, imposta pela Administração, quando não fundamentada em motivo justificativo”, nem na “dissolução dos órgãos de gestão” (como consequência da alteração da natureza jurídica de uma pessoa colectiva pública detida unicamente pelo Estado, Banco B……) — cfr. Acórdão disponível em www.dgsi.pt.

  11. Que, além do mais, aplica o mesmo regime jurídico, a saber: indemnização é calculada nos termos do n.° 6 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 464/82, ou seja, o Estatuto do Gestor Público.

  12. E, por fim, se pronuncia sobre a mesma questão de direito, considerando, assim, que a obrigação de indemnizar recaía sobre o Estado-Accionista e, por conseguinte, sobre o Banco B……, e não sobre o Estado-Legislador, porquanto o primeiro (Estado-Accionista), apenas, se socorreu do seu poder legislativo e na qualidade de legislador para exercer, na verdade, o seu poder administrativo — manifestado num acto materialmente administrativo — na qualidade de accionista da pessoa colectiva que transformou por via de Decreto-Lei! N) Esta decisão é de sentido contraditório com a constante do Aresto ora Recorrido e proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, sendo ainda certo que a única razão, porque aquele acórdão não foi proferido pelo STA, mas sim pelo STJ, se prende com a data em que ocorreram os factos, ou seja, se os factos ocorressem depois do dia 1 de Janeiro de 2004 a decisão teria sido proferida pela jurisdição administrativa e não pela comum.

  13. Esta transferência de competência da jurisdição comum para a jurisdição administrativa não pode ser escamoteada, nos presentes autos, nem fundamento de rejeição do presente recurso uniformizador de jurisprudência, nos termos em que seguidamente se passam a explicar.

  14. Tanto mais que não se trata de um caso semelhante a outras questões anteriores tratadas pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, em que há uma competência repartida entre as duas jurisdições, isto é, a questão em apreço é de tal forma complexa que toca diversas matérias/questões jurídicas da competência das diferentes jurisdições, administrativa e comum — cfr. Acórdão do STA de 21.01.2011 Senão vejamos, Q) Só há lugar à admissibilidade do recurso de uniformização de jurisprudência, caso estejam reunidos os seguintes requisitos (i) contradição de dois acórdãos do TCA, de dois acórdãos do STA ou entre um acórdão do STA e do TCA, (ii) sobre a mesma questão fundamental de direito, desde que (iii) o acórdão recorrido e o acórdão fundamento tenham transitado em julgado e que (iv) não exista jurisprudência mais recente e consolidada no STA no sentido do acórdão recorrido.

  15. A previsão da possibilidade de um recurso de uniformização de jurisprudência, pretendeu o legislador a possibilidade de se aferir se duas situações que mereciam o mesmo tratamento, a mesma solução, foram ou não alvo de decisões dispares, prevendo-se, em caso positivo e por recurso ao Supremo Tribunal Administrativo, a possibilidade de fixar qual o sentido decisório que deveria prevalecer.

  16. Tudo isto com vista a potenciar o tratamento jurídico igual para questões idênticas na prossecução dos ideias de justiça e de igualdade, segundo o qual a mesma questão deve ter o mesmo tratamento/solução.

  17. De tal sorte, compreende-se que, por princípio, o recurso de uniformização de jurisprudência se reporte a decisões tomadas no âmbito da jurisdição administrativa, porquanto, à partida e em teoria, a mesma questão fundamental de direito, com base em factualidade idêntica e por aplicação do mesmo regime jurídico, idealmente, só poderia caberia sempre no âmbito da mesma jurisdição, neste caso, administrativa.

  18. Não obstante, a realidade (jurídica) não se revela tão linear e clara como o desejado, por via das sucessivas alterações legislativas, o que fez com que, como supra explicado, a competência para decidir sobre a questão em apreço tenha sido, a partir de 1 de Janeiro de 2004, transferida para o âmbito da jurisdição administrativa.

  19. E foi precisamente o que ocorreu nos presentes autos, como já foi nesta sede adiantado, a mesma questão fundamental de direito, com idêntica factualidade e por aplicação do mesmo regime jurídico, teve apreciação de duas jurisdições diferentes, com sentidos decisórios diferentes: um constante do Acórdão recorrido e outro constante do...

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