Acórdão nº 058/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução06 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A……… propôs contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO (doravante CSMP) a presente acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido cumulada com impugnação de acto administrativo e acção de simples apreciação para o que, em resumo, alegou: - Exerce funções como Procuradora-Adjunta na comarca da ......... assegurando, em regime de turnos, o serviço urgente nos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no 2.º dia feriado, em caso de feriados consecutivos.

- É membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, organização religiosa com personalidade jurídica inscrita no registo de pessoas colectivas religiosas e, por essa razão, está obrigada a guardar o Sábado como dia de descanso, adoração e ministério, abstendo-se de todo o trabalho secular.

- Para que essa obrigação religiosa pudesse ser plenamente cumprida a referida Igreja enviou, no ano de 2010, ao Governo português uma lista com indicação dos dias de descanso relativos a 2011 e a Autora dirigiu requerimento ao seu superior hierárquico solicitando a dispensa do seu trabalho nos turnos marcados para os sábados que lhe cabiam fazer nesse ano, bem como autorização para compensar o trabalho nesses dias com outros dias de turno que não coincidissem com o Sábado.

- Pretensão que foi indeferida por duas vezes: a primeira pelo Acórdão CSMP, de 8/04/2011, e a segunda por deliberação do mesmo Conselho, de 11/10/2011, ambas com o fundamento de que a sua pretensão só podia ser deferida se a Requerente estivesse, nos termos do art.º 14.º/1/a) da Lei de Liberdade Religiosa (LLR), aprovada pela Lei n.º 16/2001, de 22/06, sujeita a um horário de trabalho flexível e de as funções por ela exercidas não corresponderem a esse tipo de horário.

- Entendimento que assenta numa interpretação inconstitucional da citada norma já que, estando o direito à liberdade de consciência, de religião e culto e o direito a escolher livremente a profissão consagrados constitucionalmente como direitos fundamentais invioláveis (art.ºs 41.º e 47.º/1 da CRP), não podia a LLR atentar contra os mesmos.

- Ambas as deliberações impugnadas estavam, assim, feridas de nulidade.

Finalizou o seu articulado formulando os seguintes pedidos: a) Que se recusasse a aplicação do art.º 14.º/1/a) da Lei de Liberdade Religiosa quando interpretada no sentido constante das deliberações do CSMP de 8/04/2011 e 11/10/2011, de que a possibilidade de dispensa de trabalho por motivos religiosos apenas se verifica no tocante aos trabalhadores em regime de horário flexível, por ser materialmente inconstitucional.

b) Que se recusasse a aplicação daquela norma quando interpretada no sentido constante das deliberações do CSMP de 8/04/2011 e 11/10/2011 de que a escolha da profissão exercida pela Autora implicava a aceitação e cumprimento de todos os deveres inerentes a esse ofício, fazendo equivaler ao significado de deveres a impossibilidade de direitos, liberdades e garantias, sem que se verificassem os seus pressupostos de restrição, por ser materialmente inconstitucional por ofensa ao direito à liberdade de escolha da profissão consagrada no art.º 47.º/1 da CRP.

c) Que fosse declarada a nulidade da deliberação do CSMP de 8/04/2011 d) Que o Réu fosse condenado a, relativamente aos turnos já agendados, a dispensar a Autora da realização de turnos que coincidissem com os dias de sábado mediante a compensação de outros dias de turno que não coincidissem ao sábado e) Que o Réu fosse condenado a, relativamente aos turnos não agendados, abster-se de atribuir à Autora turnos que coincidissem com os dias de sábado no sentido constante das deliberações do CSMP de 8/04/2011 e 11/10/2011 f) Que se reconhecesse à Autora o direito à guarda do dia de sábado, com abstenção de todo o trabalho secular, por ser o dia Santo na Igreja que professava e por tal constituir o núcleo essencial do direito à liberdade de consciência, religião e culto consagrado no art.º 41.º da CRP.

Contestando, o CSMP pôs em causa a idoneidade do meio processual escolhido sustentando que aos pedidos formulados pela Autora correspondiam três distintas formas de processo; aos três primeiros a acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo; aos dois seguintes a acção administrativa especial para condenação à prática do acto devido; e, ao último a acção administrativa comum para reconhecimento de direito. E que, sendo assim, e sendo que o deferimento desta última pretensão acautelava todos os interesses por ela defendidos - na medida em que o reconhecimento do pleno exercício do direito à liberdade de culto na formulação que ela lhe dava supõe a ilegalidade das deliberações impugnadas e implicava a prática dos actos por ela reclamados - concluiu que o meio processual próprio era a acção administrativa comum.

De seguida, rejeitou que as deliberações impugnadas pudessem constituir uma restrição inadmissível do exercício do seu direito de culto e se traduzissem na violação do princípio da igualdade visto, por um lado, as mesmas não impedirem a Autora de praticar livremente a sua religião e, por outro lado, o deferimento da sua pretensão é que se traduziria numa inaceitável violação do princípio da igualdade na medida em que lhe conferiria um tratamento diferenciado dos Colegas que professassem religião diferente. Ademais, a proposta de compensar as suas faltas noutros dias de trabalho era inviável, atenta a organização e funcionamento do M.P., e poria em causa os valores superiores que este defende, que se sobrepõem aos direitos individuais da Autora. Acrescia que os actos impugnados não infringiam o princípio da proporcionalidade nem punham em causa o direito à liberdade de escolha da profissão.

Por fim, acrescentou que a decisão a proferir nesta acção poderá ficar prejudicada pelo que se vier a sentenciar no recurso jurisdicional pendente no processo 1078/11 já que se este obtiver provimento e, em consequência, o pedido nele formulado vier a ser julgado procedente esta acção perderá interesse. Requereu, assim, a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no identificado recurso.

No despacho saneador resolveram-se as identificadas questões prévias – falta de idoneidade do meio processual utilizado e existência de causa prejudicial – e, não havendo prova a produzir, ordenou-se a notificação das partes para alegações.

A Autora finalizou o seu discurso alegatório da seguinte forma: 1. A alínea a) do n.° 1 do artigo 14.° da LLR quando interpretada no sentido de que a possibilidade de dispensa de trabalho por motivos religiosos apenas se verifica quanto aos trabalhadores em regime de horário flexível padece de inconstitucionalidade material por violar os artigos 41.°, n.° 1, 18.° n.ºs 1, 2 e 3 e 13.°, n.ºs 1 e 2 da CRP, devendo ser recusada a sua aplicação quando interpretada neste sentido. Mais 2. Ao afirmar nas deliberações adoptadas que a escolha da profissão exercida pela Autora implica a aceitação e cumprimento de todos os deveres inerentes a esse oficio, fazendo equivaler ao significado de deveres a impossibilidade de exercício de direitos, liberdades e garantias, sem que se verifiquem os seus pressupostos de restrição, o Réu faz uma interpretação da alínea a) do n.° 1 do artigo 14.° da LLR que igualmente padece de inconstitucionalidade material por ofensa ao direito à liberdade de escolha da profissão, consagrada no n.° 1 do artigo 47.° da CRP, devendo, por esse motivo ser recusada a aplicação da norma da LLR quando interpretada nesse sentido.

  1. Inconstitucionalidades essas que aqui expressamente se invocam para todos os efeitos legais, nomeadamente os previstos no artigo 280.° da CRP, devendo ser recusada a aplicação da alínea a) do n.° 1 do artigo 14.° da LLR.

  2. Relativamente às concretas deliberações do Réu, de 08.04.2011 e de 11.10.2011, por ofenderem o conteúdo fundamental dos direitos, liberdades e garantias aqui referidos (artigos 41.°, n.° 1 e 47.°, n.° 1 da CRP), deverá ser reconhecida a sua nulidade, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 133.° do CPA.

  3. Consequentemente, deverá o Réu ser condenado a dispensar a Autora dos turnos marcados para os dias que coincidam com o dia de Sábado, já agendados, que serão integralmente compensados em dias de turno que não coincidam com o dia de Sábado, quer sejam de serviço urgente ou em períodos de férias judiciais que não coincidam com as suas férias pessoais.

  4. Cumulativamente, no que se refere aos turnos que ainda não estejam agendados, deverá o Réu ser condenado a abster-se de atribuir à Autora os turnos que coincidam com o...

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