Acórdão nº 0793/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução31 de Outubro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A…...

(A……) veio interpor recurso de revista, nos termos do art. 150 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão, de 3.5.2012, do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), pelo qual foi negado provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Circulo (TAC) de Lisboa, que julgou improcedente as providências cautelares de suspensão de eficácia das autorizações de introdução no mercado (AIM), concedidas pelo INFARMED-Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (INFARMED) à contra-interessada B……, Lda (B…….), durante o período de vigência da Patente PT 90845 e do Certificado Complementar de Protecção 152, relativamente aos medicamentos Escitolopram B……, nas dosagens de 5 mg, 10mg, 15mg e 20mg, todos comprimidos revestidos de película, e de intimação do Ministério da Economia e Inovação/Direcção Geral das Actividades Económicas a abster-se de autorizar os preços de vendas ao público (PVP) dos referidos medicamentos.

Apresentou alegação (fls. 1264, ss., dos autos), na qual formulou as seguintes conclusões: A. O presente recurso tem efeito suspensivo nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 143.º do CPTA.

  1. O presente recurso deverá ser admitido na medida em que as questões levantadas pela Recorrente no âmbito do presente recurso de revista assumem não só especial relevância jurídica, mas também conduzirão indubitavelmente a uma melhor aplicação do direito – cf. Acórdãos do presente Alto Tribunal de 9.5.2012 (proc. 0387/12, 0390/12, 0391/12, 0393/12 e 0385/12).

  2. As questões que a Recorrente pretende ver tratadas por este Tribunal implicam operações exegéticas de alguma dificuldade, motivadas desde logo pela interpretação e aplicação de algumas disposições pouco claras e ambíguas da recente Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, diploma que suscita dificuldades pelo carácter genérico da sua formulação e pela novidade que veio introduzir no nosso ordenamento jurídico.

  3. Ainda que se considerasse que o presente recurso não assume uma especial relevância jurídica, sempre teria de ser admitido por ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito por estarmos perante um confronto entre os direitos de propriedade industrial e os limites de atuação das autoridades administrativas, adstritas ao cumprimento do princípio da legalidade, maxime constitucional, no exercício dos poderes que lhe são conferidos.

  4. A entrada em vigor da Lei n.º 62/2011 envolve a aplicação de princípios e normas consagrados supranacionalmente, designadamente de âmbito comunitário, a que o Estado Português e, por maioria de razão, os seus tribunais, se encontram vinculados e devem obediência e por cujo cumprimento são legalmente responsáveis. Por essa razão, merecem ser apreciadas por este Supremo Tribunal.

  5. Além disso, e na medida em que estamos em face de uma decisão que a lei qualifica como recorrível, ao admitir que dela se interponha um recurso ordinário para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150.º do CPTA, e nos termos do art. 668.º do CPC, o presente recurso deve ser admitido para apreciação da nulidade de que padece o Acórdão recorrido.

  6. Deve ser entendido que a apreciação da aplicação da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro reveste uma utilidade jurídica fundamental dadas (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros, devendo, por isso, o presente recurso ser admitido.

  7. As questões objeto do presente recurso assumem não só relevância jurídica fundamental, por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional, mas também conduzirão a uma melhor aplicação do direito, devendo, consequentemente, o mesmo ser admitido.

    I. A Lei n.º 62/2011 não tem qualquer relevância para a análise da verificação do requisito do fumus bonus iuris ou do fumus non malus iuris, requisitos para a concessão da presente providência, pelo que não deveria ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.

  8. As disposições constantes do artigo 25.º, n.º 2 (e, apesar de não referido pelo douto Acórdão os artigos 19.º, n.º 8, do artigo 179.º, n.º 2 e do artigo 23.º-A n.º 1) do Estatuto do Medicamento – na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 –, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, são insuscetíveis de obstarem à procedência da ação principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos atos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.

  9. Tendo o Tribunal a quo entendido que as normas constantes do artigo 25.º, n.º 2, do artigo 179.º, n.º 2 e do artigo 23.º-A n.º 1 e 2 do Estatuto do Medicamento – na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 –, bem como o artigo 8.º, n.º 1. 2, 3 e 4 do mesmo diploma, contêm uma proibição absoluta de que o Infarmed e o MEE/DGAE tomem conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente por parte do medicamento objeto desse procedimento, ou os obriguem a deferir os respetivos requerimentos de concessão de AIMs e de aprovação de PVPs para tais medicamentos, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17.º, 18.º, 62.º, n.º 1 e 266.º da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.

    L. A norma do artigo 9º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011 é, também, inconstitucional pois que, ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objetivo de lhes atribuir efeito retroativo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré-existentes, como é o caso do ato de concessão de AIM e de PVP aqui em crise.

  10. Tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição, que, no seu artigo 18.º, n.º 3, proíbe a atribuição de efeito retroativo a normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.

  11. As considerações acima expostas aplicam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8.º da Lei n.º 62/2011, ao pedido de suspensão do ato de atribuição do PVP pela DGAE.

  12. Uma vez que o Tribunal a quo aplicou as referidas normas no caso vertente com base no artigo 9.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, tal interpretação (e aplicação) é inconstitucional por introduzir uma restrição retroativa de um direito fundamental, violando-se o art. 18.º, n.º 3 da Constituição, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.

  13. A alteração legislativa implementada pela Lei n.º 62/2011 não alterou os termos da avaliação do pedido da Autora, ora Recorrente, na ação principal da qual estes autos são dependentes.

  14. Com efeito, os pedidos formulados na ação principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância...

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