Acórdão nº 0477/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução05 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório -1 – A………, LDA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 31 de Janeiro de 2012, que, julgou parcialmente procedente a impugnação por si deduzida contra liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2006 e 2007, anulando-as na parte referente aos valores de venda apurados pela AT quanto às fracções “A”, “E”, “G” e “H”, do lote C e mantendo-as na parte restante.

A recorrente conclui a suas alegações de recurso enunciando as seguintes conclusões:

a) Não sendo o tribunal fiscal um órgão da administração activa dos impostos, mas antes um órgão para dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas fiscais (art. 212.º. nº 2, da Constituição da república Portuguesa), não lhe cabe praticar o acto tributário que, como título formal e abstracto, declara constituídos na Ordem Jurídica os efeitos próprios de uma obrigação pecuniária.

b) A tanto se opõe o princípio da separação de poderes entre os tribunais e o executivo ou a administração, consagrado como princípio estruturante do sistema de poderes no artigo 111.º da Constituição.

c) No caso estamos perante a aplicação de métodos indirectos de acordo com o que do relatório de inspecção consta e que foi levado ao probatório, pelo que, a regra a aplicar é a constante daquele n.º 3.

d) E, assim sendo, tendo o impugnante provado o excesso na quantificação, a sentença recorrida deveria ter anulado o acto na totalidade, valorando-se a favor do contribuinte as dúvidas fundadas que subsistam sobre a quantificação da matéria tributável, inclusivamente as que se gerem sobre os pressupostos da utilização de tais métodos, o que está em consonância com a repartição do ónus da prova nesta matéria, expressamente estabelecido para o procedimento tributário.

e) Errou, pois, a sentença recorrida, como errou no julgamento das causas de pedir, aqui comuns aos exercícios de 2006 e 2007, referentes à ilegalidade do critério presuntivo e do vício de falta de fundamentação.

f) A Administração faz “tábua rasa” dos critérios legais identificados na respectiva previsão legal aplicável, ou seja, o art. 90.º da LGT.

g) E quanto à taxatividade daqueles critérios, veja-se a anotação àquele artigo na Lei Geral Tributária, comentada e anotada por Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa:”A lista de factores a atender tem carácter taxativo, como se depreende do não uso de qualquer expressão que indique que se está perante uma enumeração exemplificativa”.

h) Este carácter taxativo dos critérios utilizados na avaliação indirecta está em sintonia com a intenção legislativa de procurar objectividade na realização da avaliação de rendimentos (art.º 84.º LGT), bem como com o carácter subsidiário que o legislador atribui à avaliação indirecta (art. 85.º LGT), uma vez que a enumeração taxativa dos pressupostos de aplicação desta avaliação (art. 87.º LGT) leva obrigatoriamente à delimitação dos métodos de quantificação, caso contrário, a segurança jurídica e as garantias dos contribuintes que visam defender com a taxatividade das situações susceptíveis de originarem uma tributação por métodos indirectos seriam facilmente postas em causa se a administração tributária pudesse utilizar um qualquer método de quantificação de que se lembrasse.

i) Esta é, aliás, uma solução que se impõe mesmo em termos de constitucionalidade, pois, nos casos em que não pode ser determinada directamente a matéria tributável, a relevante para efeitos de liquidação acaba por ser a ficcionada que resulta da aplicação dos métodos de avaliação indirecta, pelo que as normas que indicam os elementos que podem ser valorados para esse efeito reconduzem-se a verdadeiras normas de incidência objectiva do tributo, que, por isso, estão sujeitas ao princípio da reserva de lei em sentido próprio (arts. 103.º, n.º 2, da CRP e 8.º n.º 1 da LGT) não podendo ser preenchidas por via não legislativa as hipotéticas lacunas (art. 11.º, n.º 4, da LGT).

j) Por outro lado, este é também o entendimento imposto pelo princípio da legalidade, cuja definição, constante do art. 3.º do CPA, é aplicável subsidiariamente no procedimento tributário, em virtude da ausência de uma definição própria no art. 55.º da LGT, por força do preceituado no art. 2.º, alínea c) desta lei.

k) Na verdade, este princípio tem hoje uma formulação positiva, nos termos da qual a lei tem de ser o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa.

l) Assim, a administração tributária só pode fixar a matéria tributável através de avaliação indirecta baseando-se nos elementos indicados na lei, constituindo vício de violação de lei a utilização de elementos sem cobertura legal.

m) O discurso fundamentador tem de externar o momento cognitivo dos factos, o modo como estes foram conhecidos, o percurso endógeno da sua avaliação, segundo os mais variados critérios de validação racional (empíricos, técnicos, jurídicos ou outros), de cuja ponderação resulte como inteiramente justificada racionalmente a solução do apuramento do rendimento tributável e na expressão quântica fixada, o que “in casu”, não acontece.

n) Depois de referir que a AT considerou existir baixa rentabilidade fiscal nos exercícios de 2006 e 2007 devido à omissão de vendas (proveitos), dinheiro pedido e recebido a mais que o valor da escritura, aquando da venda, e afastamento dos valores declarados dos praticados pelo mercado na época e zona, não se entende como é que pode considerar existir uma fundamentação de acordo com a lei.

o) Acaso consegue o Tribunal recorrido explicar quais são os concretos valores praticados pelo mercado e na zona? p) Tais afirmações são puramente gratuitas e estribam-se apenas em considerações de ordem genérica e subjectiva sem apontar elementos concretos, objectivos, com recolha de factos da vida real que possam ser sindicáveis pelo órgão de justiça, pelo que fica demonstrada a manifesta insuficiência do discurso empregue.

q) A verdade tem muitas faces e a verdade é como a velha estrada para Avalon: depende muito de nós e da nossa própria vontade para a encontrarmos.” (trad. aproximada de Marion Zimmer Bradley, As Brumas de Avalon) Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a douta sentença recorrida com a inerente anulação total dos actos tributários, com todas as legais consequências.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 366, frente e verso, dos autos, no qual conclui pela improcedência do recurso.

4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 367 a 369 dos autos), veio o recorrente, nos termos de fls. 370, frente e verso, manifestar a sua discordância com a posição do MP.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação –5 – Questões a decidir São as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao determinar a anulação meramente parcial da liquidação (conclusões a) a e) 1.ª parte), se é ilegal o critério presuntivo utilizado pela Administração tributária (conclusões f) a l) das alegações) e se ocorre o vício de falta de fundamentação (conclusões m) a p) das alegações de recurso).

6 – Matéria de facto 6.1 Na sentença do objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:

  1. A impugnante foi alvo de uma acção de fiscalização que incidiu sobre IRC dos exercícios de 2006 e 2007, no âmbito da qual foi elaborado o relatório de fls. 55 a 27 do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido onde, entre o mais, consta o seguinte: «(…) II.2. MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL MOTIVO: Na sequência do cruzamento de informação entre valores de venda das várias fracções imobiliárias escrituradas e o somatório dos mútuos contraídos pelos respectivos adquirentes, constatou-se que, nalguns casos, o somatório dos mútuos é superior ao valor declarado de Venda.

    Também em acção de prospecção efectuada ao SP se verificou que os preços de venda declarados estão abaixo dos constantes e anunciados aquando dessa acção de prospecção. Desta forma foi aberta ordem de serviço geral para os anos de 2006 e 2007, como intuito de apurar a verdadeira situação tributária do SP.

    (…) 4. RESULTADOS FISCAIS DECLARADOS A empresa declarou os seguintes resultados fiscais: (…) Verifica-se assim que, sem razão justificada, e como se demonstra nos capítulos IV e V do presente relatório, o SP apresenta resultados fiscais muito baixos e, consequentemente, rentabilidade fiscal baixa. Há ainda a realçar que: - A empresa, como vamos referir no capítulo IV do presente relatório) suportou encargos financeiros (juros), devido aos financiamentos, sob hipotecas) das instituições financeiras, para fazer face à construção de imóveis residenciais, situação que só se resolvia e resolve aquando da venda dos imóveis (fracções) com o consequente DISTRATE (cancelamento da hipoteca por fracção autónoma); - Como vamos relatar nos capítulos IV e V, os resultados fiscais declarados para os exercícios de 2006 e 2007, em análise, são muito baixos. Tal situação resulta, principalmente, não obstante os encargos financeiros, do facto de os preços de venda declarados por fracção não serem reais, houve omissão de valores, como vamos descrever nos capítulos IV e V; - Quer os resultados líquidos declarados quer os resultados fiscais foram muito baixos devido à omissão de vendas; (…) - Em consequência, de todo este desempenho declarado, a rentabilidade declarada é, igualmente, muito baixa.

    1. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS A MATÉRIA TRIBUTÁVEL - Não aplicável ao caso em apreciação.

      IV- MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A METODOS INDIRECTOS IV.1. VALORES QUE O S.P. DECLAROU PARA EFEITOS DE IRC Dos mapas constantes do dossier fiscal e da IES, informação...

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