Acórdão nº 020/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução19 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Conflito nº 20/12 Acordam no Tribunal dos Conflitos* A…………, SA., pessoa colectiva n.° ………, com sede na Av. …….., ….. — ……., 4100-….. PORTO, intentou nas Varas Mistas de Coimbra, acção declarativa na forma de processo ordinário, contra a Ré CENTRO HOSPITALAR DE COIMBRA E.P.E., com sede na Quinta dos Vales, 3041-801 S. Martinho do Bispo, Coimbra, N.I.P.C. 508 077893, com os seguintes fundamentos: 1ºA. A. é uma sociedade que, nos termos da legislação aplicável, exerce a actividade de aquisição de créditos decorrentes de vendas ou de prestações de serviços nos mercados interno e externos e todo o leque de operações que integram a actividade de factoring; a concessão de crédito e a emissão de garantias, sob qualquer forma ou modalidade; a prestação de serviços financeiros relacionados com as rubricas clientes e fornecedores, incluindo financiamento directo e indirecto, aconselhamento, comercialização de produtos de seguros, em especial de crédito, gestão de créditos, gestão e realização de cobranças e apoio técnico e financeiro; a realização de todas as demais actividades bancárias globalmente permitidas as instituições financeiras de crédito, incluindo a locação financeira mobiliária e imobiliária.

2ºNo exercício desta actividade, a A. acordou, com as infra referidas sociedades, adquirir todos os créditos destas sobre a R.

3ºAs sociedades cedentes dos créditos à A. são as seguintes: - B………., S.A.; - C………., Lda.; - D………., S.A.; - E………., Lda.; - F………., Lda.; - G………, S.A.; - H………, Lda.; - I……….., S.A.; - J……….., Lda.; - K………., Lda.; - L……….., Lda.

Posto isto, 4ºSob encomenda da R., e no exercício das suas actividades, estas sociedades referidas no supra artº n.º 3.º, forneceram-lhe bens e serviços, 5ºconforme melhor identificados nas facturas aqui juntas como docs. n.°s 1 a 536 — e que aqui se consideram transcritas para todos os efeitos legais -, emitidas em consequência desses fornecimentos.

6ºOs referidos bens e serviços fornecidos foram aceites pela R. e considerados conformes, não tendo esta, por qualquer forma, reclamado.

7ºPor força da cedência de créditos, a A. remeteu à R., nas datas constantes dos respectivos documentos, e esta recebeu, as cartas que se juntam como docs. n.°s 537 a 548 e que aqui se dão como reproduzidos para todos os efeitos legais.

8ºEm consequência a R. assinou e remeteu à A. documentos nos quais declara ter tido conhecimento da cessão dos créditos e compromete-se a pagar directamente à A. esses créditos cedidos — cfr. docs. juntos como n.°s 549 a 556.

9ºCumpridos os requisitos da cessão de créditos, a R. ficou obrigada a pagar os bens e serviços fornecidos, plasmados nas facturas juntas como docs. n.°s 1 a 536, à A.

10ºContudo, atingidas as datas de vencimento de cada uma das facturas juntas como docs. n.°s 1 a 536, a R. não logrou proceder ao seu pagamento, apesar de interpelada para tal.

11ºAo valor total das facturas em dívida, há a descontar o montante de 2.272,23, referente as seguintes notas de crédito emitidas pelas entidades referidas no art.° 3º que aqui se juntam como docs. n.°s 557 a 560 e aqui se dão como reproduzidas para todos os efeitos legais.

12ºAssim, está até ao momento ainda em divida todo o valor de capital no montante de € 1.774.427,24 (um milhão setecentos e setenta e quatro mil quatrocentos e vinte e sete euros e vinte e quatro cêntimos).

13ºValor ao qual acrescem os juros moratórios desde a data de vencimento de cada factura até efectivo e integral pagamento, valor esse que na data de hoje se computa em € 167.102,13 (cento e sessenta e sete mil cento e dois euros e treze cêntimos), conforme cálculo descriminado no quadro junto como doc. n.° 561, que aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

14ºÉ assim a R. devedora, até à presente data, do montante global de € 1.941.529,37 (um milhão novecentos e quarenta e um mil quinhentos e vinte e nove euros e trinta e sete cêntimos).

15ºAutora e Ré são as próprias em Juízo e têm manifesto interesse na demanda, o que lhes confere legitimidade.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, por via disso, ser a Ré condenada a pagar a Autora a quantia de € 1.941.529,37 (um milhão novecentos e quarenta e um mil quinhentos e vinte e nove euros e trinta e sete cêntimos), acrescida de juros vincendos sobre o capital de € 1.774.427,24 (um milhão setecentos e setenta e quatro mil quatrocentos e vinte e sete euros e vinte e quatro cêntimos) calculados às taxas legais vigentes, desde a data de apresentação da presente acção até ao efectivo e integral pagamento e, ainda, custas, procuradoria e demais encargos legais A Ré CENTRO HOSPITALAR DE COIMBRA, EPE, contestou e excepcionou a incompetência material do tribunal comum, com os fundamentos, que se sintetizam, de que 1ºA entidade demandada é uma pessoa colectiva de direito público de natureza empresarial, criada pelo Decreto-Lei n.° 50-A/2007, de 28 de Fevereiro cfr. al. c) do n.° 1 do Art. 1º do DL n.° 50-A/2007 e n° 1 do Art° 5º do DL. n.° 233/2005 de 29 de Dezembro, aplicável ex vi do disposto no n.º 1 do Art. 5º do DL. 50-A/2007..

2ºNos termos das alíneas e) e f) do n.° 1 do Art. 4° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) são da competência da Jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas do direito público e, ainda, para apreciação das questões relativas à interpretação, validade e execução do contratos do objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública.

3ºPor sua vez, o Código dos Contratos Públicos apenas exclui da aplicação da Parte II Contratação Pública «a formação dos contratos, a celebrar pelos hospitais E.P.E., “de locação ou de aquisição de bens móveis a de aquisição de serviços cujo valor seja inferior ao referido na alínea b) do Art. 7º da Directiva n.° 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março”— cfr. al. b) do n.° 3 do Cód. dos Contratos Públicos, aprovado pelo D.L. n.° 18/2008, de 29 do Janeiro.

4ºOu seja, todos os contratos a celebrar pelos hospitais E.P.E. de aquisição de bens e serviços de valor superior a 193 000,00 € (cento e noventa e três mil euros) são submetidos às normas de direito público.

[…]” A aquisição dos bens a que se referem as facturas juntas indicadas nos art°s 6° a 9°, foram precedidas de Concurso Público, sendo que, há ainda a aquisição de medicamentos no âmbito do Contrato Público do Aprovisionamento entre os fornecedores e Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), como se descreve, a título exemplificativo no art°11 da contestação.

“Pelo exposto, deve ser declarada a incompetência material das Varas de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, absolvendo-se a entidade demandada da instância.” Houve réplica onde a Autora alega, em suma: “[…] 15ºOra, no caso dos presentes autos, a R., embora pessoa colectiva de direito público, não está imbuída dos seus poderes de autoridade, motivada por razões de interesse público.

16ºPelo contrário, a R., aceitou a cessão de créditos estabelecida entre as empresas, suas credoras, e a A., na mesma posição em que qualquer particular o faria.

17ºAo que acresce que a causa de pedir, nos presentes autos, é a cessão de créditos emergente de diversos contratos de factoring, associada as declarações de conhecimento e aceitação da cessão de créditos, subscritas pela devedora, nas quais se compromete a pagar directamente a Autora — cfr. docs. 537 a 556 juntos com a petição inicial e que se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais.

18ºPelo que, a relação jurídica ora em crise é uma relação de direito privado e não uma relação regulada por normas de direito administrativo.

19ºE isto não se altera pelo facto de a Ré ser uma pessoa colectiva de direito público de natureza empresarial, uma vez que o Direito a aplicar ao presente caso é o Direito Civil e não o Direito Administrativo.

[….] 32º[...] a questão em apreço não se prende com a validade, interpretação, e execução de um contrato ou procedimento de qualquer um dos tipos mencionados nas alíneas e) e f) do art.° 4.° do ETAF.

[...] 35º[...] a causa de pedir, nos presentes autos, é a cessão de créditos emergente de diversos contratos de factoring, associada as declarações subscritas pela devedora em que declara ter conhecimento da cessão de créditos e se compromete a pagar directamente a Autora.

36°A Ré não impugnou, ou seja aceitou, o alegado na petição inicial quanto à relação jurídica ora em crise [...] [...] 41°Aquilo que está aqui em causa, e que a R. não contesta, é uma cessão de créditos realizada no âmbito de um contrato de factoring, outorgado entre a A. e os fornecedores de bens e serviços da R., 42°Bens e serviços que a R. aceitou, sem reclamar, ao que acrescem as declarações expressas da R. nas quais se compromete a pagá-los directamente a A., 43ºPelo que, não tendo a Ré cumprido com o pagamento a que se obrigou, tem a Autora, nos termos gerais do Código Civil e do Regime Jurídico dos Contratos de Factoring, previsto no DL. 171/95, de 18 de Julho, direito ao seu recebimento, acrescido dos juros de mora e demais despesas.

[…] 50ºNestes termos, e por demais evidente que a questão a decidir se contém nos limites de uma relação regulada pelo direito civil, já que a aceitação das cessões de créditos e as garantias prestadas não derivam do exercício de poderes públicos, nem configuram contrato administrativo, nem são reguladas por normas de direito administrativo, mas pelas regras...

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