Acórdão nº 0133/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Junho de 2012
Magistrado Responsável | LINO RIBEIRO |
Data da Resolução | 14 de Junho de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. O Município de Lisboa, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 5 de Setembro de 2011, que julgou procedente a impugnação deduzida pela A………, com os demais sinais nos autos, contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida sobre as liquidações da taxa municipal de ocupação da via pública, relativa ao ano de 2009, no valor total de €373,724,4.
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte: I. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 5 de Setembro de 2011, que julgou a impugnação judicial procedente por considerar que a partir da entrada em vigor da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, a aplicação da Taxa Municipal de Direitos de Passagem afasta a taxa municipal de ocupação da via pública, o que acarreta a ilegalidade dos actos de liquidação impugnados.
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A douta Sentença recorrida alicerçou tal conclusão no entendimento de que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela Lei, não lhes sendo lícito taxá-las através da taxa municipal de ocupação da via pública impugnada, pois tal acto constituiria, atendendo ao facto gerador dos tributos, uma duplicação do tributo.
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Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorre em vício de erro de direito na interpretação e aplicação das normas jurídicas, designadamente, da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, violando o disposto nos artigos 238°, nº 4 e 241º, ambos da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como, o nº 2, do artigo 4º da Lei Geral Tributária (LGT), o nº 1, do artigo 15°, da Lei das Finanças Locais e a alínea b) do nº 1, do artigo 6°, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, por concluir pela ilegalidade dos actos de liquidação da taxa de ocupação da via pública, com base na interpretação do artigo 106° e, consequentemente, considerar que é vedada, à Recorrente, a possibilidade de liquidar à Recorrida taxa distinta da Taxa Municipal de Direitos de Passagem.
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O juízo proferido na douta Sentença recorrida não pode proceder no douto Acórdão que irá ser proferido por V. Exas.
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Na verdade, a actuação da Recorrente encontra-se devidamente legitimada e legalmente enquadrada, porquanto, respeita as normas legais e regulamentares vigentes, maxime, constitucionais, não padecendo, em consequência, os actos de liquidação de quaisquer vícios.
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Considera a Recorrente que é necessário ir mais longe e articular a Lei das Comunicações Electrónicas, com os poderes, atribuições e competências dos Municípios consagrados na Constituição da República Portuguesa e verbalizados na Lei das Finanças Locais e Regime Geral de Taxas das Autarquias Locais, questão que não é sequer abordada na Sentença e conduz necessariamente a diversa interpretação da levada a efeito na douta Decisão de que se recorre.
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A concepção de organização do Estado reconhecida na nossa Lei Fundamental define as autarquias locais como pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas, as quais têm património e finanças próprios, sendo que as receitas destas incluem obrigatoriamente as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços, podendo estas dispor de poderes tributários, nos casos e termos previstos na lei (cfr. artigo 238º da Constituição da Republica Portuguesa).
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Com efeito, os municípios estão habilitados na gestão do património autárquico, a cobrar taxas por qualquer licença da sua competência, estando tais poderes, materializados na Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro, determinado o nº 1 do seu artigo 15° que os "Municípios podem cobrar taxas nos termos do regime geral das taxas das autarquias locais".
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Nesta senda, define o artigo 3° da Lei nº 53-E/2006, de 29.12, que aprovou o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), vigente desde 1 de Janeiro de 2007, que as taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
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Incidindo objectivamente as taxas das autarquias locais, sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela actividade dos municípios, designadamente, pela concessão de licenças e pela utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado das autarquias locais, vd alíneas b) e c), do n. ° 1, do artigo 6°, do RGTAL.
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Uma das vertentes fundamentais da autonomia financeira das autarquias locais traduz-se exactamente na possibilidade constitucional dos municípios poderem arrecadar e dispor de receitas próprias, como resulta do nº 3, do artigo 238°, da CRP, traduzindo-se, no seu expoente máximo, no exercício dos poderes tributários, também estes, constitucionalmente cometidos (cfr. n. ° 4, do artigo 238°, da CRP) e, todos, espelhados na Lei das Finanças Locais, designadamente, nos seus artigos 3ºe 11º.
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Atendendo ao princípio da especialidade, dispõe o nº 1 do artigo 8° do RGTAL que as taxas das autarquias locais são criadas por regulamento aprovado pelo órgão deliberativo respectivo, competindo, nesta senda, à respectiva Assembleia Municipal estabelecer as taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos sob proposta ou pedido da Câmara - cfr. alíneas a) e e) do nº 2 do artigo 53° da Lei das Autarquias Locais, aprovada pela Lei nº 169/99, de 18 de Setembro.
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Os Regulamentos têm assegurado a sua constitucionalidade e legalidade, nos termos dos artigos 235°, 238° e 241º, todos da CRP, e da própria Lei das Finanças Locais e RGTAL.
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Desta forma, no uso das competências atribuídas e no que respeita à taxa de ocupação da via pública impugnada vigora o Regulamento Geral do Mobiliário Urbano e Ocupação da Via Pública (RGMUOVP), aprovado pelo Edital nº 101/91.
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Cujos montantes se encontram fixados anualmente na Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais para o ano financeiro de 2009, aprovada pela Deliberação nº 02/AM/2009 (Deliberação nº 1218/CM/08), publicada no Boletim Municipal nº 777, de 8 de Janeiro de 2009.
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Decorre do elenco normativo que antecede, a possibilidade de cobrança pelos Municípios de taxas pela ocupação do domínio público e privado municipal, em que se subjaz a taxa de ocupação da via pública impugnada.
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A Recorrente no exercício do seu direito, pode, assim, taxar por licenciar o uso especial ou uso privativo da coisa pública municipal, calculado em função da ocupação concreta.
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Existe assim, na relação entre a Recorrente e Recorrida, uma contraprestação inequívoca, com carácter de bilateralidade, em benefício exclusivo desta última, que retira vantagens, em proveito próprio, da ocupação do domínio público municipal.
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Nem por via da Lei, nem Decreto-Lei autorizado, poderia o Estado isentar estas empresas das taxas municipais devidas, ou restringir o seu âmbito à Taxa Municipal de Direitos de Passagem, sob pena de violação clara e grave do princípio da autonomia financeira das autarquias locais e do princípio de que as receitas provenientes da gestão do património autárquico são receitas autárquicas.
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A interpretação do artigo 106° da Lei n.º 5/2004, perfilhada pelo Tribunal a quo não é consentânea com os normativos constitucionais, coagindo os poderes tributários e regulamentares das autarquias locais, estatuídos nos artigos 238° e 241°, ambos, da CRP, pilares da autonomia destas em face do poder central, e da sua consagração enquanto elemento essencial da organização democrática do Estado (cfr. 235º da CRP).
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Acresce que, tão pouco, se retira do artigo 106° da Lei das Comunicações Electrónicas e desta própria, a interpretação que mereceu acolhimento no juízo do Tribunal a quo, pois nem as antecedentes Directivas que a alicerçaram, nem a própria letra da lei, desconsideram a possibilidade de cobrança de taxas municipais, que não a Taxa Municipal de Direito de Passagem.
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Em matéria de direito comunitário, a douta Sentença recorrida limita-se a referir as directivas comunitárias invocadas pela Recorrida, sem que contudo explicite a razão pela qual se consideram ilegais os actos de liquidação da taxa de ocupação da via pública impugnados, em virtude da transposição para a Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro.
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Na verdade, não se extrai das directivas comunitárias a proibição para os Municípios de cobrarem taxas pela ocupação do domínio público municipal ou, outrossim, a violação do direito comunitário pela liquidação das mesmas.
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A Directiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, concernente à autorização e redes e serviços de comunicações electrónicas (Directiva Autorização), prevê no seu artigo 13°, sob a epígrafe “Taxas aplicáveis aos direitos de utilização e direitos de instalação de recursos” que os Estados-Membros podem autorizar a autoridade competente a impor taxas sobre os direitos de utilização das radiofrequências, ou números directos de instalação de recursos em propriedade pública ou privada que reflictam a necessidade de garantir a utilização óptima desses recursos. Os Estados-Membros garantirão que tais taxas sejam objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionais relativamente ao fim a que se destinam e terão em conta os objectivos do artigo 80º da Directiva 2002/21 ICE (Directiva-Quadro).
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Por sua vez, a Directiva 2002/21/CE (Directiva-Quadro) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, veio estabelecer um quadro...
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